Explore o amor idealizado nas tragédias de Shakespeare e os efeitos psíquicos da paixão violenta e da dependência emocional.

Amor Idealizado em Shakespeare: entre a Paixão Violenta e a Morte

Publicado em Publicado em Literatura e Psicanálise

Este artigo propõe uma análise das relações amorosas dos personagens dos livros de William Shakespeare, explorando como o amor idealizado, paixões violentas, amores impossíveis, dor emocional e dependência emocional se manifestam nos comportamentos e relacionamentos de Otelo, Romeu, Julieta, Hamlet e Ofélia.

Utilizando citações diretas das peças e interpretações analíticas, buscando compreender as dinâmicas emocionais e psicológicas que permeiam essas tramas, oferecendo uma reflexão analítica sobre a natureza do desejo, do amor e do sofrimento humano.

Tragédias e o desejo humano

A obra de William Shakespeare oferece um vasto campo para a análise das complexas emoções humanas. Trágicas como Otelo, Romeu e Julieta, Hamlet e Macbeth apresentam personagens imersos em paixões intensas que os conduzem ao sofrimento e à destruição.

Essas obras servem como espelhos das profundezas da psique humana, onde a Psicanálise pode lançar luz sobre os mecanismos inconscientes que governam o comportamento.

A paixão, na tradição Psicanalítica, é vista como uma força que pode dominar o sujeito, levando-o a ações impulsivas e irracionais. Sigmund Freud, em seus estudos sobre a libido e o inconsciente, descreveu como desejos reprimidos podem emergir de forma destrutiva.

Em Otelo, por exemplo, o ciúme patológico do protagonista, alimentado por Iago, conduz a uma espiral de violência e tragédia.

Paixão violenta e destruição psíquica

Otelo é consumido pelo ciúme, o afeto mais mortífero segundo Freud, pois está profundamente enraizado no narcisismo ferido.

A frase “Cuidado, meu senhor, com o ciúme! É um monstro de olhos verdes que zomba da carne de que se alimenta” (Iago, Otelo, Ato 3, Cena 3), denuncia não apenas a manipulação externa, mas a combustão interna.

Lacan explica que “o desejo do homem é o desejo do Outro”. Em Otelo vemos isso escancarado: o General não ama Desdêmona enquanto outro radical, mas como espelho de sua honra. Quando essa imagem é corrompida por Iago, Otelo desmorona.

Ele diz: “Então adeus! Tranqüilo espírito; adeus! Contentamento da mente pura; adeus! Canções suaves; adeus! Glória! Adeus!” (Otelo, Ato 3, Cena 3). Otelo não perde Desdêmona — perde a si mesmo, sua imagem ideal.

Aqui, a paixão violenta é pulsional: Freud diria que a pulsão de morte é ativada quando o eu não sustenta mais o conflito interno.

Amor idealizado e fantasia da completude

Romeu e Julieta representam o amor idealizado e impossível, onde o desejo de união é constantemente frustrado pelas circunstâncias externas. Essa idealização pode ser interpretada como uma defesa psíquica contra a dor da separação e da perda.

A relação entre os jovens amantes reflete como o amor pode se tornar uma fantasia, afastando-se da realidade e levando a um sofrimento inevitável.

Romeu e Julieta amam o que é proibido. Não se trata apenas de amor romântico, mas da compulsão de repetir a transgressão.

Freud fala do “retorno do recalcado”: o desejo que foi interditado retorna com força maior. Romeu diz: “Com um beijo, eu morro.” (Romeu e Julieta, Ato 5, Cena 3).

A morte aqui não é apenas literal. É a única maneira de eternizar o amor sem que ele se deforme no mundo real. Julieta ecoa: “Meu único amor nascido do meu único ódio!” (Romeu e Julieta, Ato 1, Cena 5).

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Romeu e Julieta se doam ao outro completamente. A morte era inevitável, pois ali encontram a completude que a vida nunca lhes deu.

Submissão afetiva e perda da identidade

Personagens como Ofélia em Hamlet exemplificam a dependência emocional, onde a identidade do indivíduo está completamente ligada ao objeto de amor.

Essa submissão pode ser vista como uma forma de evitar o vazio existencial, mas também resulta em sofrimento e perda de autonomia.

A análise revela como a falta de individuação e a dependência do outro podem levar à destruição do sujeito.

Ofélia, em Hamlet, representa o colapso da identidade feminina diante da submissão ao desejo do outro (o pai, o irmão, o amante).

Freud destaca que o sujeito histérico perde-se no desejo alheio, tornando-se um reflexo. Ofélia vive isso tragicamente: “Senhor, eu não sei o que pensar.” (Hamlet, Ato 1, Cena 3).

Ela literalmente enlouquece após Hamlet rejeitá-la e seu pai morrer. A sua fala final em delírio: “Dá violetas para todos, mas murcharam todas quando meu pai morreu.” (Hamlet, Ato 4, Cena 5).

Essa perda simboliza a impossibilidade de sustentar o Eu. Segundo Lacan, o sujeito está “alienado” quando sua existência é dependente do olhar do outro. Ofélia deixa de existir quando não é mais olhada.

Manipulação emocional e perda da realidade

O termo Gaslighting descreve uma forma de manipulação psicológica onde a vítima é levada a duvidar de sua própria percepção da realidade.

Embora o conceito tenha sido formalizado no século XX, suas manifestações são evidentes nas obras de Shakespeare.

Em Hamlet, por exemplo, o protagonista é constantemente manipulado por seu tio Claudius, que distorce a realidade para manter o poder.

Claudius manipula todos os personagens ao redor de Hamlet, criando uma realidade distorcida. Hamlet, como neurótico obsessivo, busca a verdade em um mundo onde todos mentem.

De acordo com Freud, a dúvida obsessiva é uma tentativa de recuperar o controle perdido. Hamlet questiona: “Ser ou não ser, eis a questão.” (Hamlet, Ato 3, Cena 1).

Mas a questão real é: “Quem sou eu diante do olhar do Outro?” Claudius faz o Gaslighting de forma velada, silenciando sua subjetividade.

O fantasma do pai — a verdade recalcada — retorna para romper a máscara da mentira.

Conclusão: amar é encontrar o limite do eu

O amor, em Shakespeare, é ao mesmo tempo sublime e destrutivo — não porque amar seja errado, mas porque amar é encontrar o limite do eu.

A psicanálise nos mostra que o sujeito ama com sua ferida, seu trauma, seu recalque. E por isso o amor, quando intenso, carrega consigo a sombra da loucura, da morte e da perda.

Shakespeare intuiu isso poeticamente. Seus personagens se lançam no abismo de amar para tentar se encontrar — e quase sempre se perdem.

Karine Pellin é Psicanalista Clínica de orientação Freudiana, também possui formação em Direito e pós-graduação em Direito de Família e em Direito Sucessório, atuou como Conciliadora Extrajudicial no Juizado Especial Cível do Fórum de Lages/SC e no CEJUSC; atuou como especialista famíliar em vários escritórios de Advocacia. A sua formação multidisciplinar une o olhar jurídico ao analítico ao escopo profundo da Psicanálise, oferecendo reflexões sensíveis e embasadas sobre questões humanas, relacionais e familiares. Filha de Psicóloga, teve desde muito cedo contato com o universo da mente humana, o que levou a descobrir e se encantar pela Psicanálise – uma paixão que cresceu ao lado do seu gosto pela escrita. Apesar da sólida formação jurídica, foi na escuta clínica e na escrita que encontrou o seu verdadeiro caminho. Atualmente, atua exclusivamente como Psicanalista Clínica e Colunista, com diversos artigos publicados e outros em processo de publicação. O seu amor pela escrita é profundo quanto o seu compromisso com o cuidado emocional. Para entrar em contato pode acessar suas redes sociais; Instagram @karinepellin e email: [email protected]
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