conflitos de personalidade

Conflitos de Personalidade em Wilhelm Reich e Alexander Lowen

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Hoje falaremos sobre os conflitos de personalidade. Todo ser humano ao longo da vida psíquica experimenta diversos traumas que se fixam no corpo como couraças musculares que amarram o indivíduo em diferentes traços de caráter e da personalidade: esquizóide, oral, masoquista, psicópata e rígida.

Através de um estudo de caso acadêmico, Marco Bonatti, Psicanalista Clinico no IBPC, desenvolve o conceito dos traumas nas diferentes fases do desenvolvimento psicossexual: fase intrauterina, fase oral, fase anal e fase genital.

Entendendo sobre os conflitos de personalidade

A pergunta de partida é a seguinte: o trauma principal é aquilo externo (máscara) apontado pela paciente como sintoma, como dor e ponta do iceberg e/ou é aquilo interno que é escondido e que ainda está oculto para a consciência, porquê inconsciente e submerso no lado sombra da personalidade? A resposta é simples, mas o processo é complexo.

É necessário dar espaço e tempo a energia criativa inconsciente que permite ao homem de superar-se, de ir além da máscara, de dissolver as couraças, de olhar a própria sombra acima da maquiagem, de enxergar acima da visão, de “bailar acima de si”, de pensar acima do pensamento, de falar acima da linguagem, de sentir-se livre acima da liberdade para poder libertar a alma e amar acima da dor.

Para Friedrich Nietzsche (1844 – 1900) “Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar, para atravessar o rio da vida – ninguém, exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos sem números, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa; tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Onde leva? Não perguntes, segue-o!”

Hipóteses analisadas

Portanto, é necessário um largo caminho de introspecção e uma profunda análise para encontrar a linha mestra que sustenta o homem, “além do bem e do mal”, que dá forma ao pensamento livre da psique, ao agir além dos modelos de opressão, alicerce da palavra audaciosa, que liberta a alma humana e permite abraçar a cura através o reencontro consigo mesmo e com a verdadeira essência do Ser.

Neste estudo de caso serão analisadas hipóteses “práticas” mecanismos de defesas “concretos”, resistências e dinâmicas que produzem dores psíquicas e sintomas, que você pode ter inconscientemente sofrido, recalcado e escondido para si mesmo e para o mundo e que o analista tem a missão de desvendar, desmistificar e fazer aflorar para a consciência, sem enrolação nenhuma. A conclusão, o Autor mostra que o trauma principal, que sofreu a sua paciente Lola, nome de fantasia, já esconde a própria cura.

Se VOCÊ FICOU INTERESSADO em descobrir o possível trauma da personalidade (que você, um conhecido ou um familiar sofreu na infância) que atrapalha no seu dia dia e que impede a sua vida de florescer, mas sobretudo o que seu Psicanalista e Psicoterapeuta deveria saber, como deveria proceder no setting analítico, para curar este trauma, CONTINUE a LEITURA. Neste ARTIGO você encontrará tudo aquilo que precisa SABER para VENCER os conflitos psíquicos e os DESAFIOS da sua VIDA. LEIA e REFLITA com ATENÇÃO até o FIM!

O mito da caverna, entre luz e sombra

Vamos aprender uma lição, com um pequeno ensinamento que vem da mitologia antiga. Desde sempre os homens buscam a luz como via de conhecimento, recusando a sombra como símbolo de ignorância. Na antiguidade a escuridão era associada a Hades, Deus do submundo e do Reino dos mortos, ao medo, ao desconhecido, a não poder enxergar a verdade, ou seja, a uma falsa representação da realidade. Na antiga Grécia, alguns homens, entre eles Sócrates (470-399 a.C) e Platão (428-347 a.C), sábios pela minoria e loucos para a maioria, estavam preocupados com a busca filosófica da verdade mais que com consigo mesmos.

No mito da caverna Platão descreve alguns prisioneiros que são condenados e acorrentados entre eles em uma caverna onde a luz de uma fogueira reflete a imagem de outras pessoas na parede da mesma. Na verdade os prisioneiros acreditam que as imagens refletidas e projetadas no interior da caverna fossem reais, entretanto são simples cópias de uma ideia (Eidos) que existe na mente e na percepção daqueles homens acorrentados e escravos da verdade. Platão quer mostrar que além do mundo ilusório e falso dos sentidos e das percepções inmanente e materiais, existe outro mundo inteligível e verdadeiro das essências imutáveis, ou seja, das formas, dos conceitos e das imagens “espirituais” que sobressaem os sentidos, obedecendo a uma ideia arquetípica que antecede o tempo e o espaço físicos e a existência da humanidade.

“Jung comparou o conceito de arquétipo com o conceito platônico de idéia, descrito no mito da caverna em A República: aquilo que o homem enxerga na entrada da caverna, acreditando que se trata de coisas reais, nada mais são que sombras de figuras projetadas nas paredes interiores “. (Grinberg, 2003, p. 136). Portanto, as imagens projetadas no interior da caverna, como as imagens no interior da alma, obedecem a paradigmas e modelos adquiridos, muitas vezes opressivos e repressivos, que deformam a percepção e a visão da realidade e da verdade. Ora bem, para Platão os prisioneiros só conseguem enxergar a verdade na saída da caverna com a visão da luz, quando o Sol ilumina a sua consciência.

Desdobramento de personalidade e os conflitos de personalidade

É dizer, muitos homens são prisioneiros e estão acorrentados a vida inteira na própria caverna interior, escolhendo inconscientemente ficar escravos do que ser livres, tem medo de enfrentar sua verdadeira essência, tem medo da liberdade e de descobrir a imagem indelével inscrita e presente na própria alma, que vai além das aparências e dos sentidos. Aqueles homens que vivem o desdobramento de personalidade, entre a luz e a sombra refletida na parede da caverna, encarnam e vestem uma máscara que só pode ser alumbrada a partir do interior, enfrentando a escuridão, os próprios medos, de perceber a natureza da própria alma espiritual, que vive às vezes, dissociada do resto do corpo e que só pode se juntar, integrar quando a luz do sol (que não tem medo de passar pelas trevas e o inferno) iluminará a própria consciência.

Pois, a mensagem da alegoria da Caverna, em uma perspectiva psicanalítica, é que para enxergar a luz é necessário passar pela escuridão e que não existe apenas uma verdade, aquela aparente dos sentidos, que fica na superfície, mas é necessária uma ascese vertical e uma introspecção profunda em busca de algo que transcenda a experiência quotidiana e a forma banal de pensar. Ocorre uma nova visão mental para repensar, reviver e ressignificar a vida. O grande psicoterapeuta suíço fundador da psicologia analítica Carl Gustav Jung (1875-1961) dizia: “Você não se torna iluminado imaginando figuras de luz, mas sim ao tornar a escuridão consciente.

Porém, esse procedimento é desagradável, portanto, não popular”. É dizer, a busca do ideal e os modelos de perfeição aprisionam o indivíduo numa caverna e geram um conflito psíquico que leva ao complexo de inferioridade na instância do superego. O que é saudável é alumbrar as sombras da própria essência, valorizar e iluminar o lado obscuro e inconsciente da personalidade. Do mesmo modo, não existe somente um trauma que é refletido na parede da caverna ou que é vivenciado no corpo, mas atrás das aparências e das camadas psicofísicas existe também o trauma principal que precisa ser alumbrado e vir a tona, através de uma experiência de ascese que parte do interior do corpo e depois torna-se alma, ou seja, ideia e imagem encarnada.

Os conflitos de personalidade e a Psicanálise

De fato, conflitos de personalidade com a psicanálise acontece a inversão da ascese platônica. A verdade que Platão buscava no mundo espiritual das idéias, Sigmund Freud (1856-1938) a encontrou nas profundezas invisíveis e obscuras da mente humana, Wilhelm Reich (1987-1957) nos traços da personalidade inscrita no corpo e Alexander Lowen (1910-2008) na energia que atravessa o corpo e alimenta a mente humana. Um ditado popular, que bem representa a psicologia das profundezas, afirma: “uma árvore não é mais forte que suas raízes”, ou seja, uma grande árvore tem suas raízes firmes abaixo da terra, no inconsciente obscuro e impenetrável a um olhar superficial ou a um juízo estético, não é subjugada e abalada pelos raios do sol, ou levada como uma folha ao vento.

Em outras palavras, as queixas apresentadas pelos pacientes são como as folhas de uma árvore, na maioria das vezes expressam uma dor, um desconforto ou um sintoma externo e superficial, mas a origem e a causa do trauma vem de longe, das profundezas, ou é enraizado, como no ditado popular, na escuridão da terra. Daqui a pouco vamos DESENTERRAR EXUMAR e TIRAR da SEPULTURA todos os possíveis TRAUMAS da PERSONALIDADE! Mas primeiro é preciso estudar o alicerce teórico e a fundamentação científica do caráter e da personalidade e a sua conexão com o trauma!

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    Os conflitos de personalidade e o TRAUMA é como um MORTO QUE FALA através da linguagem do corpo, da dor, do sintoma e da doença. Não adianta fazer de conta que ele não existe ou que está morto no passado, porque ele continuará falando, gritando e sacudindo sua alma e sua paz de espírito no presente, até que você o ouça!

    Fundamentos teóricos: Wilhelm Reich e Alexander Lowen

    O brilhante psiquiatra e psicanalista Wilhelm Reich (1897-1957) analisa os fatores que, no decorrer do desenvolvimento psíquico de uma criança, determinam a formação do caráter em um adulto, moldando a sua forma de agir, pensar, sentir e ser. O caráter além de representar as características psico-físicas de uma pessoa, sua individualidade, constitui uma especial armadura que protege o indivíduo dos ataques-estímulos do mundo externo (ambiente social) e interno (id e superego). Segundo Reich (2019): “O caráter consiste em uma mudança crônica do ego que se poderia descrever como um enrijecimento”.

    Em outras palavras, no conflitos de personalidade o indivíduo aparentemente tem liberdade de escolhas, mas de fato ele responde mecanicamente aos estímulos externos e depende do seu grau de endurecimento do ego que forja a estrutura do caráter e da personalidade, condicionado a forma de perceber, sentir, atuar e valorar, interagir com o ambiente e com o mundo em que vive. Segundo Wilhelm Reich (2019) o caráter se forma como mecanismo de defesa do ego que protege o indivíduo frente às pulsões sexuais e a libido, ou seja, a energia psíquica inconsciente. Isto é, o caráter é formado como defesa infantil frente a ansiedade da sexualidade, frente os desejos provenientes do inconsciente, o medo de punição por parte dos pais e os traumas que a criança vivenciou na infância.

    É interessante notar nos conflitos de personalidade como uma criança, com medo de punição dos país, reprime a energia psíquica em excesso formando a armadura do caráter e ao mesmo tempo produz uma “couraça muscular” que pode tornar um indivíduo rígido (e.g. enrijecimento) e resistente a própria energia libidinal. Por outro lado, a couraça do caráter é energia psíquica reprimida e somatizada nos músculos do corpo, que impedem a energia de fluir livremente e as pulsões sexuais, que respondem ao princípio do prazer, de obter a satisfação do desejo. Em definitiva, para Reich (2019): “As couraças de caráter definem o acúmulo de repressões de uma pessoa sobre os seus instintos”.

    Tseórico do trabalho de Alexander Lowen

    De fato, nos conflitos de personalidade os nós corporais, chamados por Reich (2019) de couraças, além de endurecer os músculos do corpo, aprisionam a emoção (do latim, e-movere, ou seja, a energia que movimenta o corpo) e estão na origem do trauma neurótico que pode ser curado a partir da dissolução do nó e da couraça. Importante lembrar também a função positiva do caráter, que além de caracterizar o indivíduo, único e singular, “… serve para manter a economia em equilíbrio, retendo a energia que não pode ser descarregada.” (Lowen, 1983, p. 14). Segundo Reich, a criança, em uma determinada fase da evolução (uterina, oral, anal e genital) reage ao evento traumático, ou seja, o organismo se protege desenvolvendo mecanismos de defesas, que determinam os traços de caráter e da personalidade.

    Nos conflitos de personalidade o segundo teórico deste trabalho é Alexander Lowen (1910-2008) discípulo de Wilhelm Reich que continuou na linha de estudo do seu mestre, aportando relevantes descobertas e desenvolvendo a psicoterapia mente-corporal, conhecida como análise bioenergética, mostrando que o trauma é energia e fluxo sanguíneo bloqueado e engessado no corpo. “A bioenergética se apoia na simples proposição de que cada ser é seu corpo”. […] “O seu corpo expressa quem você é, ele também indica a intensidade da sua presença no mundo… A atitudes do indivíduo em relação a vida ou seu estilo pessoal reflete-se no seu comportamento, em sua postura e no modo como se movimenta.

    O que possui um comportamento nobre, e cujo porte é imponente, se distingue muito bem de um outro cujas costas arqueadas, ombros curvados e cabeça ligeiramente inclinada indica submissão a uma forte carga que pesa sobre si.” (Lowen, 1983, p. 48). É dizer, através do conhecimento do corpo desvenda-se as mazelas que estão por trás da mente humana. “Ter consciência do seu corpo é um dos dogmas da bioenergética, pois esta é a única maneira de descobrir quem você é, isto é, o que é a sua mente. Em relação a isso e os conflitos de personalidade, a mente funciona como órgão perceptivo e reflexivo, sentindo e definindo o ânimo, os sentimentos e os anseios do indivíduo.

    Conhecer a mente

    Conhecer realmente a sua mente significa saber o que você quer e o que você sente (no corpo)”. (Lowen, 1983, p. 56). Wilhelm Reich (1897-1957) descobriu que o caráter psicológico de um indivíduo é expresso pelas atitudes do seu corpo. Como a pessoa se mantém erguida, se move, fala, irradia sentimentos, interpreta e reage diante de um trauma nos mostra quem ela é, sua atitude e personalidade e o caminho que precisa fazer para encontrar a cura da sua dor. Em definitiva, o corpo é espírito e alma encarnada que cresce, plasma, evolui e se defende de um trauma que a ameaça em uma determinada fase de evolução psicossexual. Assim que na fase intrauterina, nos conflitos de personalidade o trauma da criança origina o traço de caráter esquizóide.

    Na fase oral o trauma origina o traço de caráter oral. Na fase anal o trauma pode originar o traço de caráter masoquista e/ou o traço de caráter psicopata. E na fase genital o trauma origina o traço de caráter rígido. Todavia, se tudo isso fosse linear e lógico, se existisse uma relação binária de causa-efeito, seria simples entender e associar para cada fase de evolução um trauma correspondente descobrindo e curando a dor do paciente. De fato, o organismo psíquico é dinâmico, não estático e linear. E a subjetividade do indivíduo pode dar respostas completamente diferentes em situações parecidas.

    A análise do caráter é uma ferramenta indispensável que se apoia na tese que “O corpo frequentemente é mais revelador do que as declarações verbais do paciente porque essas refletem o que há conscientemente na mente do indivíduo enquanto que a expressão corporal demonstra as atitudes inconscientes da pessoa em relação ao mundo e a si mesma, como se mexe, o grau de mobilidade no corpo, a quantidade de sentimentos nos olhos, a profundidade da sua respiração, o calor e a cor da pele.” (Lowen, 1983, p. 74). Detalhes, não insignificantes que constituem a realidade psíquica do paciente, sua vida interna que precisa ser relacionada com a fala através da associação livres e interpretação dos sonhos. Lowen “Notou uma tendência comum a todos os seus pacientes de reter a respiração e inibir a exalação, correspondendo a um controle dos seus sentimentos e sensações.

    A energia do organismo e os conflitos de personalidade

    Concluiu-se que o fato de reter a respiração serviu para diminuir a energia do organismo ao reduzir suas atividades metabólicas, o que, por sua vez, reduzia a formação da ansiedade.” (Lowen, 1983, p. 18). Por contra, o indivíduo poderia influenciar suas atitudes mentais através de um trabalho com o corpo em que toma consciência e percebe-se como um ser senciente. Pois, a alma e a mente não podem viver sem um corpo. Nos conflitos de personalidade o corpo é o ponto de partida, é aquilo que o paciente sente, percebe e mostra para si mesmo, para seu analista e para o mundo.

    Sob outra perspectiva Carl Gustav Jung (1875-1961) analisa como poder decifrar seu lado mais obscuro, profundo e autêntico da personalidade (Self) em contraste com a couraça externa (Máscara) que a pessoa mostra, é reconhecida, julgada, aceita e classificada pelos outros. Portanto, nos conflitos de personalidade, no mesmo indivíduo, existe a essência ou núcleo da personalidade (Self), as dinâmicas traumáticas internas (Sombra) e as queixas presente no exterior (Máscara). É dizer nos conflitos de personalidade que por trás da maquiagem existe a dor, por trás da comédia a tragédia, por trás do corpo esculpido a alma ferida, por trás da máscara a sombra indelével e por trás da sombra a verdadeira essência (Self) do indivíduo. Segundo Carl Gustav Jung “NÃO HÁ LUZ SEM SOMBRAS e NÃO HÁ PLENITUDE PSÍQUICA SEM IMPERFEIÇÕES.

    Nos conflitos de personalidade, a vida não requer perfeição, mas plenitude (para sua realização), e para isso É NECESSÁRIO ‘ESPINHO NA CARNE’ e sofrimento. Sem imperfeição não há progresso nem ascensão”. Todavia estamos obcecados pelo mito da perfeição e pelos modelos ideais que queremos mostrar, encarnar, vestir e encenar no dia a dia. Queremos fazer sobressair nos conflitos de personalidade uma personagem que não somos, uma máscara que não nos pertence, que não é verdadeira, mas que é aceita, valorizada e reconhecida pelos outros. Embora, dentro de nós vive uma outra personagem, um outro ser que não conhecemos, que não pode ser visto, muitas vezes é inconsciente, outras é simplesmente sufocado ou na sombra, mas nos guia e conduz.

    Um lado obscuro

    Nos conflitos de personalidade este lado obscuro da personalidade encerra todas as fantasias destroçadas da alma, fala através de sonhos, nos envia recados através da ansiedades, depressão e dores, quer ser ouvido, escutado e acolhido, porque ele pensa, sente e age completamente diferente de nosso lado consciente. “A vida do corpo é sentimento: sentir-se vivo, vibrante, bem, excitado, furioso, triste, alegre e, finalmente, contente. É a falta de sentimentos ou a confusão acerca deles que traz as pessoas à terapia.” (Lowen, 1983, p. 61).

    Neste trabalho sobre os conflitos de personalidade vamos analisar e desvendar as emoções recalcadas de uma paciente, o trauma que ela recalcou como consequência de uma dor insuportável e a queixa que traz Lola para o consultório na entrevista preliminar. Traumas e queixas, máscaras e sombras representam a realidade psíquica do paciente, seu presente (mas também seu passado engessado e sua precária projeção futura), sua dor e sua couraça. Em esta investigação vamos atravessar o passado remoto de Lola (nome de fantasia) e analisar o que ficou enterrado e sufocado no inconsciente e o que precisa aflorar e ser ressignificado para sua consciência.

    Agora chegou o momento de ANALISAR UM CASO CONCRETO e de responder às seguintes perguntas: O que a paciente pode ter sofrido na infância? Quais fatos, palavras, gestos e atitudes provocaram as feridas que Lola está carregando? Quais defesas permitiram que ela conseguisse lidar com a dor? Como o sintoma que acusa hoje tem a ver com os traumas do passado? O que Lola pode fazer para cuidar da sua saúde mental e recuperar a qualidade de vida? Como encontrar o Sentido de vida, sua missão e lugar no mundo?

    CONCENTRA-SE! Talvez, o caso de LOLA, tem algo a ver com aquilo que aconteceu com VOCÊ!

    Este estudo sobre os conflitos de personalidade de caso fictício pode ajudar a esclarecer melhor o arquétipo da máscara e da sombra na dinâmica do trauma do paciente para ser analisado e tratado com a Psicanálise Clínica. O caso é inspirado em uma palestra do Corpo com Ciências do renomado médico Fernando Freitas, na tentativa de melhor descrever e esclarecer todos os possíveis traumas da personalidade e os mecanismos de defesas que podem acontecer na vida de uma criança que passou por abalos e perturbações na infância e que continuam interferindo na sua vida de adulto, com conteúdo atualizado.

    Por simplificação acadêmica chamaremos nossa paciente LOLA. Lola, nome de fantasia, é uma paciente de 38 anos de idade, que se apresenta pela primeira vez no meu consultório, bem vestida, como se estivesse indo para uma entrevista de trabalho. Sua roupa lembra mais um uniforme, do que um vestido descontraído com cores. O corpo de Lola parecia carregar muitas tensões musculares. As pernas finas e rígidas, o quadril largo, peito alto e quadrado pareciam apoiar-se sobre um pedestal na parte inferior. Os braços eram robustos e a cabeça engessada no pescoço como uma estátua.

    Os olhos grandes, controladores e sedutores ao mesmo tempo mostravam ambivalência (amor e ódio, paz e tristeza) e todas as privações da sua alma. Lola é concursada e trabalha como funcionária pública na SEFAZ de Brasília, tem estabilidade financeira, mora sozinha em seu apartamento, mas no mesmo prédio dos seus pais, não é casada e não quer ter filhos. Nos conflitos de personalidade a paciente é filha única, foi criada pelo pai e mãe biológicos, o pai faleceu após a separação. Lola teve uma infância aparentemente tranquila, mas traz como queixa a tristeza, a ansiedade, o medo de perder o emprego, e, “de fazer e seguir as coisas da vida”.

    Os conflitos de personalidade e os pacientes

    Lola senta primeiro na cadeira do consultório com as pernas cruzadas, quase para esconder sua sexualidade. Está confusa e desorientada e somente no terceiro encontro aceita deitar no divã. Ela não sabe exatamente o que dizer, não sabe bem o motivo pelo qual buscou ajuda. A paciente respira fundo como quem está carregando um fardo nos ombros e um peso no peito. Logo após alguns longos minutos de silêncio, com os olhos semi abertos fala de antemão da sua tristeza, das traições, da falta de instabilidade nos relacionamentos, tal e qual “o amor, uma engrenagem que parou de funcionar em minha vida”. Na quarta seção de Psicanálise Clínica Lola, com voz aflita, fala do seu medo e desejo “eu tenho medo do mar, nunca aprendi a nadar, mas adoraria viajar pelo mundo, conhecer pessoas diferentes e ser guia turística. Mas é só um sonho, né!?”

    Embora, a narrativa de Lola pareça contraditória e incoerente: tipo, o medo pela instabilidade não bate com o trabalho público e, a quebra nos relacionamentos, não bate com o medo do mar e viajar, vamos investigar e fazer diversas hipóteses sobre o que poderia ter acontecido com Lola, quando ainda era criança, para entender como proceder diante de uma investigação analítica- fenomenológica e como se chega a uma hipótese de diagnóstico. É interessante notar que os conflitos que Lola sofreu no passado, na sua infância, chegam com conteúdo atualizado no presente, como a ponta de um iceberg e que à primeira vista são completamente diferentes da origem do seus traumas.

    Portanto, é necessário buscar um eixo sutil, invisível entre o passado e o presente, para entender o que condiciona e prende a vida adulta, a felicidade e a paz de espírito de Lola. Nos conflitos de personalidade a impressão é que Lola esteja presa ao passado como um passarinho que foi criado na gaiola (fixação) e agora acredite que não sabe ou pode voar (ou nadar), ou pior, que voar é uma doença. Vamos de antemão investigar todas as fases de desenvolvimento psicossexual (fase oral, fase intrauterina, fase anal e fase genital) para desenterrar as mazelas e dinâmicas que aconteceram no passado de Lola e buscar as conexões com as queixas presentes. O INTUITO de um PSICANALISTA CLÍNICO é libertar a própria paciente da dor do trauma inconsciente, habilitá-la no vôo mais importante, o vôo da vida e a retomada da liberdade psíquica.

    Hipócrates e os conflitos de personalidade

    Mas a questão é outra, disse certa vez o fundador da Medicina, Hipócrates (morto em 377 a.C. aos 83 anos): “Antes de perguntar a alguém se quer se curar, pergunte-lhe primeiro se quer abrir mão dos males que o fizeram adoecer.” Contudo, LOLA estava PRONTA para ser CURADA? E, sobretudo, queria mesmo ABRIR MÃO do GANHO secundário em continuar DOENTE? Vamos analisar em profundidade!

    Fase oral

    A princípio podemos hipotetizar que durante a fase oral da amamentação, a criança, a pequena Lola, passou fome. O recurso que Lola tinha era chorar para chamar a atenção, mas aconteceu que a própria mãe, uma mulher estressada, ou a pessoa que deveria cuidar dela se incomodou com o lamento (afastamento ou reação negativa) e ao invés de satisfazer a necessidade se afastou, ficou com raiva e criou um trauma. Contudo, nos conflitos de personalidade pode ter acontecido uma dinâmica diferente, os soluços destroçados de Lola não eram de fome, mas um pedido de socorro, de estar passando alguma dificuldade ou de querer amor e o cuidador que tinha responsabilidade da função materna, lhe der comida, abafando o choro e enfiando o bico ou a mamadeira na boca.

    O efeito foi asfixiar o choro, reprimir o pedido e sufocar o desejo. Assim Lola, em vez de afeto ou atenção (alimento espiritual), recebeu comida (alimento material). Em consequência disso, a criança terá sua satisfação básica de dor, afeto e amor, frustrada, pela segunda vez. Outra hipótese é que a mãe de Lola pelos motivos mais disparados (um Psicanalista não julga as intenções, mas analisa os fatos) continuou a alimentá-la muito além do período do desmame, alimentando também sua co-dependência materna, seu desgosto, amargura e insegurança futura com a vida (perda de fé em si mesma). Em ambos os casos, existe uma falta na fase oral (primeira hipótese, leite, afeto e segurança de menos) e um excesso na fase oral (segunda hipótese, leite demais, superproteção e asfixiamento). Todo o excesso, mesmo que seja algo “bom”, nem sempre é apropriado e pode gerar um trauma.

    Pois, nos conflitos de personalidade também regar uma planta ou uma flor em excesso impede ao ar de pentear no solo, faz abafar e murchar as folhas e afoga as raízes, assim como regar pouco uma planta retarda o crescimento, danifica e resseca as folhas. Em regra de princípio os filósofos gregos, que conheciam muito bem a alma humana, tinham uma máxima para a vida: o equilíbrio, ou seja, nada em excesso e nada em falta. Isso vale também nos conflitos de personalidade para o amor, o cuidado e a educação dos filhos. Interessante notar que: “No adulto, estas necessidades insatisfeitas são reveladas por uma instabilidade em ficar sozinho(a), um medo de separação, conversas excessivas ou outras atividades, ostentações ou manobras para chamar a atenção, sensibilidade ao frio e uma atitude dependente.” (Lowen, 1983, p.35).

    Uma carência afetiva

    A minha primeira impressão é que Lola tenha sofrido uma carência afetiva da mãe bem no período inicial da sua vida: “[…] o que significa que suas necessidades infantis de ser carregada, ser aceita e ter experiências de contatos corporais e calor não foram satisfeitas. Não se sentindo satisfeita, não tem razões para ter fé nem em si mesma e nem na vida.” (Lowen, 1983, p.29). A maioria das teorias sobre infância corroboram a tese que uma criança no período 0-2 anos expressa um forte direcionamento externo, mostra forte dependência com a própria mãe (simbiose mãe e filha) precisando dela para tudo e de todo alimento material e afetivo. NOSconflitos de personalidade a psicanalista austríaca Melanie Klein (1882-1960) estudou a fundo a depressão infantil: “O objeto (teoria das relações objetais) que está sendo lamentado é o seio da mãe e tudo o que o seio e o leite representam na mente da criança: isto é, amor, bondade e segurança.

    Tudo isso é sentido perdido pelo bebê e perdido como resultado de sua incontrolável insaciabilidade e fantasias e impulsos destrutivos contra os seios de sua mãe.” Segundo Melanie Klein as necessidades orais e a relação com mãe produzem um estranho fenômeno na mente da criança: primeiro acontece uma frustração da expectativa materna (fase “paranóide esquizóide”) e sucessivamente “depressiva”. “A perda da mãe, física ou emocional, é a causa que predispõe a pessoa a depressão. […] A perda deve ocorrer quando a criança ainda precisa de uma figura materna, quando ela depende da mãe para ter contato corporal, calor e apoio. […] E a criança se voltará para qualquer outra figura adulta no ambiente de seu lar para ser satisfeita se sua mãe for incapaz de reagir.” (Lowen, 1983, p. 80).

    A depressão, explica Lowen, é semelhante a uma perda de fé e segurança, que na fase adulta se transforma em perda de fé em si mesma. Ora, se tudo isso aconteceu, e se também a figura paterna foi ausente, as necessidades orais da pequena Lola nunca foram satisfeitas, empurrando-lá em um estado conflitivo e traumático. À vista disso, o que pode fazer Lola para se proteger da dor na fase oral? 

    Fase pré oral

    Nos conflitos de personalidade a resposta, o remédio e o mecanismo de defesa que a pequena Lola tinha para afastar a dor na fase oral era atingir um recurso regredido da fase anterior, aquele do traço esquizóide da fase intrauterina, ou seja, da fase pré oral da gravidez da própria mãe. Se o choro de Lola não funcionou ou piorou o problema, ela inconscientemente escondeu a oralidade, matou o sentir, abafou o choro, parou de “sentir” fome, evitou qualquer contato externo e se isolou do mundo. A função sentir de Lola, que é expressa através dos sentimentos, que produzem emoções tais quais dor, tristeza, nojo, alegria, medo e se manifestam a princípio no corpo (ponto de partida da dor) são substituídas pela função pensar e torna-se um problema mental.

    A dor se transforma, deslocando-se e atualizando-se do corpo para a mente. Torna-se cerebral e crônica. É importante lembrar que a gravidez é um momento crucial na vida de uma criança e precisa do maior cuidado dos pais. Pois, o feto recebe, decifra e registra todos os sons e afetos externos, a química das vibrações e percepções passam através da placenta, condicionando o fluxo sanguíneo que alimenta o bebê. De fato, os afetos intrauterinos da mãe de Lola dependem dos estímulos externos, do ambiente, das experiências e emoções da mãe e moldam a personalidade do bebê. Pois, nos conflitos de personalidade já a partir dos primeiros meses de vida a mãe gestante começa a perceber os movimentos uterinos do seu bebê.

    Embora, muitas mães não atribuem importância aos primeiros sinais de vida do bebê, reagindo de forma passiva, outras entendem que está acontecendo uma fundamental comunicação emocional que envolve diferentes atores e meios, percebem de forma ativa, que cada emoção pode ser absorvida, transmitida e refletida no embrião, um minúsculo ser humano em formação. A ultrassonografia evidencia como os movimentos fetais e as batidas cardíacas do bebê são influenciados pelo estado emocional da própria mãe, podendo acelerar ou desacelerar. Por certo, o corpo do nascituro é também plasmado pelos afetos (positivos ou negativos) vivenciados pela gestante.

    Personalidade esquizóide e os conflitos de personalidade

    Assim, quando a mãe está estressada, o útero que acolhe o bebê fica frio e duro reduzindo o aporte e fluxo de sangue; viceversa quando a mãe está bem, em situação de conforto ambiental e emocional o útero fica acolhedor, morno e o fluxo de sangue é normal. No caso específico de Lola, podemos hipotetizar que sua mãe durante a gravidez ficou muito estressada e pensou até em abrir mão dela. Pois, foi uma gravidez inesperada, não planejada que frustrava seu desejo profissional, seu lado feminino e sua ambição de mulher. A pequena Lola experimentou aquilo que Wilhelm Reich (2019) chamou de sentimento de rejeição e que define o traço de caráter e de personalidade esquizóide.

    Em definitiva, Lola criou um refúgio, um mundo paralelo onde seu sentir (sentimentos) não a afetava, não criava dor e podia se proteger. O mecanismo de defesa, inconsciente de Lola, matou a função sentir que lhe produzia muita dor na fase oral e se fixou na função pensar, construindo um mundo paralelo e fantasioso, onde nada e ninguém podia afetá-la. No entanto, nos conflitos de personalidade o que aconteceu com o trauma oral anterior de Lola? O traço de caráter oral que era evidente na minha primeira impressão, não protegeu Lola, portanto a criança regrediu e buscou o recurso no traço de caráter esquizóide onde se escondeu. Assim mesmo, Lola mostrará para o mundo exterior uma máscara (o traço do caráter esquizóide) e esconderá na sombra interior (o primeiro traço de caráter oral).

    De fato, na pequena Lola formam-se camadas de caráter, personalidades e traumas, como se fossem as camadas de uma cebola onde o trauma sucessivo fica na parte superior e o trauma anterior, é recalcado e escondido no passado, na camada inferior. No caso específico Lola vestiu a máscara esquizóide (trauma secundário), escondendo a sombra da oralidade (trauma principal) e as necessidades básicas insatisfeitas. A história clínica de Lola, assim como ela lembra e repete nas seções posteriores, revelam mazelas ocultas e dores enterradas no inconsciente, escondidas como uma caixa de Pandora.

    A tarefa do Psicanalista Clínico e os conflitos de personalidade

    A tarefa do Psicanalista Clínico e o desafio da sua paciente é ter coragem e vontade de levantar a tampa, abrir o vaso de Pandora, deixar que todas as dores e a história de vida do seu paciente, mesmo aquela enterrada e sombria, venham à tona para a consciência, produzindo o fortalecimento e a autonomia do ego diante das instâncias do id (inconsciente) e do superego. Para Sigmund Freud (1856-1939) “Onde houver id e superego, o ego deve estar”.

    Em concreto, para o fundador da psicanálise “o ego (consciência) representa a principal instância psíquica e tem por funcionalidades mediar, integrar e harmonizar as constantes pulsões do id (inconsciente), as exigências e ameaças do superego (proibições e modelos ideais), além das demandas provenientes do mundo externo que forçam o indivíduo no processo identitário de ‘ser alguém’ perante a si mesmo e ao mundo”. (IBPC, mod. 2, p. 72).

    Em síntese, a demanda subjetiva de ajuda de Lola, sua necessidade de cura precisa ser acolhida e compreendida, mas ao mesmo tempo transformada e retificada em uma demanda de análise que permita ao Psicanalista conduzir uma investigação e elaborar uma hipótese diagnóstica.

    Fase genital

    Agora, vamos supor que na fase genital de Lola, por volta dos 3 e 5 anos de idade, o pai falando com a própria filha começou a dizer “você é a minha princesinha, a mulher da minha vida, a minha rainha…etc”. Por outro lado, em caso de uma criança de gênero masculino, vamos supor que a mãe, que afastou e abandonou o bebê na fase oral, agora acolhe o menino de forma diferente falando “ele é meu principezinho, é tudo o que quero na minha vida, é meu homenzinho, a coisa mais linda do mundo”. Portanto, neste exato momento da vida a criança encarna, sente, pensa e age como se fosse outra pessoa, vestindo outra máscara porque tem um ganho secundário devido a satisfação do seu desejo de afeto frustrado na fase oral. A partir de agora, Lola sente-se querida, torna-se importante, visível pelo mundo e preciosa pelo próprio pai, até então ausente.

    Lola sente, que quando se torna “a princesinha do papai” (ou no caso do menino “o principezinho da mamãe”) ele ou ela fica próximo, a abraça, a beija, mas agora acontece uma dinâmica diferente porque a criança encontra-se em outra fase do seu desenvolvimento psicossexual. Portanto, Lola que no começo tinha um traço de caráter oral (sombra), mas que escondeu-se por trás de uma camada esquizóide (máscara), sente que quando se torna querida pelo próprio pai (ou mãe se a criança for de sexo oposto) assume o traço e os recursos do caráter rígido da fase genital.

    Analisando mais em profundidade o desenvolvimento psicossexual da criança, pode-se constatar que a criança por volta dos 4-5 anos de idade quando chega na fase fálica desenvolve a sua sexualidade (complexo de Édipo no caso do menino e/ou Electra no caso de Lola) e identidade (percebe-se um Eu, um Ser diferente do pai e da mãe), podendo também experimentar a dor da traição e o medo da castração. Isto é, as ambiguidades e ambivalências das relações familiares produzem na criança um estranho efeito: a criança sente-se traída pelo pai que escolhe a própria mãe ou vice versa o menino sente-se traído pela própria mãe que escolhe o pai. A menina percebe a perda do amor do pai-amante e o menino percebe a perda do amor da mãe-amante, vivido até então, como fantasia sexual.

    Um recurso da competitividade

    No traço de caráter rígido a pessoa desenvolve o recurso da competitividade (agilidade, execução de tarefas e capacidade de atingir resultados) por medo da criança experimentar novamente a dor da traição precisa vencer todos os desafios e se tornar melhor dos outros (perfeita, forte, atrativa e experiente). Portanto, pode ter acontecido que Lola, por ter vivenciado outra dinâmica, reative e desenterre seu “sentir” que tinha precedentemente abafado no traço esquizóide, mas que agora está relacionado com a competitividade e o ganho secundário do amor paterno.

    É dizer, se Lola consegue ganhar um lugar no mundo (inclusive no mundo afetivo do seu pai), o mundo começa a perceber a importância e a existência dela. E ela volta a sentir carinho, amor e cuidado. Nesta etapa da investigação o Psicanalista Clínico precisa se fazer outra pergunta: o que aconteceu com o trauma esquizóide da sua paciente? A partir da fase genital, Lola sente-se querida pelo próprio pai que mostra um afeto “desmedido” por ela, provocando nela outro trauma inconsciente.

    Portanto, neste exato momento da sua vida, a pequena Lola decidiu vestir a sua personalidade com uma máscara rígida, uma couraça que melhor satisfazia sua necessidade de amor, que melhor a protegia da dor da rejeição ou do abandono, escondendo na sombra o traço intermediário esquizóide e deixando bem no fundo da sua alma, o traço de caráter e o trauma oral inicial. A análise do caso não pode ser concluída e a hipótese do diagnóstico não pode ser elaborada antes de investigar os possíveis traumas que podem ter acontecido com Lola na fase anal: o trauma masoquista e o trauma psicopata.

    Fase anal

    Agora vamos formular outra hipótese. Na fase anal a pequena Lola passou por uma tremenda humilhação e na fase genital experimentou a “traição do pai” como a própria mãe (caso ela tivesse fantasiado se tornar a mulher do próprio pai) e/ou a traição do pai com outra mulher. Resumindo a história clínica da paciente: primeiro aconteceu que Lola não se sentiu amada e atendida na fase oral pela própria mãe, refugiou-se e protegeu-se na fase anterior (intrauterina) que produziu o trauma esquizóide, mas em seguida sentiu-se amada na fase genital pelo próprio pai e logo sentiu-se traída por ele. Quando Lola experimentou a traição do próprio pai, o mecanismo inconsciente de defesa do ego, em vez de fixar Lola completamente na fase genital (porque o carater rigido não lhe deu suficiente proteção a sua dor) a fez regredir para fase anal anterior.

    É dizer, Lola não desenvolveu completamente um caráter rígido e competitivo, nem todos os desafios foram enfrentados forjando uma couraça indissolúvel, querendo prevalecer sobre os outros para conquistar espaços de afetividade, mas com a traição ela fez uma parcial regressão, encerrando-se também em si mesma. O que aconteceu com Lola na fase anal? Na análise do caráter, Wilhelm Reich (2019) mostra como na fase anal a criança desenvolve a capacidade de controlar os esfíncteres (xixi e cocô), mas pode também experimentar a dor da humilhação (deboche do tipo “ele fez cocô nas calças”) e forjar o traço de caráter masoquista que implica segurar o cocô; a persona fecha-se em si mesma, interiorizando situações difíceis e ficando introversa. “Em muitas pessoas há ansiedade ligadas às funções urinárias e anais que também devem ser resolvidas.

    Muitos de nós aprendemos a lição de que essas funções podem nos causar muita dor, vergonha e humilhação se não forem rigorosamente controladas. Fomos elogiados por controlarmos e punidos quando falhamos. Fomos ensinados que é errado deixar a natureza seguir seu curso, de que se deve manter o controle todo o tempo. Agora não conseguimos relaxar nossos ânus fechados e assoalhos pélvicos tensos. Temos medo de que os fundilhos caiam se soltarmos.” (Lowen, 1983, p. 41). A retenção dos esfíncteres por causa da humilhação pode se transformar futuramente na busca por dinheiro, sucesso e fama, tornando uma pessoa egoísta, avara e amarga, incapaz de se soltar e de vivenciar o desapego dos bens materiais, presa ao ter e a posse (títulos, diplomas, dinheiro e reconhecimentos) em vez ao ser e a essência (que visa tornar uma pessoa aquilo que realmente é).

    Auto estima e auto expressão

    “A meta real atrás da busca de dinheiro, sucesso ou fama é auto aceitação, auto estima e auto expressão. Ser pobre, um fracassado ou desconhecido é, para muitas pessoas, ser ninguém e portanto indigno de amor e incapaz de amar”. (Lowen, 1983, p. 36). Sendo assim, é possível que Lola, que experimentou o amor do pai, após experimentar a traição dele regrediu para fase anal para se proteger do dor. Lola reviveu a humilhação da fase anal com conteúdo atualizado e vestiu a máscara masoquista da fase anal em conjunto a mascara rigida da fase genital. De fato, quando a rigidez e a competitividade não conseguiram proteger Lola, quando não conseguiu vencer os desafios da vida, regrediu e ficou também presa no trauma masoquista, começando a se punir e a sofrer no silêncio da sua solidão.

    É dizer, externamente Lola mostrava para o mundo sua rigidez, mas protegia-se com seu masoquismo (sofria calada, chorava com as lágrimas secas e morta no canto da boca). Lola era do tipo casca grossa (rígida) em coração mole (masoquista). A pergunta é: o que aconteceu com a fase genital anterior? Porque Lola regrediu novamente para a fase anal? Resumindo de novo o caso: Lola se tornou competitiva (traço rígido) para ganhar espaços e conquistar o afeto do pai, mas sempre estava acompanhada com aquela sensação de medo, de cair e não saber levantar (insegurança trauma oral) e quando os desafios que a vida lhe apresentou eram muito grande, deixava a competição por medo de ficar em segundo lugar ou de perder algo novamente, começou a se sentir inferior e fora do lugar, com baixa autoestima e sentimentos de culpa, refugiando-se em uma zona de conforto, o masoquismo. Na mente de Lola começaram um turbilhão de perguntas.

    Como poderia ser a princesinha do papai se ele na hora de deitar escolhia sua mãe ou pior estava de olho em outra mulher ou já tinha uma amante ou estava pensando em trair e abandonar também a mãe e própria filha? Talvez Lola, mais uma vez, sentiu-se desamparada, desprotegida, privada novamente do afeto, negada na fantasia sexual de ter o pai só para ela (ou a mãe no caso do menino). Portanto, qual era o recurso que a pequena Lola tinha após experimentar a traição do pai? De fato, o recurso que a pequena Lola tinha era atingir um recurso regredido da fase anterior. Lola, em vez de desenvolver um traço de caráter completamente rígido, regrediu para fase anal e se fixou também no traço de caráter masoquista.

    Segurança psíquica e os conflitos de personalidade

    Em concreto, Lola se fecha para o mundo externo, para de sentir e expressar a dor, deixa também de competir e de querer ganhar espaços e, como um passarinho na gaiola, acaba se fechando em si mesma, no trabalho público, uma prisão segura com as grades de ouro, mas que nunca preencherá o vazio do abandono da fase oral, a sua dependência materna e a segurança psíquica almejada. Por causa disso Lola pode começar a sabotar seu corpo, cumprindo verdadeiros atos de masoquismo como: feridas, automutilação, cortes, arrancar o cabelos ou arranhar sua pele etc. com a evidente tentativa de aliviar algum sentimento de culpa, de tirar a sujeira acima de si ou deslocar o foco da atenção do seu problema e trauma.

    Asimismo, o medo e a insegurança junto com a perda de afeto e o sentimento de abandono paralisaram a paciente que se fechou para a vida, deixou de experimentar situações novas e inesperadas, revivendo o trauma passado no presente, criando uma zona de conforto e de aparente segurança no trabalho público. O choro de Lola torna-se interior e silencioso, suporta e carrega a tristeza nos ombros, abafa os sentimentos no peito, apaga as lágrimas no coração. Em definitiva, Lola faz uma parcial regressão da fase genital para a fase anal fixando-se nele e criando um caráter masoquista. Antes de encerrar a investigação sobre os transtornos da personalidade ocorre se fazer mais uma pergunta: o que aconteceu com o trauma psicopata?

    Na análise do caráter (2019) Whilhem Reich explica que por volta dos três anos de idade, sempre na fase anal, quando a criança desenvolve sua individualidade (ou seja, percebe o mundo exterior em forma diferente que a da própria mãe) e a capacidade de movimentação (primeiros passos, engatinhar, cair 7 vezes e levantar 8 vezes, estar erguido sobre os próprios pés…) possa também experimentar a dor da manipulação (a criança recebe atenção, aprovação ou desaprovação, em função das coisas que faz e diz para satisfazer os outros) e desenvolve o traço de caráter “psicopata” querendo manipular os outros, inclusive o pai para conseguir vantagens da própria mãe e vice versa.

    Um amor vinculado

    Frases do tipo: “Mamãe gosta de você quando você é boazinha e faz cocô na privada ou quando você não suja a cama com o xixi” é um exemplo de amor vinculado a um resultado ou a um comportamento. Contudo, esta nova dinâmica não aconteceu com a pequena Lola, pois ninguém (pai e mãe) manipulou a criança ou pelo menos o fez de uma forma agressiva ao ponto de gerar um trauma.

    Em definitiva, Lola não desenvolveu o traço de caráter psicopata, ou seja, este traço não a marcou, ela não se fixou ou regrediu nele na hora de experimentar uma nova situação de conflito com conteúdo atualizado. Porém cabe uma dúvida: a morte dolorosa do pai prejudicou a personalidade de Lola ao ponto de sofrer outro trauma!?

    Luto e Melancolia

    Nossa investigação poderia estar encerrada, mas precisamos abrir um parêntese sobre a morte inesperada do pai da paciente. Lola, primeiro sentiu-se amada, logo foi traída e em seguida abandonada pelo pai que a deixou sozinha no mundo após a morte. Pode ter ocorrido que Lola, com a morte do pai, tenha desenvolvido um quadro neurótico de melancolia que, diversamente do Luto, produziu um menosprezo do ego e da personalidade. É dizer, o ego de Lola, no processo de identificação com o pai, sofreu uma perda incalculável (a perda de si mesma), vivenciou um rebaixamento, uma amputação onde a paciente se viu e percebeu perdida, experimentando sentimentos ambivalentes e ambíguo com o pai de amor (objeto do desejo) e ódio (a causa da formação reativa, adoptou uma posição oposta, para encobrir algo inaceitável e insuportável por ser muito doloroso).

    Ora, não cabe nesta investigação explorar esta nova hipótese, com o risco de fugir do tema, mas é necessário fazer uma pequena digressão visto que a paciente Lola, além de ter um evidente transtorno de personalidade, acusava sintomas depressivos talvez devidos a perda dolorosa do pai. Esta neurose foi tratada por Freud em 1917 no célebre texto “Luto e Melancolia”, hoje conhecida como depressão “maníaco depressivo”. No estado melancólico Sigmund Freud (1836-1938) afirma que “à sombra do objeto cai sobre o ego” do paciente. De fato, pode ter acontecido que Lola tenha investido bastante energia na relação com o pai (objeto externo de desejo) que é incorporado como se fosse parte de si e no momento do luto, uma parte dela morreu juntos, o ego ficou enfraquecido e refém no conflito com o ideal do ego.

    Ocorre lembrar que o ideal do ego é uma vertente do superego, se constitui a partir do complexo de Édipo ou de Electra como consequência da castração da criança com os pais, onde a criança introjeta por medo da castração, expectativas e sobretudo os ideais deles, incluindo o ideal de como o indivíduo deve ser (que é bem diferente daquilo que o indivíduo realmente é ‘Self’ que responde a sua essência, a sua raiz e a verdadeira natureza intrínseca). É dizer, a criança se transforma em um projeto jogado (ideal) do seus pais, negando as próprias aspirações, essência e desejos. A dinâmica do conflito entre o ego e o ideal do ego (padrões e modelos ideais) pode originar dois traumas (IBPC, mod.3, p. 63).

    O caso depressivo do ego

    O primeiro é “o caso depressivo do ego que se subjuga ao ideal do ego, e deixa o sujeito com baixa autoestima, sentimentos de culpa e frustração, alto nível de exigência consigo próprio, sentimentos de perda de amor e de que seus desejos são inalcançáveis”. O segundo, é o caso contrário “quando o ideal do ego se subjuga ao ego, há uma supervalorização egóica como se o sujeito fosse superior a tudo e a todos. Busca, portanto, aceitação, prestígio e necessidade de grandeza”.

    A primeira situação poderia refletir o caso de Lola e do paciente “maníaco depressivo” que alterna estados de humor a estados de excessiva tristeza (transtorno bipolar); vice versa, o segundo caso origina a frustração narcisista, um desvio de personalidade já objeto de estudo e de publicação por este autor (veja o link na bibliografia).

    Em definitiva, para elaborar uma hipótese diagnóstica foi necessário considerar todas as dinâmicas na história de vida da paciente, ressaltando também que adoecemos pelas palavras e nós curamos pelas palavras, pelas imagens e pelos elementos significantes.

    Trauma X queixa

    Neste capítulo vamos desvendar as conexões entre o trauma na infância de Lola e a queixa adulta que traz a paciente para terapia. Lola por dentro é uma criança ferida, e por fora é um adulto com queixas. A análise do caso evidenciou que a paciente Lola continuava em forma inconsciente a alimentar seus traumas passados, de um lado estava presa e fixada ao medo e a insegurança e do outro lado a falta de autonomia e independência de um ego frágil e enfraquecido fazia com que ela negasse para si mesma o prazer, o gozo e a liberdade de se tornar o que realmente é (princípio de Individuação e realização), para ser algo diferente, reconhecível e aceito pelos outros, mas incompressível e irreconhecível para sua própria alma.

    Lola, por causa de um sentimento inconsciente de culpa, abortou e reprimiu o gozo pessoal e a realização do desejo, abandonado a fé em si mesma. “Um pássaro sentado em uma árvore nunca tem medo que o galho quebre, porque sua confiança não está no galho (ou no seu pai ou na sua mãe), mas nas suas próprias asas!”. Ele confia, antes de mais nada, em si mesmo. Talvez Lola precisasse voltar a acreditar em si mesma, pois era a única pessoa que podia gerar mudanças significativas em sua vida! De fato, Lola tornou-se o maior carrasco de si mesma. Sua mente ficou encarcerada e presa no passado, escrava da culpa e da impossibilidade de implicar-se como sujeito do desejo. Lola precisava ressignificar o processo para poder se libertar do trauma e da culpa. ”

    A questão básica no relacionamento mãe-filho(a) não é a amamentação no seio, mas a fé e confiança, apesar dos três estarem muito relacionados. Através deste relacionamento a criança ou ganha um senso básico de confiança em seu mundo ou entrará em um conflito com dúvidas, ansiedades e culpas sobre seu direito de pegar o que precisa ou quer. Uma pessoa incerta, sua procura no mundo é hesitante, tem suas ações dificultadas pela prudência e nunca se compromete totalmente. Procura e foge ao mesmo tempo. (Lowen, 1983, p. 157). É curioso, mas o desconforto e o trauma de Lola adquiriu a forma dos desejos que excluiu na sua alma e daquilo que sentiu falta e não conseguiu expressar e satisfazer.

    Um lado espiritual e aventuroso

    Lola excluiu da sua vida seu lado espiritual e aventuroso, sua necessidade de liberdade e de viajar, do prazer caótico e impulsivo, identificando-se com o trabalho fixo e seguro do emprego público e nos relacionamentos apareceu a instabilidade “uma engrenagem que parou de funcionar em minha vida” expressa (representação simbólica) pelo medo do mar e de nadar. De fato, Lola tinha desejos opostos que precisavam de um equilíbrio: de um lado a necessidade de segurança, de raízes e de laços afetivos e do outro lado a necessidade de cortar o cordão umbilical materno (castração) e de ter autonomia afetiva, de transformar o mundo (e seu corpo) no próprio lar e não na própria prisão.

    Lola precisava assumir definitivamente a função materna e paterna da criança ferida que carregava dentro de si. Segurança e autonomia, dependência e independência, proximidade e distanciamento representam pólos opostos da psique humana e são necessários para a vida e a evolução. Caso um aspecto seja suprimido ele volta da pior forma como sintoma. Foi isso que aconteceu com Lola. Podemos ler a sua afirmação, “eu tenho medo do mar”, como eu tenho medo de “A-Mar”. É dizer, a palavra Mar é contida na palavra Amar. Pois, quem tem medo de amar tem medo de se soltar no amor e, portanto, de mergulhar e nadar no imenso mar dos relacionamentos. Por trás da máscara do medo do Mar, existia a sombra do medo de amar; por trás do medo da perda do trabalho público, a insegurança (que vem de ‘segurar’ o bebê a própria mãe) e a falta de laços afetivos maternos.

    Em concreto, Lola privou-se do amor a si mesma como uma forma de autopunição, autoflagelação masoquista e expiação do sentimento de culpa. Lola sentia falta de um porto seguro para amarrar seu barco e não tinha coragem de se aventurar no mar aberto, de visitar novos lugares. O medo do novo e do desconhecido (seu desejo original: ‘conhecer o mundo e ser guia turístico’) foi substituído pelo imobilismo do trabalho público e da zona de conforto, recalcando seu desejo original. Jung dizia “a recusa não liberta, mas oprime”. Portanto Lola precisava acolher, ouvir e perceber seu medo, não transformá-lo em um monstro, não recusar o pedido de liberdade da sua alma, ter segurança em si mesma e voltar a navegar com coragem na vida.

    A falha e o inconsciente

    Lola precisava se libertar do passado e encontrar uma nova energia para recomeçar: <“Todos nós, mais cedo ou mais tarde, em pequenas ou grandes coisas, nos deparamos com um fracasso emocional, uma dificuldade que nos joga no chão. Podemos reagir a uma derrota de maneiras opostas: podemos vê-la como uma injustiça e não nos dar a paz, como o sinal inequívoco de que nunca estaremos à altura, mas também como a passagem necessária para novas aventuras, ou novas possibilidades. A derrota nos ensina quem somos, do que temos medo, nos coloca na frente dos nossos fantasmas e nos permite olhar para eles e fazer as pazes com eles. Falhar às vezes é a melhor maneira que o inconsciente tem de nos avisar que estamos em um caminho que não é para nós. Iludir-se, insistir ou reclamar é inútil. Muito pelo contrário: precisávamos mesmo “bater a cara” para olhar a realidade nos olhos”>. (Fonte: Riza Psicosomatica, Abril, 2022, p. 108).

    Se entendemos este processo, podemos transformar a dor em uma experiência preciosa e positiva, indispensável para encontrar nossas raízes e o caminho certo e verdadeiro para seguir. Contudo, a recusa de acolher seus medos e o pedido da sua alma, afastou nossa paciente dos seus desejos primários ao ponto de não se reconhecer mais. Ela precisava se tornar a melhor companhia de si mesma e recuperar a fé e a esperança para encontrar seu novo lugar no mundo e descobrir quem realmente é. “A rosa não tem porquê, floresce porque floresce; ela não pensa em como deve ser, ela não se pergunta se você a vê ou não.” Angelus Silesius (poeta e mistico). Lola sublimou a falta afetiva da fase oral e a necessidade de segurança com a transferência para o trabalho público considerado como uma “grande mãe”, amparo e solução, aparente panaceia de todos os males, mas privou sua alma do alimento espiritual, do inesperado e do desconhecido, do sonho e do desejo de aventura no mar da vida.

    O trabalho público representou para Lola uma gaiola com as grades de ouro, uma prisão segura que protege e ao mesmo tempo tira a liberdade e pode ser vista como consequência do medo de abandono da mãe biológica na fase oral. Pois, um passarinho criado na gaiola desconfia da sua capacidade natural de voar e quando ganhar a libertade pode pensar que voar é uma doença. Ademais, o medo da água pode ser pensado como o medo de voltar no útero materno onde Lola experimentou a rejeição da própria mãe. A água é a vida, é o líquido amniótico que alimenta o bebê na fase intrauterina onde Lola experimentou o trauma. O medo de viajar (hodofobia) é associado com a ideia constante de se perder, com o medo de se soltar, de ficar desamparado e sem proteção, ou seja, sem referência, sem segurança “materna”.

    Os conflitos de personalidade e os conflitos da personalidade

    Na fase genital a nova dinâmica afetiva com o pai de Lola, que de certa forma usou a filha por preencher um espaço afetivo vazio, com frases do tipo: “você é a princesinha da minha vida” afetará bastante seu relacionamento futuro, ela buscará o pai ideal em todos os relacionamentos futuros, mas também a carência da fase oral fará com que Lola assuma o papel de “bebezão” do seu parceiro. “Na medida em que o organismo humano vai crescendo, vai adicionando camadas de personalidade, cada uma das quais permanece viva e em funcionamento na fase adulta. Se qualquer camada, ou seja, qualquer experiência, for reprimida ou deixar de estar disponível, a personalidade entra em conflito e, portanto, se limita.” (Lowen 1983, p.50).

    É importante entender que o indivíduo em cada estágio da sua vida se identifica com um afeto, emoção e um referente externo que desenvolve a função materna e paterna. Segundo Lowen (1983), o bebê se identifica com o amor e prazer; a criança com criatividade e imaginação; o menino ou menina com o divertimento e ludismo; o adolescente com o romance e aventura; e o adulto com a realidade e responsabilidade. Cada camada da personalidade representa uma nova consciência do ser e da relação do indivíduo com o ambiente social e o mundo. “Em muitos casos a criança é levada a se sentir rejeitada por não aceitar as regras de seus pais. Algumas mães não hesitam a privar de afeto suas crianças se elas se opuseram ou se tornarem negativas.

    Ou a criança cumpre as exigências de seus pais ou a fazem sentir como uma marginal. (Lowen, 1983, p.42). O que a pequena Lola havia perdido além da paz e da segurança? “Havia perdido o prazer e a satisfação que o amor de uma mãe poderia ter propiciado […] mais importante tinha perdido a capacidade de procurar e se abrir ao prazer […] a busca é feita pelo corpo e ele é bloqueado pela tensão muscular que limita esses movimentos. Há dois movimentos específicos de procura: um é com a boca e representa o impulso infantil de procura do seio; o outro é com os braços e expressa o desejo da criança de ser pega pela sua mãe e carregada perto do corpo materno. Na vida adulta estas ações são transformadas no beijo e no abraço afetuoso. […] movimentos restringidos em pacientes deprimidos”. (Lowen, 1983, p. 103).

    Sensação de desgosto

    O que Lola tinha era amargura e uma sensação de desgosto (boca) com a vida; o que ela precisava era amor, prazer e proteção, aceitação verdadeira e incondicional de si mesma, mas o medo de abandono e do desamparo a deixavam desorientadas, insegura e presa, incapaz e de soltar e de salpar para novos mares. A observação clínica demonstra amplamente que os medos mais intensos e patológicos são realmente relacionados com a própria mãe ou com quem exerce a função materna; enquanto os problemas de relacionamentos são relacionados com o próprio pai ou com quem exerce a função paterna. Para completar a investigação é necessário fazer uma análise corporal da paciente e entender quais as possíveis repercussões no corpo de Lola pelo trauma oral.

    “Os braços podem se mover pela frente, mas os ombros estão encolhidos e as mãos pendem flacidamente dos pulsos como flores murchas. A procura geralmente tem uma qualidade apática que o paciente sente como “para quê?” ou “Ela não estava lá”, referindo-se a mãe. A uma perda de sensações nos braços devido a contração dos músculos na articulação dos ombros. O movimento para frente dos lábios é, similarmente, inibido pela espasticidade dos músculos faciais. Muitos pacientes têm o lábio superior contraído, que reconhecemos como uma indicação de repressão de sentimentos (mandíbula presa e rígida). […] A repressão é um “não vou” inconsciente que por um lado é uma defesa contra a possibilidade de ser desapontado e machucado, por outro é uma reação de ressentimento. (Lowen, 1983, p. 104).

    Em concreto, o conflito de personalidade de Lola é o resultado das dinâmicas vivenciadas na infância onde os sintomas e a simbolização (trabalho público, medo do mar, etc.) evidenciados na queixa adulta apontam as conexões com o trauma passado; mostram que Lola perseguiu objetivos irreais, que não estão assentados na realidade profunda da sua psique, a primeira que experimentou a traição do seu desejo original. “É o colapso de uma ilusão, não uma ilusão consciente, mas sim, uma ilusão que foi operante no comportamento de uma pessoa.” (Lowen, 1983, p. 57). Os distúrbios da personalidade de Lola são caracterizados não apenas por alguma perda da função, mas também por uma perda da percepção associada à função. Por exemplo: “Uma pessoa com miopia tem um problema visual e uma dificuldade de ver relacionamento”.

    Hipótese diagnóstica

    Da mesma forma, nossa paciente que tem medo da água, tem medo de mergulhar no imenso mar do amor. Em definitiva, o medo de nadar expressa seu medo de amar, de se sentir traída ou abandonada novamente, primeiro é a perda de confiança no corpo, ou seja, a fé em si mesma, segundo é a sensação de desesperança e por último é a terrível lei do eterno retorno (retorno do recalcado), um conflito passado não solucionado se representa sempre inúmeras vezes no presente (sintoma), com conteúdo atualizado. A mais de dois séculos, o pai da medicina moderna, Hipócrates (460 a.C. a 370 a.C.) disse: “É mais importante conhecer a pessoa que tem a doença do que a doença que a pessoa tem.”

    É dizer, cada sujeito é diferente dos outros, não é um sujeito qualquer, é um mundo dentro de si mesmo, uma subjetividade que precisa ser explorada e entendida com o maior cuidado, porque cada caso é um caso especial. Em outras palavras, para a psicanálise clínica é mais importante entender o paciente do que sua doença, já que o sujeito é um universo em si e não pode simplesmente ser catalogado por uma nomenclatura simplificada da OMS tipo CID 10 (Código internacional de doença). Portanto, a identificação das doenças, dos sintomas e o relativo tratamento do trauma não é o mesmo em duas pessoas, na medida em que cada uma delas percebe-se como ser único, singular e complexo onde sua individualidade e subjetividade é uma forma de auto expressão que depende da sua capacidade de lidar, reagir e interpretar os fatos da própria vida.

    Contudo, queremos chegar a uma hipótese diagnóstica. Em definitiva, Lola queria a própria mãe na fase da simbiose oral que foi negada, tive que recorrer e regredir ao recurso esquizóide da fase anterior intrauterina para se isolar, não sentir e não sofrer a dor do abandono e quando cresceu e obtive a satisfação do seu desejo inicial ficou presa na fase genital do traço de caráter rígido (fálico narcisista) que é mais progredido dos outros, porque é posterior e também ficou presa e regrediu no masoquismo da fase anal, prendendo seu sentir e sufocando as emoções dentro do seu corpo.

    O complexo de Electra

    O medo de rejeição da fase pré oral; a manipulação e humilhação da fase anal, mas sobretudo o medo de traição pelos pais que escolhem outro parceiro externo ao casamento e não permitiram o desenvolvimento de uma relação triangular afetiva sadia (pai, mãe e filha), impediram a Lola de alcançar a indipendencia emocional e de ficar sobre seus próprios pés (eu estou, eu posso, eu sou) originou-se das experiências, dos traumas e das dinâmicas da infância. A última máscara do caráter que aparentemente permitiu a criança de obter a satisfação do desejo original da fase oral fixou Lola a uma máscara rígida e engessada (competitiva com a mãe pela menina que visa a atenção e domínio do próprio pai, complexo de Electra e/ou competitiva com o pai para o menino que visa o domínio e a atenção da própria mãe, complexo de Édipo).

    Portanto, Lola desenvolveu um traço de caráter em parte masoquista e em parte rígido e competitivo quando sentiu-se querida, aceita pelo próprio pai. De um lado Lola vestiu e encarnou uma máscara rígida para esconder sua fragilidade para o mundo, mostrando somente o lado externo da sua personalidade, a sua dureza, imperturbabilidade, focando na carreira e querendo controlar tudo para inibir os sentimentos de culpa que carregava. Do outro lado, quando todos os sucessos no trabalho não produziram gratificação ou quando apareceram seus medos e dúvidas escondia e afogava sua fragilidade dentro seu masoquismo.

    Assim que Lola ao se tornar adulta buscou relacionamentos com homens mais velhos visando a busca inconsciente do próprio pai (paizinho) objeto do desejo negado e frustrado pela traição. Por outro lado, a criança de gênero masculino buscará um relacionamento com um perfil de mulher madura (não pela sexualidade) mas para achar (reencontrar) a própria mãe (afetividade e contato, busca a mãezinha, mulheres mais velhas). Por isso que o homem ou a mulher com traço de caráter rígido (e com trauma na fase oral) é atraente e competitivo, mas na hora do relacionamento torna-se o bebezão da própria mulher ou do próprio homem, demonstrando a necessidade da oralidade, queixa e choro (afeto negado, sentimento de abandono, medo de ficar sozinho) nunca satisfeito pela própria mãe na fase oral, querendo fazer todas as vontades do parceiro(a), quase sempre sem sucesso.

    O inconsciente e a sexualidade

    Em concreto, as crianças que vivenciaram um trauma na fase oral utilizaram a sexualidade para obter a satisfação da oralidade-afetividade. Na análise do caso de Lola todas estas características eram evidentes já a partir da análise do seu corpo. A parte superior do corpo de Lola expressava a relação com a mãe (peito inflado) e a parte inferior com o pai (pedestal engessado, negação do prazer). “A parte superior do corpo é identificada com a consciência e o ego, a parte inferior com o inconsciente e a sexualidade. Na mitologia o diafragma é identificado com a superfície da Terra. Abaixo do diafragma estão as regiões inferiores, a residência das forças da escuridão, as paixões que não estão totalmente sujeitas ao controle racional da mente. Os sentimentos da parte superior do corpo estão mais perto da consciência e portanto mais sujeitos a autoridade do ego.” (Lowen, 1983, p. 121).

    Em definitiva, Lola assumiu, vestiu e encarnou uma máscara social rígida com uma declinação masoquista, expressando ansiedade, medo de solidão e abandono, ao tempo que deixou seu trauma profundo (oral e esquizóide) na sombra impedindo de realizar sua verdadeira essência e missão na vida (Self). “… há ansiedade, que acompanha o estar erguido em seus próprios pés. Não é que tenhamos medo disso, mas a verdadeira independência significa ficar só. O medo de ficar só, eu diria, é provavelmente a maior ansiedade de nossos tempos. Ninguém quer ficar só. Somos gregários (animais sociais diria Platão) por nossa própria natureza, mas em muitas pessoas o medo de ficar só alcança alturas irracionais. Por causa deste medo farão qualquer coisa (até de ser manipulados).

    Nos conflitos de personalidade abandonarão sua individualidade por causa dele, assumindo, erroneamente, que a pessoa que é um verdadeiro indivíduo, que ousa ser ela mesma em oposição a outros, será rejeitada ou cairá no ostracismo (exclusão). Este medo alimenta a sociedade de massa com seus meios de comunicação de massa, entretenimento de massa, etc.” (Lowen, 1983, p. 41). Lowen aponta, já em forma futurista, o mal do nosso século, o vazio e o fracasso existencial e emocional de quem está perdido no conformismo e na expectativa social, deixando o princípio de individuação, de auto realização e missão de vida, longe de ser alcançado. “E também, por mais estranho que pareça, é o indivíduo de massa que está realmente só, que perde as relações pessoais íntimas e profundas que unem as pessoas. E é o indivíduo que está erguido sozinho, sobre seus pés, que sente e conhece a unidade que relaciona homem com homem e homem com mulher.

    Os conflitos de personalidade e a personalidade de Lola

    Sendo verdadeiro consigo mesmo, ele atrai as pessoas, e suas respostas aos conflitos de personalidade e elas são genuínas e vindas do coração. Em seus sentimentos (natureza e essência) ele nunca está só, enquanto que o homem de massa está só, mesmo no meio da multidão.” (Lowen, 1983, p.41). Em definitiva, Lola que carrega dentro de si uma criança ferida, desenvolveu diversas camadas de traumas (com porcentagem e grau de importância diferente) e a personalidade (caráter) resultou complexa e enigmática, condicionando sua queixa adulta. Na personalidade de Lola aparecem quatro sobre os cincos traços de caráter, os dois traços principais estão presentes no lado sombra e outros dois são as couraças externas, presente no lado máscara.

    No lado sombra, a camada oral representa o lado mais profundo da ferida básica, marcada pelo trauma do abandono, enquanto a camada esquizóide representa o lado intermédio da ferida básica, marcada pelo trauma da rejeição. Nos conflitos de personalidade no lado máscara a paciente Lola apresentou a princípio a primeira camada rígida da personalidade, marcada pelo trauma da traição e a camada masoquista, o lado subjacente da máscara externa, marcada pelo trauma da humilhação. Os recursos que a paciente precisa deixar aflorar e valorizar na terapia são a capacidade de expressar, falar e entender sua ferida básica, mostrando a intensidade dos sentimentos, a sua fragilidade, assim como a capacidade de imaginação, de criar e viver além das angústias asfixiantes e limitantes da culpa e da realidade falsa que criou para se proteger do trauma.

    Lola precisava não ser demasiado dura consigo mesma com o risco de quebrar de uma vez, superar a culpa (oriunda do Luto e da melancolia da morte do pai) e se legitimar no gozo e na busca do prazer, encontrar a flexibilidade, equilibrar a fragilidade com a força, dois elementos necessários que precisam coexistir para reencontrar a si mesma e atingir a paz interior. Por outro lado, nos conflitos de personalidade o Psicanalista precisará de muita habilidade e expertise para conseguir com que sua paciente recupere e valorize o lado funcional e o recurso de cada traço do caráter da sua ferida básica, libertando-lá do lado disfuncional da dor dos traumas que a amarram e fixam no passado, impedindo-lhe de viver o presente com alegria e de encontrar sua verdadeira essência e sentido de vida.

    Conclusão

    A caverna das almas perdidas é uma alegoria, um mito xamânico que esconde uma antiga sabedoria. Um paciente, um índio da tribù Guaranis na Amazônia vai para o xamã para curar uma dor invisível. Segundo a crença, o xamã é o líder inspirado pelos espíritos e pelos deuses para conduzir as cerimônias na tribù. É o sacerdote máximo que, durante o ritual xamânico, entra em estado de transe inconsciente e consegue penetrar os reinos ancestrais, na vida além da morte, curando as dores de uma pessoa. O índio é conduzido em uma caverna e é convidado pelo xamã a descer através de trilhas e caminhos estreitos para as profundezas da terra, bem lá no fundo subterrâneo, invisível e escuro.

    Ao entrar na caverna ele começa a fazer um caminho no seu passado. Enquanto desce pela caverna, o índio volta no tempo através de uma regressão e introspecção, fazendo um percurso por etapa ao contrário, longo as trilhas da sua vida e infância. No princípio o índio tem medo da escuridão onde não é possível enxergar com os olhos, mas é conduzido pela voz sábia do xamã e tem fé, pois somente assim ele poderá voltar a ter um encontro inesperado consigo mesmo. Em cada etapa da caverna, assim como em cada estação da vida, o paciente índio esbarra em uma ferida da vida em que ficou preso e deixou um pedaço de alma.

    Quando o índio chega no fundo da caverna, esbarra na última etapa e estação, que representa a parada primordial da vida, o berço, o útero da própria mãe e ele descobre que não têm mais a alma. – Perdeu a alma? Perguntou o xamã. O índio estava assustado. Como um corpo pode viver sem alma, perguntou-se, com a palavra morta no canto da boca. – Não pode viver! Respondeu o xamã lendo o pensamento do índio. Os dois ficaram em silêncio. Somente os olhos se cruzaram. Os olhos do xamã enxergavam a ausência de vida naqueles do índio. Aí, bem no fundo dos olhos, escondia-se a sua doença. O xamã, não tinha a resposta que o índio buscava, mas fez um ritual e uma fumaça se levantou do fogo. – O fogo é alma encarnada.

    Assim é a alma humana!

    Sussurrou o xamã no pé do seu ouvido. A boca seca do índio mostrava a perda de gosto pela vida. O índio fechou os olhos e aos poucos começou a lembrar, algumas imagens vieram à tona, apareceram para sua consciência. O índio sozinho percorreu todas as feridas passadas, encontrou os medos que o impediram de realizar seu destino e sonho, encontrou também todas as pessoas que o magoaram, lembrou de algumas palavras e atitudes terríveis dos seus pais, viu todos seus desejos desabar diante da fria realidade que ele mesmo criou, acreditando que fosse a única possível.

    Enfim,nos conflitos de personalidade entendeu que ele não tinha culpa, pois era só uma criança inocente diante dos traumas que havia sofrido. A vida do índio, a partir da consciência e da ressignificação das dinâmicas que aconteceram no passado, da cura e do cuidado seu e do xamã, começou a mudar, a sua vida se transformou e sua alma voltou a florescer. Agora o índio, através das feridas iniciou outra viagem, não mais para trás, no passado, mas no presente em que conquistou todos os pedaços de alma perdida até se re-compactar e tornar-se um Ser integral (bio-psico-sócio-espiritual) e no final ficou curado. A palavra o fez adoecer e a palavra o curou.

    Embora quem curou o índio não foi o xamã, mas a fé em si mesmo e o desejo de recuperar sua essência, sua raiz primordial e sua alma perdida. É como se, em esta breve e perturbada viagem, que chamamos vida o índio e a nossa paciente Lola tivessem deixado um pedaço de alma no trauma da fase genital, outro na fase anal, outro na fase oral e intrauterina e se quedaram vazio sem nada, sem alma. Um corpo sem alma é como uma caixa de música sem som ou um violão sem melodia. Não funciona bem! Não é bonito e nem saudável. O xamã, assim como o Psicanalista Clínico de Lola, desenterrou todas as mazelas do passado e deixou aparecer a verdade escondida no escuro da caverna do paciente.

    Os conflitos de personalidade e as necessidades orais

    No caso de Lola, a relação com seu pai envolvia tanto as necessidades orais que não foram atendidas e satisfeitas pela mãe, quanto às necessidades afetivas-sexuais de ser aceita, admirada pela sua feminilidade. Portanto, Lola queria o colo do pai e que este lhe reconhecesse como ser uma mulher pela sua feminilidade. “O preenchimento de uma necessidade oral da criança ajudá-la a se localizar no mundo com segurança. O preenchimento de suas necessidades sexuais permite que uma menina aceite sua sensualidade como natural e, à medida que cresce, se coloca no mundo como mulher. Mas é extremamente difícil para um pai responder às necessidades orais e sexuais de uma criança. Se ele der resposta às primeiras, assume o papel de mãe e perde a sua imagem masculina.

    Se ignorar as necessidades orais e responder às necessidades sexuais da filha, seu comportamento será vivenciado pela filha como sedutor, uma vez que enfatiza o lado sexual sobre sua personalidade total. Nos conflitos de personalidade o problema pode ser evitado quando o pai e a mãe satisfazem plenamente a criança.” (Lowen, 1983, p. 90). Em outras palavras, quando cada um dos pais faz a sua parte, a mãe (função materna) é responsável pela fase oral e o pai (função paterna) é responsável pela fase genital. Lola buscava a segurança no relacionamento (fase genital) denotando a presença de uma profunda insegurança interna oriunda da fase oral com a própria mãe.

    De fato, quando os pais de Lola haviam se separado ela modelou a sua personalidade, transferindo essa sua carência afetiva nos relacionamentos, buscando a figura idealizada do pai, mas sempre estava com uma sensação de “vazio no estômago”, era carente e subjugada pela falta de afeto materno. “A paciente, uma mulher de 40 anos, sofria de depressão e enxaqueca com dor de cabeça. O pai tinha morrido e ela tinha transferido sobre ele a ânsia por amor, aceitação e segurança que sua mãe havia fracassado em lhe dar. […] Ela era incapaz de formar uma relação satisfatória com um homem.” (Lowen, 1983, p. 94).

    A família de origem

    É dizer, a paciente ainda estava ligada, presa e fixada à imagem ideal do seu pai buscando ele em todos seus relacionamentos ou nas relações afetivas com a família de origem. É importante lembrar que a perda do afeto da mãe é irrecuperável. Lola só podia olhar para dentro de si e atingir a reestruturação do Self, da essência e o enraizamento na realidade presente. Nos conflitos de personalidade, a criança carente que vive dentro de um adulto deve ser reconhecida e ressignificada, mas suas demandas antigas não podem ser satisfeitas e atendidas. Somente o adulto pode legitimar, acolher e atender a demanda da criança ferida que carrega dentro de si. “O homem ou a mulher deprimidos vivem carregando uma criança ferida que os amarra e fixa no passado com uma correspondente negação do presente”. (Lowen, 1983, p. 22).

    A mente de Lola tentou anular o acontecimento e as feridas do passado, tentou reprimir o sentimento de desamparo, abandono e rejeição substituindo-os com uma ilusão que, diversamente da fantasia, não a projetou além do evento traumático, mas ficou presa nele e no sentimento de culpa “Quando uma pessoa viveu uma perda ou um trauma na infância que corrói seu sentimento de segurança e auto aceitação, irá projetar numa imagem futura a esperança de que ela anule a experiência do passado. Assim, nos conflitos de personalidade, um indivíduo, que experimentou a sensação de rejeição como criança, imaginarà o futuro como uma promissora aceitação e aprovação. Se ele lutou com um sentimento de desamparo e impotência como criança, sua imagem futura será de poderoso e controlador…” (Lowen, 1983, p. 23)

    O corpo rígido de Lola aprisionava seu lado e ferida masoquista. Lola chorava sem lágrimas em uma autoflagelação que sabia de expiação de culpa para não ter sido “melhor o bastante ou perfeita quanto basta…”. “O amor não pode ser separado da liberdade e do prazer. Ninguém ama verdadeiramente alguém, se limita a liberdade dessa pessoa de ser ela mesma, de se expressar e de agir por si mesma.” (Lowen, 1983, p.128). Em definitiva, se o paciente não relembra, repete e ressignifica o que aconteceu nas dinâmicas do trauma, ficará preso nele e nunca curará a sua dor, vivendo a vida preso no lado disfuncional da personalidade, que lhe serviu de mecanismos de defesa e proteção, mas que lhe fez perder pedaços de almas, que lhe impediu evoluir e alimentou seu vazio existencial.

    O caso clínico de conflitos de personalidade

    Diante de um caso clínico, como aquele que apresentamos aqui, podemos fazer uma leitura estática ou uma análise dinâmica. De fato, se o profissional (Psicanalista ou Psicólogo) não souber fazer uma análise pontual e uma leitura profunda das dinâmicas das feridas passadas, acabará tratando o trauma da máscara rígida ou masoquista, (ou seja, a embalagem que fica na superfície da camada superior e intermédia) e não o trauma oral e intra uterino que ficam na sombra (trauma primordial e profundo). Nesta hora você estará se perguntando se tem cura o caso de Lola ou talvez se tem cura a dor que você está sentindo neste exato momento?

    Sim, com certeza, mas não é objetivo deste artigo descrever tudo aquilo que Lola e você precisaria fazer para encontrar a sua saúde mental, para restaurar sua paz de espírito, para reencontrar sua alma perdida, sua liberdade psíquica e se realizar como ser integral e não fragmentado. O tratamento da doença da alma inclui um trabalho físico e psíquico: “o trabalho físico envolve a mobilização de sentimentos através da respiração, movimentos e som. Nos conflitos de personalidade, o trabalho psicológico objetiva o desenvolvimento da percepção do paciente de sua condição, seu significado e sua causa.” (Lowen, 1983, p. 82). Nos conflitos de personalidade, a existencialista francês Jean Paul Sartre (1905-1980) uma vez disse: “Não importa o que fizeram comigo até hoje, e sim o que eu vou fazer com aquilo que fizeram comigo a partir de hoje”.

    Em concreto nos conflitos de personalidade, o importante é não perder a esperança e a fé em si mesmo e na vida como aquele pássaro que sentado no galho de uma árvore não tem medo de cair, não porque confia no galho, mas porque confia nele mesmo, nas próprias asas. “Quando ocorre uma perda da fé, as pessoas perdem também o desejo e o impulso de se lançarem na vida, de procurarem suas extensões, e lutar. Sentem que não há nada para se buscar, nada por que lutar”. (Lowen, 1983 p. 137). Por isso nos conflitos de personalidade é importante desejar ampliar o autoconhecimento e fazer terapia. Sempre existirá um xamã ou um PSICANALISTA CLÍNICO que lhe ajudará a descer pela caverna da sua vida, que lhe ajudará a encontrar a luz e não se deixar abandonar ou vencer pelo medo e sentimento de culpa. Coragem é saber conviver com o medo, não a ausência dele. Se você está passando por um momento de desespero, de aflição ou de decepção, lembre-se que não existe nenhuma dor psíquica que não possa ser curada. Não existe nos conflitos de personalidade uma alma perdida que não possa ser reencontrada. Não existe nada quebrado que não possa ser consertado. Também um relógio quebrado, acerta a hora duas vezes por dia!

    Bibliográfia sobre os conflitos de personalidade

    REICH, Wilhelm. Análise de Caráter. São Paulo: Editora Ágora, 2019. REICH, Wilhelm. Couraça muscular do caráter. Rev. CEPdePA, v. 23, 2016. FREITAS, Fernando. Corpo com Ciências. A fonte. São Paulo: Ibracs Editora, 2020. LOWEN, Alexander. Bioenergética. São Paulo: Summus Editorial, 1982. LOWEN, Alexander. O corpo em depressão. São Paulo: Summus Editorial, 1983. ZIMMERMANN, Elisabeth. Corpo e Individuação. Petrópolis: Editora Vozes, 2009. GRINBERG, Luiz Paulo. O homem criativo. São Paulo: FDT, 2003. IBPC, Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, mod. 2, 3 [Online]. Disponível em: https://www.psicanaliseclinica.com/. Acesso em: abr. 2022 BONATTI, Marco. Conceito de Caráter. [Online]. Disponível em: <www.psicanaliseclinica.com/conceito-de-carater/>. Acesso em: fev. 2022. BONATTI, Marco. O arquétipo da Máscara e da Sombra em Carl Gustav Jung. [Online]. Disponível em: <www.psicanaliseclinica.com/arquetipo-mascara-e-sombra/>. Acesso em: fev. 2022. BONATTI, Marco. Stanley Keleman e a anatomia emocional. [Online]. Disponível em: <www.psicanaliseclinica.com/stanley-keleman-anatomia-emocional/>. Acesso em: fev. 2022. BONATTI, Marco. Sobre o narcisista: entre soberba e fragilidade. [Online]. Disponível em: <https://www.psicanaliseclinica.com/sobre-o-narcisista/>. Acesso em fev. 2022.

    Este artigo sobre conflitos de personalidade em Alexandre Lowen e Wilhelm Reich foi escrito pelo autor MARCO BONATTI. Sou doutor PhD em Psicologia Social na UK de Buenos Aires; Analista Reichiano do Corpo e do Caráter; Psicanalista Clínico e colunista no IBPC de SP. Ajudo você a superar todos os conflitos psíquicos e desafios da vida. Faça análise e terapia diretamente on-line, no conforto da sua casa. Preços acessíveis a todos! Fone e Whatsapp: (85) 994263190, Somente WhatsApp: +393703713601, E-mail: [email protected], Telegram: DrMarcoBonatti

    5 thoughts on “Conflitos de Personalidade em Wilhelm Reich e Alexander Lowen

    1. Marco Bonatti disse:
    2. Eidi Kobayashi disse:

      Excelente artigo, vejo demais isso na prática. Principalmente com mulheres que se tornam fortes.

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