Hoje falaremos sobre quem vive dando desculpas. O significado de vítima no senso comum corresponde à pessoa que sofreu algum tipo de violência ou exploração, seja ela verbal, física, financeira ou psicológica. Numa relação de causa e efeito, a vítima é aquela que é afetada e violada por alguém ou algo que a causou algum tipo de dano.
Entendendo quem vive dando desculpas
Ao longo da história da humanidade, leis foram criadas para proteger as vítimas, para fazer valer a justiça de forma prática e para punir os transgressores. A civilização humana como um todo percebeu a necessidade de haver um tribunal, onde pessoas seriam julgadas por juízes que as declarariam inocentes ou culpadas.
Todas as sociedades são unânimes na constatação de que é necessário um sistema de leis e punições, mas embora ele seja valorizado, nem sempre é eficaz. Em alguns casos, quando a justiça não é feita, a vítima se sente desamparada e envolta por sentimentos de vingança, e é nesse instante que a vítima pode se tornar algoz.
Atualmente muito tem se falado sobre um fenômeno chamado vitimismo. Esse termo vem sendo utilizado recentemente para definir o comportamento de pessoas que por alguma razão sentem algum tipo de prazer ou necessidade de ocupar o lugar de vítima. Já que no lugar de vítima há exploração, dor e sofrimento, não há uma explicação lógica no senso comum do porque algumas pessoas optam voluntariamente por ocupar esse lugar. A grande questão é que quem é adepto ao vitimismo, não percebe que é.
Perfil de quem vive dando desculpas
Na realidade, a pessoa realmente se sente vítima, porque esse processo, na maioria das vezes se dá de forma inconsciente e acaba por aprisionar os indivíduos neste papel, sem que eles estejam conscientes disso. A pessoa que opta inconscientemente ou não por ocupar o lugar de vítima, não somente tem prejuízos como se possa imaginar numa reflexão primária, mas também possui alguns ganhos. Um desses ganhos é a atenção.
A vítima da história sempre recebe atenção, apoio, aconchego e acolhimento, todos se revoltam com o agressor e se movem de compaixão com quem foi agredido. A dor do outro muitas vezes desperta nos indivíduos em geral um sentimento de empatia e identificação, a vítima sempre atrai olhares repletos de cuidado e amor.
A vítima é sempre a parte mais frágil, é a parte que necessita de amparo. Ou seja, estar no lugar de vítima fornece benefícios e confortos também. Enquanto outras pessoas cuidam da vítima, não há necessidade de que a mesma se responsabilize pelas suas ações.
A zona de conforto
Permanecer no lugar de vítima é sempre encontrar culpados para sua situação de vida atual, é ficar preso ao passado, é usar desculpas para não sair da zona de conforto, é se esconder num lugar supostamente seguro que aparenta entregar algum tipo de proteção contra as exigências do mundo.
A psicanálise explica como isso funciona através dos mecanismos de defesa do ego. Um deles é a racionalização, que é utilizada quando o sujeito usa de argumentos lógicos para explicar suas decisões e atitudes. Logo, nesse mecanismo de defesa, o ego se reconforta ao racionalizar. O grande problema dele é porque o mesmo sempre atribui a responsabilidade por tudo aos outros e a fatores exteriores, sendo assim, a auto responsabilidade é anulada.
Um exemplo claro disso são aquelas pessoas que passam a vida inteira dizendo que não conseguiram alcançar o sucesso ou a felicidade, porque seus pais eram ruins e os prejudicaram no passado.
Vítimas de eventos traumáticos
Muitas pessoas realmente foram vítimas de eventos traumáticos e dolorosos em suas vidas, foram afetadas por pessoas, foram torturadas, violadas, e esses fatos são marcantes e influenciam o modo de vida após os acontecimentos. Mas a grande questão não é o fato de ter sido vítima, mas o fato de permanecer ocupando este lugar mesmo após a resolução dos eventos. Isso é extremamente prejudicial, e está na lista de causas da distimia (depressão de menor severidade).
Decidir permanecer sendo vista como vítima, é optar por paralisar a vida no momento traumático e não desenvolver potencialidades, habilidades, e consequentemente não alcançar o sucesso.
Outra situação que pode surgir a partir disso é a revolta da vítima que por muitos anos se manteve remoendo os acontecimentos do trauma, e nutriu um sentimento de injustiça tão forte que chegou à conclusão de que deveria vingar-se de alguma forma de quem a prejudicou.
A infância de quem vive dando desculpas
É nesse caso que a vítima se torna algoz. Ela é tomada por sentimento de ódio e intolerância, e procura fazer justiça ou consertar os fatos do passado de modo próprio e calculado. Porém, mesmo que não seja possível vingar-se de quem causou o dano, o desejo por vingança procura por outros meios de se concretizar.
Exemplos disso são os estupradores que foram estuprados, os filhos que presenciaram violência doméstica e quando se tornam adultos praticam agressões iguais ou piores às que vivenciaram na infância:
- crianças que foram violentadas e se tornam abusadores na vida adulta,
- pessoas que viveram um relacionamento tóxico com seus pais na infância e se tornaram tóxicos quando adultos,
- os escravos que quando foram libertos passaram a escravizar, e a lista segue de forma indefinida.
A propagação de dor
As vítimas algozes são aquelas que se utilizam de suas vivências passadas para justificar suas atitudes no presente. Elas dizem: “Você não sabe o que eu passei, eu sou assim porque fizeram uma injustiça comigo”.
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Esses indivíduos não conseguem perceber que estão perpetuando um padrão terrível, e que estão sendo tão terríveis quanto as pessoas que lhes causaram danos. As vítimas algozes fazem parte do ciclo da propagação da dor e da violência, da retribuição do mal com mal, e da perpetuação do sofrimento.
Esse ciclo inicia com o ressentimento, que evolui para rancor, que cria raízes e promove a instalação do ódio, que impele o indivíduo a querer descarregar esse sentimento de alguma forma, já que é um sentimento altamente prejudicial. Porém a forma que eles encontram para descarregar essa energia é através da vingança, e quando essa opção é escolhida, o sofrimento não cessa, ele apenas é compartilhado.
O trauma
O processo de ressignificação de um trauma não é fácil, por isso a vítima muitas vezes opta pelo caminho aparentemente menos árduo, que é o de permanecer como vítima, ou de partir para a revolta. Mas a melhor decisão a se tomar é decidir trabalhar as dores, as perdas, os danos causados de maneira a compreendê-los e sublimá-los, fazendo com que eles cooperem para um amadurecimento e fortalecimento pessoal (Nesse processo é importante buscar ajuda de profissionais qualificados que estejam aptos para tratar essas questões).
É usar a dor para curar, não para produzir mais dores. A vítima precisa chegar à compreensão de que: “O que fizeram comigo é tão ruim, tão pernicioso, que não desejo a mais ninguém, e não farei isso com nenhum outro ser humano”. Outro caminho possível é buscar ajudar pessoas que passaram por dores semelhantes através do acolhimento.
Organizações voluntárias de ajuda comunitária são normalmente criadas por pessoas que foram vítimas de algum tipo de injustiça, e lutam de forma incisiva para que essas injustiças não mais ocorram. Chega-se à conclusão de que quando a vítima resolve retribuir o mal com o mal, só está perpetuando um ciclo de maldades.
Conclusão sobre quem vive dando desculpas
É fato que a justiça deveria ser feita, e que todos deveriam pagar pelas suas ações transgressoras, mas embora a justiça falhe muitas vezes na execução do seu papel, é sempre bom recordar que a pessoa que cometeu algum crime, que praticou maldades, é uma pessoa que já não é feliz e provavelmente tem uma série de transtornos psicológicos que as mantém numa vida medíocre e sem significados, ela já está condenada antes mesmo do juiz bater o martelo.
É necessário não se embaraçar no destino de infelicidade dessas pessoas, e seguir a vida buscando a paz interior. A vingança não produz justiça, pode-se compreender isso através de uma metáfora que promove uma reflexão profunda:
“Se o meu inimigo estivesse numa cela trancado comigo, e eu tivesse uma bomba escondida e pronta a explodir, e acionasse essa bomba na cela, eu o destruiria, no entanto, eu também seria destruído.”
Este artigo sobre gente que vive dando desculpas foi escrito pela psicanalista Ivana Oliveira. Quem quiser entrar em contato, só enviar um email para: [email protected].