transitoriedade

A teoria da transitoriedade, de Freud e a memória

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A teoria da Transitoriedade, escrita por Freud, narra de maneira poética a percepção de que tudo na vida é transitório e por isso, passível de ter um fim.

Entendendo a transitoriedade

A humanidade, que sabe da sua finitude, tentou ao longo de sua existência construir marcas que perpetuassem a sua história e deixassem de algum modo um registro da sua existência, dessa maneira, as mais variadas artes ganharam forças ao retratar rostos, sentimentos, emoções e histórias, que por mais que tenham chegado ao fim, ainda podem ser reavivadas graças ao retrato da memória.

Freud relata em seu texto, um amigo poeta que não consegue mais observar a beleza do mundo sem antes imaginar que ela logo terá um fim:

O poeta admirava a beleza do cenário à nossa volta, mas não extraía disso qualquer alegria. Perturbava-o o pensamento de que toda aquela beleza estava fadada à extinção, de que desapareceria quando sobreviesse o inverno, como toda a beleza humana e toda a beleza e esplendor que os homens criaram ou poderão criar. Tudo aquilo que, em outra circunstância, ele teria amado e admirado, pareceu-lhe despojado de seu valor por estar fadado à transitoriedade.

A transitoriedade e a inquietação humana

Aqui, percebe-se a inquietação humana perante a percepção da transitoriedade, neste caso narrado por Freud pode-se observar que o poeta tinha outra alternativa a seguir: contemplar a beleza do cenário antes que ela se esvaísse, entretanto, o poeta opta por focalizar apenas no fato de um dia essa beleza não existirá mais.

Essa alternativa, reafirma o poder que a memória possui para os seres humanos, justamente por tentarmos driblar rotineiramente a transitoriedade, costumamos esquecer de nos conectarmos com presente. Hesíodo, em seu livro ‘A origem dos Deuses’, narra a história do surgimento dos deuses, inclusive, da deusa da memória, que é responsável justamente pela perpetuação das lembranças.

Do romance entre a deusa da memória e Zeus, nascem nove filhas, que posteriormente passam a ser chamadas de musas, o curioso do nascimento das musas, é o significado que elas carregam; por serem filhas da deusa da memória, cada uma das musas é responsável por proteger alguma das artes ou das ciências, de modo que servem de inspiração para a raça humana produzir suas artes.

Objetos artísticos

Aqui, observa-se que esses objetos artísticos sempre estiveram intrinsecamente ligados à memória, tendo em vista que a fonte de inspiração delas nasce a partir da deusa da memória, que gera as musas encarregadas por atribuir a capacidade e a inspiração para que seja possível desenvolver a criação artística e científica.

Essa teoria, confirma a frase de Rubem Alves em seu livro Ostra feliz não faz pérola: “A arte não suporta o efêmero. Ela é uma luta contra a morte. O encantamento não está no que se vê. Está no que se imagina”.

Desse modo, observa-se que no texto de Freud, quando ele nos apresenta um poeta que não consegue se vislumbrar com a beleza do corriqueiro, ele simultaneamente cria dois paradoxos: no primeiro, a ironia de um poeta não conseguir contemplar a beleza que lhe rodeia; no segundo, o poeta, que tem em si, o poder de evocar a memória através de sua arte, estar totalmente alheio a isso e focado somente em pensar na transitoriedade da vida.

A transitoriedade e a limitação

Freud, ainda menciona no seu texto o valor da transitoriedade: “Não deixei, porém, de discutir o ponto de vista pessimista do poeta de que a transitoriedade do que é belo implica uma perda de seu valor. Pelo contrário, implica um aumento!

O valor da transitoriedade é o valor da escassez no tempo. A limitação da possibilidade de uma fruição eleva o valor dessa fruição”. A partir desse fragmento observa-se que Freud tem em vista evidenciar que justamente o que podemos julgar como ruim, neste caso, a efemeridade, é a causa principal do valor presente na beleza.

A beleza está em observar uma árvore e saber que ela nunca mais será daquela maneira, pois assim como o filósofo nos atenta às nossas transformações e às transformações dos rios que nos circundam, tudo que está ao nosso redor também está sendo modificado por diversos fatores, e nada do que olhamos voltará a ter a beleza que outrora teve, e é justamente nessas modificações que a beleza reside, bem como na possibilidade de que aquilo pode acabar em breve, restando apenas memórias.

Conclusão

Afinal, o fato de algo deixar de ser bonito como antes, não significa que não pode ser bonito de uma forma totalmente nova e desconhecida.

Artigo escrito por Vitória Costa. Graduada em Letras Português/Inglês pela UEMA, estudante de psicanálise pela Psicanálise Clínica. Tem como focos de estudo: Literatura, arte e psicanálise. E-mail para contato: [email protected]

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