Teoria da Loucura

Teoria da Loucura: história e três abordagens distintas

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A palavra da Teoria da Loucura só existe em português e em espanhol, possuindo o mesmo significado: “Doença mental caracterizada pela alienação total do indivíduo em relação aos fatos que lhe são pertinentes; falta de senso ou de juízo; extravagância; tudo que está fora das regras da normalidade; desatino, desvario”.

Em alemão, o termo utilizado é “wahnsinn”, significando um transtorno mental acompanhado de delírio. Em francês, usa-se “folie”, para designar um distúrbio mental; uma ilusão da mente, a falta de julgamento e de razão. Finalmente, em inglês, o termo “madness” é utilizado para o estado de estar grave e mentalmente doente.

Entendendo sobre a teoria da Loucura

Podemos observar que a alienação em relação aos fatos, isto é, à realidade, bem como a falta de senso ou juízo e o delírio são aspectos cognitivos, enquanto que extravagância e desobediência às regras da normalidade são aspectos comportamentais.

Sejam tratadas como doença, transtorno ou distúrbio, fato é que as psicopatologias são formas de sofrimento da alma e assumem uma relação dinâmica entre o que é considerado normal ou patológico, em conformidade com cada cultura e época.

Resumo sobre a Teoria da Loucura

Há indícios arqueológicos que apontam, no antigo Egito, a prática de trepanações cranianas, possivelmente feitas com o objetivo de localizar alguma causa da doença mental dentro do crânio. Na Grécia, o poeta Homero afirmava que os homens não passavam de bonecos à mercê dos deuses, o que criava uma aparência de estarem possuídos, a qual os gregos chamavam “mania”.

Já Sócrates distinguia quatro tipos de loucura: A loucura profética, em que os deuses se comunicariam com os homens possuindo o corpo de um deles (o oráculo); a loucura ritual, em que uma pessoa era levada ao êxtase através de danças e rituais, ao fim dos quais seria possuído por uma força exterior; a loucura amorosa, produzida por Afrodite e a loucura poética, produzida pelas musas.

E, para Platão, existia ainda a loucura divina, essencial para o exercício da filosofia. Ao longo de toda a Antiguidade e Idade Média as psicopatologias foram tratadas essencialmente sob esse viés espiritual, seja por práticas mágicas e religiosas ou por possessões demoníacas.

Teoria da Loucura na Idade Média

Na Idade Média, os doentes mentais eram degredados, punidos com crueldade, recolhidos a prisões e masmorras em meio a assassinos e outros marginais, exibidos em circos como aberrações, algemados e encarcerados em cubículos imundos, muitas vezes condenados a morte, etc. Só em meados do século XVIII, sob a forte influência das ideias iluministas é que o tratamento das psicopatologias se desvinculou do sobrenatural e passou a ser visto pela óptica da racionalidade.

Em Meditações Sobre Filosofia Primeira (1641), o pensador francês René Descartes coloca a loucura como sendo elemento inerente ao próprio pensamento, uma vez que folie, como vimos, tem o sentido de falta de julgamento e de razão. Assim, coube a Philippe Pinel e a seu discípulo Jean-Étienne Dominique Esquirol, iniciarem o chamado “tratamento moral”, que consistia num conjunto de medidas que mantinham o respeito pela dignidade do enfermo mental e aumentavam a sua moral e autoestima.

Esta tendência permaneceu nos asilos psiquiátricos ao redor do mundo até meados de 1948, quando foi criada a Organização Mundial da Saúde (OMS), agência especializada de abrangência internacional, subordinada à Organização das Nações Unidas (ONU). Em sua Constituição, a OMS declara que saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças”. Este novo conceito de saúde foi fundamental para a implantação de novas políticas públicas destinadas a tornar o tratamento da saúde mental ainda mais humanizado, com a diminuição e, em muitos casos, a total erradicação dos manicômios e alguns procedimentos como uso das camisas-de-força, isolamento em celas solitárias e eletrochoques.

Três formas de pensar sobre a Teoria da Loucura

De acordo com os psicanalistas Elisabeth Roudinesco e Michel Plon (1998), existem três formas de se pensar a loucura:

  1. Considerá-la uma psicose (paranóia, esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva);
  2. considera-la sob o viés de uma diferença cultural (etnopsiquiatria, etnopsicanálise, psiquiatria transcultural) e
  3. Considerá-la pelo ângulo de uma escuta transferencial da fala, do desejo ou da vivência do sujeito (psiquiatria dinâmica, análise existencial, fenomenologia, psicanálise, antipsiquiatria).

De fato, essas três abordagens se complementam, uma vez que é muito difícil enxergar a loucura independente da razão que a pensa. Além do mais, poucos quadros clínicos mentais apresentam todas as características de uma doença no sentido tradicional do termo.

Daí a preferência pelo termo transtorno. Porém, o conceito de transtorno se refere, de um modo geral, a comportamentos considerados diferentes, desviantes ou “anormais” – o que, por sua vez, também é algo bastante impreciso. Além disso, há inúmeros transtornos que não podem ser classificados como doenças reais, tais como algumas formas de depressão, alguns estádios maníacos, algumas neuroses somáticas graves, etc. (GILLIÉRON, 2004, pág. 19)

A Psicanálise e a loucura

Falando especificamente em Psicanálise, esta sempre assumiu uma postura contrária à Psiquiatria, por exemplo, que sempre se ocupou mais da classificação clínica do que da escuta do sofrimento dos pacientes. Exemplo disso é foi o trabalho desenvolvido por Eugen Bleuler, na Clínica do Burghölzli, em Zurique. Bleuler era psiquiatra e foi diretor do Hospital de Burghölzli e tinha o jovem Carl Gustav Jung como seu colaborador.

Juntos, eles incentivavam os jovens psiquiatras a interessar-se pelas ideias de Freud e ingressar no campo da psicanálise. Outros discípulos e sucessores de Freud, principalmente Karl Abraham e Melanie Klein foram os primeiros a elaborar uma clínica da loucura. Abraham trabalhava em Burghölzli, onde conheceu Jung e se iniciou na Psicanálise.

Em sua obra merecem destaque seus estudos aprofundados e sistematizados sobre as etapas pre-genitais da libido; o conceito de objetos parciais; a definição dos processos de introjeção e projeção e seu estudo clínico sobre pacientes pseudocolaboradores. Klein, que já era uma grande entusiasta da Psicanálise e admiradora fiel de Freud foi paciente de Abraham no período de 1924 a 1925, sofrendo forte influência de sua obra.

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    A existência do ego e a Teoria da Loucura

    Além de ter criado uma técnica própria de psicanálise com crianças, Klein postulou a existência de um ego inato rudimentar, assim como a pulsão de morte já no recém-nascido; concebeu a mente como um universo de objetos internos relacionados entre si através de fantasias inconscientes que constituiriam a realidade psíquica; concebeu os objetos parciais e postulou uma constante clivagem entre os objetos e entre as pulsões.

    Suas considerações sobre mecanismos arcaicos do desenvolvimento emocional primitivo permitiram a análise com crianças, mas também com psicóticos e com pacientes muito regressivos em geral. Klein promoveu uma grande mudança na prática psicanalítica no sentido de que as interpretações fossem sistematicamente transferenciais, mais voltadas para os objetos parciais, para os sentimentos e defesas arcaicas do paciente e priorizando o trabalho do analista na transferência negativa.

    Por fim, destaca-se Jacques Lacan, único “herdeiro” de Freud a fazer uma verdadeira reflexão filosófica sobre a loucura. Preconizava que a psiquiatria fosse repensada segundo o modelo do inconsciente freudiano.

    Conclusão

    A partir da década de 1960, a indústria farmacêutica ganha força, principalmente nos Estados Unidos, aniquilado a abordagem psicanalítica de Freud e Bleuler e substituindo “o manicômio pela camisa-de-força química, a clínica pelo diagnóstico comportamental e a escuta do sujeito pela ‘tecnologização’ dos corpos (ROUDINESCO & PLON; 1998).

    Tem-se com isso, até hoje, a desintegração do vínculo dialético e crítico daquelas três formas de pensar a loucura que vimos anteriormente.

    Referências

    Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) – 1946. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html. Acesso em 20 ago. 2021. DESCARTES, René. Meditações sobre Filosofia Primeira. Tradução Fausto Castilho. Campinas: Editora da UNICAMP, 2004 DICIONÁRIO MICHAELIS. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/busca. Acesso em 20 ago. 2021. GILLIÉRON, Edmond. Manual de psicoterapias breves. Climepsi Editores, Lisboa, 2004. ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionário de psicanálise. Tradução Vera Ribeiro e Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. ZIMERMAN, David E. Fundamentos psicanalíticos: Teoria, técnica e clínica: Uma abordagem didática. Porto Alegre: Artmed, 2007. ___. Vocabulário contemporâneo de psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 2008.

    O presente artigo foi escrito por Silvio Carneiro Bastos Neto. Graduado em Jornalismo (UEPB). Possui pós-graduação em Docência do Ensino Superior (Meta; Macapá-AP) e em Psicologia Positiva (PUCRS; Porto Alegre-RS). Possui formação em Terapias Holística (Instituto 3ª Visão; Garibaldi-RS) e Psicanálise Clínica (IBPC; Campinas-SP). Contato: [email protected]

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