Entenderemos sobre se Vale a pena viver. Hoje falaremos de uma viagem à África Oriental em busca do sentido da existência e que pode ser epigrafada na frase em língua Swahili, Hakuna Matata. Faremos uma viagem em busca do sentido da existência, para tentar responder: vale a pena viver?
É uma história de amor, dor e sentido que perpassa o mito de Sísifo e que põe o homem diante do maior desafio da vida. Eis a questão, desde o mito de Sísifo, o homem está frente a frente a uma grande escolha: viver apesar dos terríveis castigos da vida ou morrer para suprimir os absurdos da existência?
Vale a pena viver?
Em este artigo o Dr. Bonatti, Psicanalista Clínico pelo IBPC, deixa o conforto do seu consultório, tira o jaleco de doutor para vestir um casaco surrado de longas viagens ao redor do Mundo e encontrar vidas anônimas que trazem uma resposta para esta pergunta: qual o sentido da existência? Viver é viajar e viajar é viver. É aprender que o destino do homem é uma viagem no tempo, nunca é um lugar.
Viajar é vestir um par de olhos, é escolher um par de sapatos, encontrar uma maneira diferente de caminhar, de cheirar e ouvir, de degustar, tatear e saborear a vida, de pisar trilhas, de cair e levantar, de abraçar rostos e almas, de enxergar o presente, desprender-se do passado e vislumbrar o futuro. A vida ensina que a regra de ouro de todo conhecimento é ensinar o que se sabe e praticar o que se ensinou.
Assim, se você ficou interessado e sobrou dez minutos do seu precioso tempo, tome assento, vou lhe contar o que aprendi na segunda viagem à África, entre Moçambique e Tanzânia, quando fui buscar a essência do homem e o sentido da existência humana. Toda história verdadeira é uma viagem de descoberta que engrandece a alma do mundo e precisa ser contada e repassada pela frente.
Vale a pena viver: os caçadores de pedras
Esta história se passa em Nampula, uma cidade no norte de Moçambique próximo da fronteira com a Tanzânia. Cheguei em Nampula após uma interminável viagem de ônibus, aqui chamado de machimbombo, que durou 3 dias, 1700 km de Maputo atravessando as províncias de Inhambane, Inhassoro e Zambézia.
Ao chegar na pousada para backpackers Ruby, na Rua Daniel Napatima, a uma quadra de uma branca Catedral neoclássica contornada por mulheres negras vestidas a festa e verdes palmeiras de coco, a anfitriona da casa, a graciosa Cinderela, me informou que no pé das montanhas de Namúli tinha um interessante projeto de economia sustentável coadjuvado por um argentino. Era evidente que o argentino conhecia muito bem aquele ditado africano que diz: “lamber pão pintado na parede, não sacia a fome de ninguém”.
Me aproximei a Namuli com passo tímido atraído por um som vindo de longe, parecia uma batucada africana, com aquelas mulheres negras falando Swahili vestidas a festa no tradicional sari coloridos rindo e dançando com toda a carne, varrendo o terreno com os longos braços como a tromba dos elefantes na savana de Tarangire. De longe a paisagem parecia uma aquarela saída de um quadro de Van Gogh, uma aldeia pintada com um maestoso baobá no meio e as palmeiras esculpidas ao som dos tambores de São Luís; de perto parecia um garimpo africano a céu aberto com centenas de trabalhadores quebrando as pedras da montanha cor prata, redonda como a barriga de uma mulher bantu.
Vale a pena viver o acaso
Sempre pensei que as melhores coisas nascem do acaso e a luz acha-se nos momentos mais obscuros da vida. Alguém um dia disse que a vida é tudo aquilo que acontece fora do planejado. E assim aconteceu que ao errar completamente o caminho, ao perder a direção do projeto do argentino, encontrei os caçadores de pedras de Nampula. Era uma sinfonia intermitente de martelos quebrando pedras no sol a pino do meio dia com a montanha pelada como o pão de açúcar, transformada em forno humano. Homens formigas colocando fogo na lenha empilhada como num enterro hindu do Ganges em Benarés no estado de Uttar Pradesh, na Índia, para esquentar a laje e amolecer a alma da rocha.
As pessoas não buscavam ouro como no garimpo de Serra Pelada, apenas pedras para sobrevivência. Aqueles pequenos arquimedes enfiam uma alavanca de metal na fenda da rocha e batiam com um martelo rude e grosso destacando blocos de pedra maciça que era usada para construção e para o alicerce da Casa Grande. Porém a senzala africana não precisava de pedra, era uma casa circular, feita de taipa e barro com o teto coberto de palha fina.
As mulheres sentavam descalças segurando um pequeno martelo entre as pernas robustas como ébano, esculpindo mosaicos de pedras ornamentais, perfeitamente desenhadas e peneirando em seguida a pedra fofinha para obter uma areia branca fina como farinha após o pilão. Para todos os lados havia cúmulos de materiais empilhados em forma de pirâmide a moda egípcia, prontos para entrega para o caminhão.
Sobre viver
– Comer é um trabalho “difícil” – exclamou alguém com o vulto coberto, só os olhos de fora como um bandido, para ver sem ser visto.
– Difícil! Repetiu o eco de outra voz vindo de longe, reforçando a ideia que comer fosse a coisa mais complexa do mundo.
– Oxe, quem não “trabalhar”, não come – especificou alguém indignado, mastigando amargo as próprias palavras.
– Tudo bem lá em casa? – retrucou um negro pele e ossos – dizendo que nenhum Muzungu, homem branco como é chamado aqui, tinha andado neste porão da humanidade onde o sol golpeia todo mundo por igual, sem paz e misericórdia.
São as 14hs. Toca o minarete de uma mesquita muçulmana. Presto atenção para ver quem se ajoelha em direção a Meca. Ninguém levanta os olhos, todos ficam sentados ou em pé. A maioria são muçulmanos, mas ninguém atreve-se a interromper o serviço. Neste fim de mundo o trabalho tem prioridades sobre Allah, penso.
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Uma precisão balística
As mulheres são incansáveis, não param, batem com força e precisão balística o martelo sobre as pedras, como querendo silenciar o som do minarete e a obrigação de cada muçulmano de orar cinco vezes por dia o Corão. Talvez, acreditem que ninguém, nem o próprio Allah possa salvá-los do seu destino. O som agudo do minarete não deixa espaço para reflexão, avisa a todos que não tem tempo para perder. O pôr do sol incendeia os peões de volta ao trabalho.
Volta aquela batucada intermitente dos martelos sobre as pedras como fosse a última festa antes da morte. A morte que liberta a alma das penas do corpo, penso. Golpes atrás golpes como balas de uma arma de fogo. Os golpes não param, vem de todos os lados como durante um assalto, queria que alguém disparasse o golpe mortal, que matasse quem inventou tudo isso, que destrói a natureza e aliena o homem. Alguém deve ter pensado em fugir ao próprio destino, mas ninguém sabia para onde ir. Então melhor ficar, plantar as raízes nesta montanha para não ser arrancado como uma folha ao vento.
Os peões precisam completar a última carrada do dia, levar e vender o material para o comércio e ter o dinheiro para comprar comida.
– Ninguém aguenta sem comer, diz um negro magro com os ossos esculpindo as carnes secas, como morto ressuscitado da cova.
Aqui, vida e morte, faz parte do mesmo tudo. E todos no fundo esperam numa reincarnação melhor.
Um menino com os olhos encavados e amarelos como a malária diz que por causa do sol e da tintura, durante a noite o corpo arde como sardinha frita no azeite.
– Somos sardinhas fritas ao sol diz o colega dele rindo áspero a moda africana, arrastando o som do fígado.
Vale a pena viver: destino da modernidade
Para as sardinhas de Nampula não tem nenhuma pomada para aliviar as queimaduras. A água é pouca, o carro pipa só chega na época da política e não é suficiente para o alívio da maioria. Uma voz sem nome, diz que comprou seu direito de trabalhar de um coronel da montanha. A montanha foi ocupada e loteada abusivamente e ele teve que pagar por um lote de poucas dezenas de mq 10.000 meticais. Agora tem que trabalhar como escravo, como dizem aqui, antes que o governo despeje os trabalhadores e o prejuízo fique maior.
Quem ganhou sua alforja, vendendo a alma ao diabo, perdeu sua liberdade espiritual. Todos são escravos do progresso, presos ao mesmo destino da modernidade. Nenhum dos caçadores de pedras chega ao salário mínimo de 5.000 meticais (80$), aqui chamado salário de suficiência. Suficiente para aguentar um dia a mais de sofrimento, para erguer a cabeça com a luz do dia e a noite voltar a arder como sardinha frita no azeite.
Uma mulher sem idade está varrendo o chão com a elasticidade de um atleta olímpico, dobrando o corpo, como se não tivessem a coluna. A natureza deve ter mudado a genética das pessoas, penso. De longe, duas mulheres negras batem o “maís” num enorme pilão de madeira com os paus compridos de ébano, em uma alternância e sincronismo digna do pêndulo de Foucault. Após aquela batucada no pilão a farinha é usada para fazer cima, uma polenta amarela como a malária, que em todas as épocas de carestia alivia a fome do povo, mas não salva ninguém da pelagra, uma doença que causa dermatite, demência e diarréia.
Os trabalhadores hipnotizados
Chega Mussa, que em Swahili significa Moisés, tem 20 anos, trabalha há 5 anos nesta quebradeira e espera voltar a estudar um dia. Na África estudar é um privilégio de poucos, enquanto em outras partes do Mundo, até as pedras têm esse luxo, mas a maioria não dá valor. Em Nampula não tem futuro e a qualidade de vida é pior que a de um trabalhador escravo de Quelimane, disse alguém com a indignação morta no canto da boca.
O tempo passa e os negros passaram de arar a terra a arar uma montanha. Nesta terra não brota flor, mas pedras para edificar e asfaltar o mundo. Apita um grande caminhão subindo a montanha, arranca com as marchas como se estivesse zoando e gozando. Começa aquela gritaria e os assobios dos peões rasgam o silêncio do fim do dia. Os trabalhadores acordam hipnotizados do sol com as múmias saindo das covas. A correria é grande, todos querendo puxar a carreta para a própria pirâmide de rochas.
– Aqui transporte é tudo, diz uma voz sem nome saindo de uma massa sem vulto de peões com a cabeça coberta por um Mocumi, um turbante colorido, sinal da presença árabe na região. Cada cor do turbante mostra uma precisa identidade e pertinência a uma tribo. O transporte do patrão garante a sobrevivência e a exploração, penso. O mundo africano virou uma sociedade de castas fundada no dinheiro e no poder. Muitas pessoas têm consciência, mas não têm autonomia e liberdade, penso.
O som oco da montanha
– Aqui patrão – grita alguém para o motorista do caminhão, no seu português tronco, tronco como sua vida.
Volta aquela batucada com o som oco da montanha amolecida do sol e das queimadas das toras, que incendeiam a noite de Nampula como uma cidade durante o dia. Alguém come papinha, um mata bicho como é chamado aqui, um mingau de arroz pilado no leite de coco e açúcar. Ajuda a aguentar o tranco do dia e a levantar a marreta de 10 kg de aço para bater na alavanca. Um dia Arquimedes com uma alavanca ergueu o mundo, hoje a alavanca é utilizada para quebrar e asfaltar o Mundo, penso.
Uma marreta enorme é levantada com os dois braços juntos, o aço quebra as rochas e o fogo amolece a pedra. Nada se cria e tudo se transforma, diria Heraclito de Éfeso, o grande filosofo da antiguidade. – Não temos luvas, não temos botas, não temos sombrinhas, não temos serra elétrica – precisamos de ajuda, diz Rogério rindo áspero com todas as carnes escondendo o rosto num chapéu amarelo de mineiro para se proteger do sol. Um luxo, com certeza.
Vale a pena viver: mal-aventurado
De longe, um urubu corta o sol com suas longas asas e a sombra da morte imprime-se na pedra. Espera pacientes a sua vez, espera que o próximo mal-aventurado não ergue a cabeça e termine seu dia.
Gostamos de você Muzungu, diz um velho nego, sorrindo sem os dentes da frente. Falta de cálcio, falta de proteínas, falta de tudo – penso.
– Muzungu você tem coragem de subir esta montanha – grita ele como querendo me assustar enquanto uma pedra fugiu da lage e atingiu meu braço.
– Mano vem aqui – conversa como a gente – diz alguém.
– Tu és o primeiro Muzungu a subir até este porão – diz outro.
Fico em silêncio. Observo a bela paisagem verde ao redor da montanha.
Distante da montanha
De repente minha atenção foi capturada por uma jovem mulher vestida com um Djubo, um velo colorido carregando um balde de água cristalina na cabeça. Sarah, o nome dela, uma jovem da tribo Masai que tinha emigrado do Norte da Tanzânia, juntos a família em busca de trabalho e fortuna. Vive em uma oca pouco distante da montanha, onde a paisagem colora-se de verde e um enorme Baobá marca a exata conexão entre Deus e a Natureza.
Sarah chegou docemente, como o vento morno do deserto, apoiando o balde de água cristalina na laje. O velo de Sarah dançava ao vento de poente que transportava seu cheiro, descobrindo um tornozelo elegante enfeitado por pequenas pérolas do mar. As pérolas são feridas curadas, penso com a palavra seca na garganta. Antigamente as pérolas, conhecidas como miçangas, eram usadas em lugar da moeda. Com um fio de miçangas comprava-se um escravo.
Hoje estas pérolas preciosas não têm o menor valor comercial e enfeitam as feiras de qualquer anônimo camelô, penso.
O sofrimento
– Água? – perguntou Sarah estendendo a mão na minha direção e sorrindo com o branco dos olhos.
– Sim – respondi cruzando os olhos e tentando entender o significado daquele encontro no meio do nada, onde até as pedras pediam misericórdia a Deus.
Durante minutos intermináveis como horas, pensei como poderia existir uma pessoa tão frágil em um meio tão hostil. Era uma rosa no espinheiro, conservando sua beleza e pureza. Era como se todo aquele sofrimento e aspereza de vida em vez de derrubá-la aumentasse o tamanho da sua alma. Sarah tinha a leveza de uma mulher do deserto, onde o destino coincide com a vida e as decisões das pessoas são varridas como poeira no chão. Sarah tinha raízes no vento, que mudava a direção das dunas e derramava o cheiro de histórias de luta e amor vindas de longe.
– Babá, aqui. Babá. Eih babá – gritou Lázaro para o motorista do caminhão com os olhos azuis escondidos atrás do espelho dos óculos.
O desprezo da ética
É o babá daqui que menospreza o trabalho e corrompe a ética coletiva. Cada qual trabalha por si próprio. Todos contra todos. É a lei do mercado que violenta a antiga lei tribal. Aqui não tem cooperativa, somente muita competição para quem vende mais barato. Nem tem água para todos beber.
Na montanha de Nampula, não tem nada, mas todos pareciam ter consciência da própria existência. Talvez, acreditem que a existência tem o sabor da felicidade. Sol e fogo entram para todos os lados, como a chuva, não tem reparo. Ninguém foge. As fogueiras incendeiam a noite, como uma funerária na cremação dos mortos.
Os caçadores de pedras lutam pela existência, não pela sobrevivência, penso.
O mito do Sísifo Feliz
Penso no Mito de Sísifo feliz de Albert Camus, um homem que desafiou o destino dos Deuses e que Zeus condenou a subir uma montanha empurrando uma enorme pedra redonda como o Mundo.
Quando Sísifo chegava no topo da montanha, após uma incansável subida e um efêmero sucesso, a pedra voltava a rolar montanha abaixo. Era condenado ao fracasso e a insensatez da sua vida. Tudo isso se repetia, dia após dia, pela eternidade.
Sísifo é um homem condenado a este terrível castigo porque desafiou, através do livre arbítrio, o destino escolhido pelos Deuses.
Qual o sentido da vida diante do absurdo do viver?
Segundo Camus a resposta está na aceitação do absurdo da vida. É dizer, o sentido para Camus estaria na aceitação do não sentido da vida, na negação do destino e na negação de uma lei moral superior que condena o homem ao próprio destino escolhido por Deus. Neste porão parece não ter passado Deus, falta ar, falta refrigério e falta descanso.
No inferno de Namúli há um mar de sofrimento, falta tudo, menos a esperança e a felicidade de existir. Talvez, isto é o verdadeiro sentido da vida! Penso. Porque diante do absurdo de viver as pessoas não esperam nada do destino, mas conscientes dos limites da vida e da certeza da morte, assumem a própria verdade, lutando com angústia, mas sem desespero.
É a revolta da liberdade contra o determinismo dos Deuses que impõem ao homem um destino diferente daquilo escolhido, penso. Os Sísifos de Nampula não caem no desespero porque sabem que conseguir subir no topo da montanha já é um sucesso, viver intensamente a cada dia é um sucesso e que apesar de qualquer fracasso, não esperam o socorro dos Deuses ou de um mundo melhor que a por vir. Porque a existência é aqui e agora. Não alí e nem depois.
Os caçadores
Os caçadores de pedras de Nampula, animistas, agnósticos, cristianos e muçulmanos, me ensinaram que apesar de qualquer fracasso, a vida em si já tem sentido que torna feliz qualquer existência, qualquer luta ou resistência. Penso que o amor pela vida e a liberdade de eleger quem somos são as verdadeiras riquezas, que todos podem dar e receber amor de forma gratuita e os problemas são oportunidades de mudança e de busca de sentido. Penso que o sofrimento não é uma doença para curar com remédios, mas a possibilidade de aumentar a própria experiência de vida.
Alguém um dia disse que quem sofre ama e não deixa de amar apesar da dor, assim como não deixa de viver por causa da morte ou de ser feliz por aquilo que não tem. Estava feliz por ter encontrado Sarah e no dia seguinte voltei à montanha em busca dela. Queria entender aquele sinal vindo do deserto. Mas estava com fome e não conseguia pensar direito. Me capturou um cheiro de comida e meu estômago começou a gritar como o ronco da pororoca.
Guiado pelo cheiro cheguei em uma casa de taipa onde uma mulher estava preparando “cassava”, uma mandioca frita em uma grande panela preta com as chamas do fogo que desenhavam sua silhueta na terra e massageavam seu rosto. A mulher partiu a mandioca frita como sanduíches e colocou repolho fresco no meio como se fosse parmesão, adicionou uma cobertura de salsa de tomate e de piri piri, uma pimenta local. Para beber, serviu um shuger ken juice, um suco de cana, com gengibre e limão.
Vale a pena viver: o equilíbrio
Um equilíbrio perfeito de sabor doce e áspero como a vida, penso. Naquele dia madruguei ao som agudo de um galo, quando ainda a noite alisava as primeiras luzes do dia. Uma velha negra, com o rosto pintado de branco e o cabelo preso num turbante com decorações de ouro como uma cigana sentava na laje, no mesmo lugar onde no dia anterior tinha encontrado Sarah.
Lembrei que na ilha de Ibo as mulheres costumavam pintar o rosto com o tradicional musiro, um creme natural branco obtido de uma planta esfregada na rocha e misturada com água. Um facemask moderno com raízes no passado, penso. Em Ibo não havia correria, tudo transcorria lentamente como durante o Q Gong, um antigo ritual da tradição chinesa, ensinava a mover-se lentamente controlando a respiração. Era como parar o tempo, encerrando o infinito em cada instante.
Quando a velha de Ibo me viu, não disse nada, levantou o braço apontando para um lugar verde ao pé da montanha escondido entre altos coqueiros. No meio de um campo de milho amarelo escondia-se uma pequena oásis com um poço artesiano no meio, onde Sarah costumava encher as jarras de água para levar para os trabalhadores da montanha.
Sarah estava de pé com os olhos fixos na água, segurando nas mãos um livro de capa dura
– Gosto de romances – disse Sarah. E acrescentou – de romances de amor!
Fiquei em silêncio alguns instantes, lembrando que a palavra Amor em sânscrito é a-mor, aquilo que não morre.
– Que é eterno – exclamou Sarah, lendo no meu pensamento.
Sim, o amor é um remédio natural na África. É a medicina que pode curar qualquer doença ou tristeza e embelezar o mundo.
Eu nunca tinha escrito um romance de amor, pensei.
Demorei alguns instantes antes de falar. Olhei para o fundo dos olhos de Sarah que pareciam suplicar algo.
– Gosto do mar – disse após um longo silêncio. O mar está dentro da palavra Amar. Tudo é uma coisa só.
O amor do livro
Aqui também há milhões de anos, no lugar da montanha de Namuli, tinha existido o mar. Sarah sabia bem disso, recolheu uma concha na areia e começou a escutar o som do mar que vinha de longe e que dizia que um dia naquela areia as águas do mar haviam-se deitado.
– Qual é a história de amor do livro?- perguntei para Sarah que escondeu os olhos no livro.
Também ela estava em busca de um grande amor, mas sabia que o amor verdadeiro é aquele que uma pessoa carrega no peito. Se uma pessoa não carrega amor dentro de si, não pode encontrá-lo mundo afora. O amor talvez seja a maior expressão da liberdade, pensei. É como um fio de seda que amarra um elefante a um destino, um laço forte e frágil, ao mesmo tempo. O amor é forte quando o elefante aceita livremente de ficar amarrado, sem quebrar aquele laço sutil.
Mas o amor precisa de silêncio. Vale a pena viver! Silêncio para refletir. Silêncio para amar. Sem o silêncio não existiria a palavra. Não existiria a música. E não poderia se restabelecer o antigo laço de seda da harmonia com o universo. Mar e amar são parte do mesmo universo. O mar carrega a esperança de todos os namorados, pensei. Sarah sorriu, guardou seu livro e, com os baldes cheios de água cristalina, voltou a subir aquela montanha de pedras junto ao sopro do vento que carrega a esperança do mundo.
As minhas raízes estão no vento
Durante minha vida, ao cruzar dois caminhos, um que sobe uma montanha, outro que desce, aprendi a escolher o caminho mais difícil. O caminho que desce é fácil, mas pode levar numa cova. Enquanto o caminho que sobe é difícil, mas sempre leva a uma montanha, onde é possível escutar o silêncio e reencontrar no vento o sopro e o beijo de Deus. Sarah sabia disso. Talvez porque todas as mulheres do deserto prestavam atenção aos sinais.
– HAKUNA MATATA – suspirou Sarah. Não se preocupe, não há problema. Tudo é uma coisa só quando se ama. O amor vence a morte porque é eterno, disse ela.
Bem ao lado do poço havia uma curandeira com um pilão entre as pernas, batucando folhas de Moringa, o elixir de longa vida. Fiquei curioso porque sabia o enorme poder das plantas. – Você precisa usar esta poção mágica africana – disse a curandeira. E a partir disso, deixei-me inebriar por uma insaciável vontade de amor pela vida que todo viajante carrega.
Vale a pena viver: a feiticeira
Toda curandeira é feiticeira, mas nem toda feiticeira é curandeira. A maior cura do mundo é o amor e a esperança, disse ela. Todos eles conheciam a lei e o poder do Amor.
– Muzungu – disse Lázaro com as palavras mortas no canto da boca, escreva a nossa história, aquela dos caçadores de pedras e de romances de Nampula acreditando que as palavras escritas e contadas tem o poder de salvar as almas e de resgatar esta passagem do homem no porão da humanidade.
Conclusão sobre vale a pena viver
Uma lenda conta que Diógenes de Sínope, um velho filósofo grego, caminhava pelas estradas de Atenas, em pleno dia, com uma lâmpada acesa à procura de um Homem.
– Não existe um homem aqui! – gritava Diógenes enquanto a maioria olhava-o com desdém, pensando que fosse louco.
Talvez ele não buscasse apenas um homem em carne e osso, mas um Homem com espírito e alma. Ele buscava a sua essência. Aquilo que vai além da aparência e da Máscara. Aquilo que está escondido bem lá no fundo, na própria Sombra. Não sei se Diogenes conseguiu achar aquele Homem, mas ele sabia que toda busca é um processo, que não há fim sem início, assim como não há início sem fim. Pois, qualquer vida termina com a morte. E reinicia com uma nova vida e esperança.
Um universo de absurdos
A resposta que vêm da África é aceitar a vida mesmo em um universo cheio de absurdos e tirar sua força dele. Porque matar-se é confessar que a vida não vale a pena, é reconhecer a futilidade da existência, ao tempo que viver é aceitar a tragicidade da vida, a insensatez da agitação cotidiana e as razões do sofrimento que dão sentido à vida. Porque quem sofre ama. E o amor afasta o espectro da morte…
Nesta viagem para África aprendi que não há um caminho certo ou errado. Apenas existe um caminho que chamamos de Vida que não tem certezas, mas que tem muitos absurdos que tornam a vida uma experiência única e irrepetível. Um caminho que não foi planejado por outros, que é inventado cada vez que você está buscando algo novo. Algo desconhecido.
Porque se você fica naquilo conhecido, se você fica no lugar de conforto, não vai descobrir nada novo, mas se você busca algo diferente, pode encontrar coisas extraordinárias. Pode viajar, viver, inventar e observar a cada dia o milagre da existência. Talvez o segredo da vida é não saber exatamente o que estamos buscando, sair do óbvio e do leviano, abrir-se ao inesperado, com a possibilidade de reencontrar-se consigo mesmo, com a própria sombra e essência.
Então vale a pena viver
Agora preciso ir, tenho uma longa viagem pela frente, cheia de incógnitas e descobertas. Espero que seja uma viagem com sabor da eternidade. Eterna não porque o tempo pode existir sem o homem, mas porque apenas o homem pode existir sem a angústia do tempo.
Por isso, não existe problema que não possa ser resolvido e história que não mereça ser vivida e contada. A vida é uma viagem, que precisa ser encarada com a testa erguida e Amor como fazem os caçadores de pedras e de romance de Nampula, sem medo de viver ou de morrer.
Porque o que importa é afirmar e valorar a existência. Portanto cuide bem da Vida e na sua Viagem carregue apenas duas palavras: HAKUNA MATATA!
Este artigo sobre “vale a pena viver?” e hakuna matata foi escrito por Marco Bonatti ([email protected]). Sou Doutor PhD em Psicologia Social na UK na Argentina; Analista Reichiano do Corpo e do Caráter; Psicanalista Clínico e colunista no IBPC. Ajudo você a superar todos os conflitos psíquicos e desafios da vida. Faça análise e terapia diretamente on-line, no conforto da sua casa. Preços acessíveis a todos! WhatsApp (Brasil): +55 (85) 994263190.
1 thoughts on “Vale a pena viver? Reflexões sobre Hakuna Matata.”
Com certeza vale a pena viver!” VIVAMOS INTENSAMENTE A VIDA! Parabéns pelo artigo!