suposto saber

Suposto saber em Lacan: conceito e prática clínica

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Vamos abordar o tema da “Psicanálise moderna” e os riscos do “suposto analista” gozador do “suposto saber”. Afirmou Lacan: “em termos de latitude e de longitude, as coordenadas que o analista deve ser capaz de atingir para, simplesmente, ocupar o lugar que é o seu, o qual se define como aquele que ele deve oferecer vago ao desejo do paciente para que se realize como desejo do Outro” (Lacan, 1960-1961/1992, p. 109)

O suposto saber

Que a psicanálise está “na moda” não é novidade, mas é surpreendente o fato de uma abordagem terapêutica que tem por essência a posição de seus profissionais como meros objetos de transferência, posição essa que implica diretamente na busca pessoal pela desglamourização no setting analítico, quando o profissional compreende que todo o movimento surge, uma vez adotado o semblante de analista.

A partir e em prol do discurso do paciente a sua frente; fica evidente a dissonância entre as exigências ocupacionais da Psicanálise e os moldes culturais que estão a se apresentar ao longo das últimas décadas.

“[…], basta supor que o analista, mesmo à sua revelia, coloque por um instante seu próprio objeto parcial, seu agalma, no paciente com quem está lidando. Aí, com efeito, se pode falar de uma contraindicação (sic), mas, como veem, nada menos que localizável – ao menos enquanto a situação do desejo do analista não é explicitada” (Lacan, 1960-1961/1992, p. 195)

A “dádiva” da Psicanálise e o suposto saber

Retornando ao argumento proposto em um artigo anteriormente publicado sob o titulo “Psicanálise e o transformar pela fala.” no qual proponho que “A “dádiva” da Psicanálise está em gerar as condições para o pleno redizer e redescrever dos elementos que compõem os fundamentos de nossas formas de sofrer.

O falar abre as portas para o simbólico que opera, digere, revitaliza e, essencialmente desconstrói o “não dito” que se faz sintoma propiciando sua “cura”. Uma vez que toda a atuação se dá sobre as vivências não elaboradas, transformar o abstrato atuante em verbo é dissolver as mazelas em sua essência tornando o processo analítico curativo e não levianamente “sintomático”.”.

Questiono-me então como seria possível a prática de uma psicanálise na qual encontremos, por qualquer “razão”, as suas fundações em concepções de valores oriundos da história de qualquer outro que não do próprio paciente, sendo ainda mais “assombroso”, dados os mecanismos transferenciais e suas muitas vezes imprevisíveis consequências, que tais fundações pautem-se na história de vida e consequentes concepções pessoais do analista.

As idealizações culturais e o suposto saber

É fundamental para a prática analítica a compreensão de que, a clínica psicanalítica define-se amoral por compreender a si própria como uma teoria dos sintomas inerentes à condição de sujeitos tecidos de linguagem que somos, compreendendo que valores morais assim como seus opostos na esfera da imoralidade, seriam formações subjetivas oriundas de idealizações culturais e consequentemente também reflexos dos mesmos sintomas sobre os quais a psicanálise propõe-se a atuar.

Em suma, a amoralidade psicanalítica surge da necessidade de atuação sobre o “sujeito in natura”, em um constante esforço para manter-se “alheia” ao emaranhado de fantasias que envolve e tece as bases de nossa civilização.

Se um suposto setting analítico ergue-se tendo como base os valores culturais pessoais do também suposto analista, tem-se de imediato a dissolução das possibilidades da prática psicanalítica em si, pela anulação das condições de manutenção do manejo transferencial em função de propiciar a auto ressiginificação do paciente, passando o “não analista” a ser mero “aconselhador” e o paciente.

A relação do analista

A conquistar o gozo sem precedentes de uma gigantesca fonte de autorizações para possíveis repetições e consequentemente consolidações de seus sintomas em um processo que estaria a rebatizar suas formas de sofrer travestindo-as em prol dessa nova forma de gozar ante a cada “aprovação” provinda do novo “Senhor de seu Eu”, o “tão desejado outro” agora também travestido, porém sob a alcunha de “analista”.

“A angústia tem relações estreitas com a identificação. Se na identificação se trata de algo que sucede no nível do desejo do sujeito em sua relação ao desejo do Outro, […] Ao ser assim, obriga o sujeito a colocar-se periodicamente a questão do que é o desejo do psicanalista, desejo sempre presumido, jamais definido, e podendo, na psicose e a todo instante, devenir desse lugar do Outro, de onde surge para o analisante a angústia” (Lacan, 1961-1962)

Mecanismos de defesa

Tendo como fato que, os mecanismos de defesa aos quais estamos “todos sujeitos”, atuam naturalmente para preservar o equilíbrio do aparelho psíquico, garantindo dessa forma que o sujeito mantenha-se “funcional” ante a relação das demandas do mundo exterior para com as demandas do próprio sujeito.

Podemos concluir usando como exemplo a projeção, que consiste na percepção alterada do outro quando o sujeito passa a projetar como pertencente ao outro os atributos de si próprio reconhecidos pelo ego como insuportáveis, que, a forma mais “palpável” de conhecermos a nós mesmos, estaria na percepção das vias que alicerçam os argumentos pelos quais descrevemos o outro; em suma, um discurso é pleno em validez para o sujeito que o tece.

Conclusão

Podemos então concluir que, do ponto de vista psicanalítico, atuar sobre um paciente a partir dos ecos da própria história e consequentemente do próprio discurso, é inviabilizar a existência de qualquer mecanismo passivo de definição sob a alcunha de Psicanálise.

Retornando novamente a um argumento, segundo os biógrafos Freudianos, colocado por Freud a Jung, seria de suma importância que dessem outro nome, pois tais práticas não são Psicanálise.

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    Daniel S é Psicanalista Clínico, autor, colunista e colaborador literário em Psicanálise, Filosofia e Cultura. Instagram.com/psicanalise.br @psicanalise.br

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