O presente artigo tem como proposta fazer uma breve abordagem sobre a psicanálise com crianças no que concerne à presença delas no Setting Analítico. Vamos abordar a psicanálise com crianças, partindo da perspectiva de Melanie Klein e sua técnica do brincar.
Psicanálise com crianças e o setting analítico, uma abordagem Kleiniana
Sabemos que a prioridade de Freud em sua clínica foi quase sempre voltada a adultos neuróticos e por isso a clínica infantil ( acredito que devido a enorme abrangência de temas a serem tomados como “prioridade” para elaboração e consolidação do que viria a ser a clínica psicanalítica) acabou por não ser abordada ou mesmo estudada em todos os seus possíveis desdobramentos; trabalho esse, proposto por Melanie Klein em sua clínica a partir das pegadas marcadas pela obra Freudiana.
Podemos dizer a “grosso modo” que o processo de atendimento de crianças e adultos se assemelha quanto à base de atuação do analista na qual confrontos, esclarecimentos e interpretações fazem-se as ferramentas fundamentais da prática clínica associadas à atenção flutuante. A principal diferença estaria na dificuldade de se usar a livre associação na análise infantil, quando o processo mais funcional seria observar a partir da utilização de utensílios que favoreçam a expressão lúdica da criança, as manifestações de seu inconsciente tal como suas “pegadas e marcas”.
Tratamento psicanalítico e a psicanálise com crianças
Não obstante, o tratamento psicanalítico infantil acaba necessitando ser estabelecido desde o início em prol de propiciar uma neurose de transferência positiva assim como devem os impulsos negativos serem analisados com extrema cautela.
Em sua conduta o analista deve evitar medidas pedagógicas assim como se esforçar para construir no setting analítico um ambiente dotado de instrumentos que permitam que a criança possa se expressar livremente propiciando mais “fácil” acesso aos seus traços inconscientes para que seja feita uma análise lúdica de suas questões e seja gradualmente conduzido pelo analista o contato da criança com os princípios da realidade em detrimento do conteúdo encoberto e distorcido por suas fantasias, para que seu desenvolvimento seja plenamente assegurado.
Psicanálise com crianças para Melanie Klein
Melanie Klein percebe que em casos nos quais a criança apresenta extrema resistência e inacessibilidade a partir das manifestações de sua angústia, mostra-se eficaz a utilização de palavras de estímulo quando ela mesma inicia sozinha algumas brincadeiras a fim de trazer ao setting analítico a possibilidade de interação da criança com suas questões tal como o espaço propício para que, a partir desse universo lúdico.
Seja feita a análise em si com a criação de um “fértil terreno” para assegurar a transferência positiva e uma recepção tolerável por parte da criança de toda interação no setting analítico que se faça necessária, pois para Klein o esclarecimento na clínica infantil segue o mesmo procedimento do esclarecimento na clínica adulta, uma vez que é fundamental para que a criança possa ter contato com os princípios de realidade e para que assim venha a se desenvolver intelectualmente e caminhar de forma saudável pelas demais fases de seu desenvolvimento.
A manutenção constante do desejo do analista em manter uma transferência positiva torna-se fundamental na clínica infantil, pois o fenômeno da contratransferência pode manifestar-se no cotidiano do psicanalista por tratar-se de um “movimento de resposta do inconsciente” do Analista à sua atuação com questões específicas que venham a surgir no setting analítico e que de alguma forma estejam “reverberando” com sua história de vida ante a questões ainda não adequadamente elaboradas, o que salienta a necessidade do analista manter-se em análise e, em casos da não adequada condição para lidar com o exposto no setting, buscar por supervisão ou mesmo interromper o tratamento afim de um ”tratamento próprio” para tais questões, pois a prioridade é assegurar que a criança estará diante de um real objeto de transferência capaz de praticar efetivamente a psicanálise em prol das emergências do pequeno paciente a sua frente e não de sua própria história.
As condições clínicas
A partir então de uma superficial observação dos escritos de Melanie Klein, uma vez que não sou profundo conhecedor de sua obra, parece-me claro que os conceitos propostos por Klein que divergem ou mesmo inauguram uma concepção ou abordagem teórica para além das definições Freudianas, ocorrem fundamentalmente em virtude da imersão de Klein em condições clínicas ainda não vivenciadas e/ou testadas e consequentemente pouco ou não plenamente elaboradas na obra Freudiana, fator ocorrido principalmente devido ao direcionamento das pesquisas de Klein à clínica infantil, diferente de Freud que manteve o foco de suas pesquisas nas Neuroses de Transferência em adultos.
Cabe então ressaltar que a principal diferença nas abordagens da-se então no que concerne ao desenvolvimento do psiquismo, para o qual
- Freud propõe o já bem difundido desenvolvimento trifásico, que são respectivamente a fase Oral, fase Anal e a fase Fálica (depois destas fases, viriam a fase de latência e, por fim, a fase genital);
- enquanto que Melanie Klein, a partir de uma investigação clínica sem precedentes na Psicanálise ante ao universo infantil, encontra uma nova abordagem pautada na ideia de que, o desenvolvimento do psiquismo se daria através, não de fases ordenadas mas de posições alternáveis, denominadas respectivamente Esquizoparanóide e Depressiva, estabelecidas considerando a existência de um Ego Arcaico atuante desde o momento do nascimento.
Essas posições estabeleceriam-se respectivamente do primeiro mês ao longo do primeiro ano de vida, seguindo ambas as posições em alternância (ou seus reflexos) por todo desenvolvimento do sujeito para além da infância até a sua morte.
Conclusão
Parece-me então de grande relevância a leitura dos trabalhos de Klein não só quando tratamos da dedicação em pesquisas ante ao universo infantil, podendo ter sua abordagem ao meu ver, clara eficiência ante as mais variadas formas de sofrer manifestas por todos nós, sejamos jovens ou velhos falantes!
O presente artigo foi escrito por Daniel S. Psicanalista Clínico, autor, colunista, coordenador do espaço MinhaTerapia.org e colaborador literário em Psicanálise, Filosofia e Cultura. Perfil no Instagram dedicado à exposição de conteúdos Psicanalíticos autorais e clássicos: @psicanalise.br