sensação de vazio

Sensação de vazio: novas ausências, novos vazios

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O objetivo desse breve ensaio sobre a sensação de vazio, é refletir sobre os novos vazios surgidos nos dias atuais, ou pelo menos nas últimas duas décadas, em face da nova configuração familiar, onde os responsáveis exercem suas profissões no mercado de trabalho, outorgando a criação do(s) filho(s) a um grupo terceiro, seja ele uma instituição educacional, seja o grupo parental mais próximo e disponível.

Tal reflexão se delimita em observar os possíveis reflexos nas crianças, e como isso poderá representar uma nova ausência, novas formas de manifestação da sensação de vazio e um conjunto de desafios para psicanálise.

Sensação de vazio: ausências tradicionais e velhos vazios

É possível recortar o tempo e afirmar que até o final da década de 1980, era socialmente normal e predominante que no desenho familiar, o homem, tido como responsável financeiro pelo sustento e direção da família, dedicava-se ao trabalho fora de casa, outorgando o importante papel de cuidado da casa e educação dos filhos a mulher, que representava o eixo socioemocional da família, enquanto o homem, o eixo socioeconômico.

Com jornadas de trabalho longas, fadigadas, pouca energia sobrava para interação com seus filhos, e a efetiva participação na construção da dessas personalidades.

A consequência dessa ausência era compensada pelo cuidado materno, com o intuito de minimizar a sensação de vazio. Isso possivelmente privava essa criança de experiências que poderiam desenvolver autonomia, independência, proatividade, ou até mesmo, privava de experimentar emoções típicas do desenvolvimento, como frustrações, quedas, dentre outras.

Ausência paterna e o sentimento de vazio

Esse quadro, em alguns casos, quando se chegava a idade da adolescência e/ou juventude, ocasionava a identificação de jovens com bloqueios e problemas no relacionamento, pois não sabiam lidar com frustrações, obstáculos, e quando estavam nessas situações sempre buscavam ao redor algo que refletisse a imagem da proteção materna.

Recordo-me de um processo seletivo para entrevista de emprego na década de 1990, que um dos candidatos (com menos de 18 anos) compareceu à empresa acompanhado da mãe.

A ausência paterna, em alguns casos, deixava o jovem num bloqueio de protagonismo, uma crise de confiança e atitude, pois ao final sempre aguardava um primeiro comando, que nas vozes da infância, maternalmente armazenada no inconsciente, refletia “Faça isso meu filho, vá por ali ou não vá”.

Novas ausências e novos vazios: percebendo a sensação de vazio hoje

Acredito que Rosiska Darcy, ao escrever a Reengenharia do Tempo em 2003, não teria alcançado o quão assertivo seria sua obra e o tamanho da dimensão que a mudança na composição da família acarretaria nas gerações seguintes. Trata-se de um problema social e amplo, e não mais um problema dentro das paredes familiares (Darcy, 2003). Mas a que problema estamos nos referindo?

Há algumas décadas, a participação feminina no mercado de trabalho vem aumentando gradativamente e merecidamente. O que não vem ocorrendo gradativamente e necessariamente é o preenchimento da ausência materna, ou melhor dizendo, da presença materna na composição familiar.

Trata-se de um contexto que as famílias vem tentando se reinventar e se adequarem a uma realidade que veio para ficar.

A composição familiar

Excetuando os casos em que os homens conseguiram substituir a presença em casa, e também outros onde os dois conseguiram distribuir as presenças e participação na composição familiar, o ponto a ser abordado é a transformação da ausência parcial (paterna) em integral, agora com o ingresso da mãe no desempenho das atividades profissionais.

“Eu me sinto vazio”: como lidamos com esta percepção?

As medidas paliativas, sem questionar a competência das instituições, é desde os primeiros meses de vida outorgar o preenchimento das primeiras memórias da criança a uma creche ou instituição equivalente.

As experiências de outrora em reconhecer o colo materno e fazer suas descobertas assistido por alguém que energiza cada movimento e suspiro, pelas mais diversas razões (financeiras, profissionais, pessoais) está agora outorgado a um grupo multidisciplinar de cuidadores que tentam preencher esse papel das mais diversas maneiras.

Essa ausência, agora integral, deixará um vazio, pouco a pouco armazenado no inconsciente com as experiências vividas nesse ambiente escolhido para viver de forma socializada e sob cuidados. As reações, dores, frustrações, descobertas, tudo criptografado de uma maneira particular onde mais tarde, poderá repercutir em comportamentos e atitudes sujeitas aos julgamentos e impressões os mais diversos.

Infância, adolescência e sensação de vazio

Como vem sendo cada vez mais comum encontrar jovens entre 13 e 18 anos nos dias atuais que não sentem vontade de sair de casa. Enxergam seu espaço como sua ilha, seu safe space. Mas isso é apenas a ponta do iceberg que pode revelar na camada mais profunda um desejo reprimido de não querer deixar de novo aquele lugar que lhe foi tirado quando não estava preparado.

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    A criança, particularmente até os dois ou três anos, é um infinito e maravilhoso mistério. Sua identidade rapidamente se caracteriza com o espaço que existe em volta. Afinal, esteve durante 9 meses por ali, acompanhando os passos maternos, e sentindo cada cômodo da casa.

    De repente, seu cotidiano está composto por um part time não esperado.

    As manifestações e dificuldades

    É retirado do berço, quarto, seu espaço seguro onde percebe o padrão, os locais, e a presença dos pais, para ser remetido a uma experiência coletiva fora do ninho, ou melhor, num ninho coletivo.

    O choro desse período, a dificuldade na adaptação, a manifestação expressa de não querer deixar os pais, tudo isso, pode mais tarde representar o comportamento numa moldura patológica de simplesmente não sentir vontade de deixar o ninho, pois agora pode opinar, defender-se e resistir.

    É necessário ratificar que o presente ensaio não destina a criticar o trabalho de creches ou instituições similares, mas deixar em relevo que há um novo vazio ocasionado pela ausência integral, pois agora, o bebê (ou a criança) não tem mais o pai, a mãe e a própria casa. Como assinalou Rosiska Darcy em sua obra, não há o que discutir sobre a conquista do espaço feminino, mas há muito ainda o que ajustar na evolução da adaptação familiar a essa nova realidade, uma questão social, muito além das paredes familiares.

    Os desafios da psicanálise em relação ao vazio

    Buscar um psicanalista é uma decisão que requer mais que conscientização, mas coragem e apoio familiar, além da própria indicação médica. Por outro lado, adiciona-se a esse quadro o fato que essa geração “berço vazio” também vem demonstrando uma aversão e/ou dificuldade em dialogar, se relacionar, se expressar.

    Uma sessão de psicanálise, que depende da escuta ativa, da plena atenção, se vê carente de um importante insumo: “as palavras”. Como chegar ao epicentro das questões se as palavras são mudas?

    A qualidade do sono é afetada pela ansiedade e pouco se sonha ou então quando sonham, não há nenhuma lembrança a respeito. Como interpretar os sonhos? Eis algumas importantes respostas que poderiam proporcionar um relevante debate e pesquisas.

    Considerações Finais

    O presente ensaio teve por objetivo proporcionar algumas constatações e reflexões sobre as novas ausências e sensações de vazios, bem como os desafios da psicanálise.

    As novas ausências são derivadas da composição familiar, retirando da convivência da criança pai (que já estava ausente antes), mãe, e o próprio espaço de convivência familiar, trocando pela passagem em instituições de cuidado.

    Os novos vazios são todas as repercussões das experiências vividas nesse período, que pode ser desde os primeiros meses de vida no berçário externo até a fase pré-escolar. Como exemplo foi citado o sentimento de não desejar abandonar o ninho.

    Desafios da Psicanálise

    Tal contexto se encontra com os desafios da psicanálise, que precisa ouvir atentamente e escutar ativamente uma geração (agora entre 15 e 18 anos) que praticamente não fala. Desafio de interpretar sonhos que não ocorrem ou não são lembrados, já que tal geração é afetada transversalmente pela ansiedade e uma redução da qualidade de sono.

    É certo que esse ensaio é um primeiro passo para explorar tais questões e muitas outras poderiam surgir a partir daqui, como por exemplo, o que gera a ansiedade, a má qualidade do sono, e quais efeitos essa geração “berço vazio” também acumularam por serem criados por parentes mais próximos.

    Até a próxima.

    Este artigo sobre a sensação de vazio foi escrito por Franklin Moura ([email protected]), doutorando em Ciências Empresariais e Sociais, filósofo, 30 anos de carreira atuando em várias funções, incluindo professor universitário. Pesquisador e palestrante sobre o sentido do trabalho, comportamento organizacional, gestão do tempo, e similares. Um contínuo aprendente e ensinante, transformando pessoas para transformar o mundo.

    2 thoughts on “Sensação de vazio: novas ausências, novos vazios

    1. Angry Birds Full Contact Good Food disse:

      Vazio, sei lá, me parece que não é uma questão de vazio, entretanto, um acúmulo informacional que gera o vazio. Isto é, estar cheio é estar vazio e vazio é estar cheio. Gostaria da manifestação do autor. Grato

    2. Mizael Carvalho disse:

      Texto muito bom, parabéns. O vazio está muito presente em nossa sociedade.

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