A Emparedada da Rua Nova

A Emparedada da Rua Nova: análise de Carneiro Vilela

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No romance A Emparedada da Rua Nova, de Carneiro Vilela (1986), vê-se a trama de uma família abastada, do velho Recife, assolada por conflitos. Estes conflitos são resultado do embate entre os desejos de uma filha e a imposição da vontade de um pai.

Pode se dizer psicanaliticamente que se trata de uma luta entre o princípio do prazer, linguagem que segundo Freud é aquela própria do Id, ou da instancia inconsciente e as atuações do Superego que pode ser definido como a lei, a norma que barra os conteúdos do inconsciente em direção ao ego/consciente.

A Emparedada da Rua Nova de Carneiro Vilela: entre a Psicanalise e a Literatura

Nessa luta onde a convivência de pai e filha está completamente envolvida pelas pulsões de vida e de morte, como ensina Freud em seu texto Além do princípio do Prazer -1920 e, que em razão de seus desejos e experiências, não encontram uma maneira de solucionar os conflitos que transformam a relação de pai e filha numa tragédia.

Relação entre Psicanálise e Literatura A relação entre Psicanálise e Literatura não é nova e remonta aos primórdios do fazer psicanalítico, quando Freud, o pai da psicanálise, ainda estava elaborando a sua ciência. É fato notório que Freud encontrou na Literatura muitos elementos que nortearam suas investigações teóricas no campo da psicanálise.

Essa relação pode ser verificada na sua utilização dos mitos como por exemplo o mito de Édipo Rei, de Sófocles, que ele utiliza para dar nome ao núcleo de sua ciência, que se encontra no Complexo de Édipo, termo freudiano para designar importante momento do desenvolvimento humano, ou na criação do mito fundador da sociedade civilizada, presente no texto Totem e Tabu.

O encontro entre a Psicanalise e a Literatura

Indo além, pode ser evocado o fato de Freud ser um leitor assíduo que tinha conforme afirma seus biógrafos, o texto de Dostoievski, Os Irmãos Karamazov, como seu livro favorito. Possível seria, estabelecer ainda, outros pontos de encontro entre a Psicanalise e a Literatura ao longo do percurso de criação da psicanalise por Freud, no entanto esse não é o objetivo deste pequeno artigo.

Algumas diferenças entre tragédia e comédia A tragédia e a comédia são dois gêneros literários e estão historicamente relacionados com a cultura da Grécia da antiguidade. Antiguidade é um termo utilizado para se referir a uma civilização que faz parte de um período da história do povo grego que, fica entre o período denominado de homérico, que se inicia por volta do século IX a.C. e que alcança seu fim, por volta do ano 600 d.C.

Quando termina a antiguidade grega tem início o período chamado de Idade Média. Esses dois tipos narrativos, que são os géneros literários da tragédia e da comédia, apresentam algumas diferenças entre si, dentre outros modos de serem diferenciados, podem ser percebidos como possuindo uma diferença bem simples e fácil de se notar.

A Emparedada da Rua Nova e o gênero da tragédia

Pode se dizer que, enquanto o gênero chamado tragédia narra de forma triste, uma história triste e de final triste, a comédia por sua vez, narra uma história alegre, de forma alegre e com um fim alegre. Filósofos como Hegel e Schopenhauer entre outros se ocuparam da tragédia e da comédia, aqui apresenta-se um excerto de uma perspectiva pessimista como é própria de Schopenhauer e que retrata a sua percepção do significado da tragédia:

Para ele, “a tragédia é a representação da vida em seu aspecto terrificante. É ela que nos apresenta a dor inominável, a aflição da humanidade, o triunfo cia perfídia, o escarnecedor domínio do acaso e a fatal ruína dos justos e dos inocentes; por isso, ela constitui um sinal significativo da natureza do mundo e do ser” (Die Welt, I, § 51). ABBAGNANO 2007. p. 968-969.

Com base nesse fragmento filosófico fica claro que, a tragédia é um tipo narrativo que se ocupa das dores que afligem a humanidade em todas as suas formas de apresentação. Por outro lado, a comédia, o cômico, é o tipo narrativo que lida com o riso, com o deboche, com o lúdico, conforme formulado no fragmento seguinte.

Uma expectativa através de uma solução imprevista

Aristóteles já observara no cômico, quando considerou a comédia como imitação de homens ignóbeis” (Poet., 5, 1448, 32). A noção tradicional do cômico é reafirmada pela análise de Bergson (Le rire, 1900), que até hoje é considerada a mais rica e precisa.

Ele nota que o cômico é obtido quando um corpo humano faz pensar em um mecanismo simples, quando o corpo prevalece sobre a alma, quando a forma sobrepuja a substância e a letra o espírito, ou quando a pessoa dá a impressão de coisa; todos estes são casos em que o cômico está na frustração de uma expectativa através de uma solução imprevista ou, como teria dito Aristóteles, errada. ABBAGNANO 2007. p. 153-154.

Seguindo tais definições pode-se dirigir o olhar para a narrativa de Carneiro Vilela e observar como a tragédia da família Favais, retratada no romance A emparedada da Rua Nova, é um texto que se pauta nas dores cotidianas de relações que se tornaram difíceis e traumáticas, ao passo que o modo de ser e de viver dos membros desta família vão atritando-se entre si, gerando conflitos de interesses e de desejos.

O Supereu e A Emparedada da Rua Nova

Enquanto o pai, que se apresenta como um homem tirano e inflexível representa a lei, o Supereu, que cumpre suas funções de filtrar os conteúdos da família estabelecendo o que pode e o que não pode, ao passo que media os conflitos, entre o desejo dos membros da família e sempre impondo suas regras, a filha atua em outra direção, colocando-se ao lado da mãe, rompendo os domínios do pai e estabelecendo o seu desejo em confronto com a figura paterna em desacordo com a lei.

Age ela assim para defender seu desejo que se encontra vinculado ao desejo da mãe, por meio de uma vinculação tão cumplice, que leva mãe e filha a dividir o mesmo homem, em um desejo transferencial, incestuoso e inconsciente.

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    Nessa trama amorosa que se funda em uma triangulação edípica, que engloba o pai Jaime, a mãe, Josefina e a filha Clotilde, a figura do sedutor que rompe o tabu do incesto e dá vasão ao desejo proibido unindo mãe e filha na posse de um mesmo objeto, é exercida pelo jovem Leandro Dantas, um irrefreado sedutor que narcisicamente vive o dom-juanismo, nas terras pernambucanas. Leandro que subtrai o lugar do pai (Supereu) inflexível e se instala como um (pai permissivo) recebe o desejo da mãe e da filha, a um só tempo, consumando a relação incestuosa.

    A relação de Clotilde

    Por causa de tal transgressão, ele paga com a própria vida. Em consequência das dores que esses conflitos geram, Josefina rompe o equilíbrio psíquico e avança num estado de psicose, ao passo que Jaime tomado de uma fúria destrutiva, após mandar matar o sedutor Leandro, abandona a esposa num hospício e passa a direcionar suas exigências superegóicas à filha Clotilde a quem tenta controlar e submeter.

    Diante das resistências da filha que, defende o seu desejo com afinco e destemor, numa postura ética que dialoga em muitos aspectos com a tragédia de Antígona, escrita por Sófocles, dramaturgo grego, Jaime vai até as últimas consequências.

    Clotilde e Antígona se assemelham principalmente no que tange ao desfecho da obra, onde o desejo de justiça leva Clotilde a morrer emparedada pelo próprio pai. Ambas as personagens pagam com a vida as escolhas que fizeram e que as levaram para além do princípio do prazer, nas instâncias da pulsão de morte.

    A narrativa de Vilela ampara-se no filicídio

    Antígona morre em uma caverna por ordem de do rei Creonte e Clotilde em um quarto na casa de seu pai que após se livrar da filha com tão cruel punição, vai para a Europa abandonando sua casa e seus negócios aos cuidados de seu sobrinho e cúmplice, João Favais.

    A narrativa de Vilela ampara-se no filicídio, assassinado dos filhos pelos pais, e alcança o parricídio, pois todo o conflito estrutura-se a partir do momento em que a filha Clotilde, olhando por uma perspectiva um tanto lacaniana, mata o pai ideal, o pai simbólico e defronta-se com a truculência e inflexibilidade do pai real, o pai humano e assim se alia a mãe.

    Unidas pelo sofrimento causado pelos vetos paternos mãe e filha, vão ver nascer um triangulo amoroso, marcado pela incestuosidade, elemento que é fundamental para o configurar-se do aspecto trágico da peça narrativa.

    O lugar de objeto de desejo em: A Emparedada da Rua Nova

    Clotilde mata o pai simbolicamente e o desloca de lugar de objeto de seu desejo, de sua identificação e transfere para Leandro essa objetificação. O que seria um percurso seguro, complica-se quando sua mãe Josefina, movida por conteúdos recalcados, dá vasão aos desejos e fantasias reprimidos, tomando como objeto de seus desejos e fantasias, o mesmo homem que era objeto do desejo da filha, ou seja, o sedutor Leandro.

    A tirania da lei paterna, faz o trabalho de instalar o trágico quando sentindo-se traído e fragilizado em seu lugar de marido e de pai, Jaime assume não apenas o papel de estabelecer a lei, mas de fazê-la ser cumprida a qualquer custo e mais do que isso, de reparar a lei desrespeitada, punindo severamente os transgressores, Josefina, Leandro e Clotilde. É um texto lindo e incrivelmente amplo que permite muitas abordagens.

    Considerações Finais

    O resumo dessa obra de Carneiro Vilela, conforme apresentada de modo tão resumido e sucinto, procurou analisar ainda que modestamente e demonstrar o diálogo possível entre a Psicanálise e a Literatura, aplicando termos psicanalíticos para pensar e analisar essa narrativa romanesca que é carregada de aspectos psicológicos e serve perfeitamente a essa finalidade que, extrapola os limites do espaço terapêutico da clínica e avança pelos aspecto teóricos, permitindo esse encontro que revela a riqueza de ambos os campos do saber humano, como possibilidade de gerar sentidos e entendimentos.

    O presente artigo foi escrito por Joaquim Teles de Faria é poeta e escritor, possui formação em Licenciatura em História, pela Universidade Estadual de Goiás-UEG e Mestrado em Literatura, pela Universidade de Brasília -UnB. Formou-se psicanalista pelo Instituto Brasileiro de Psicanálise Clinica-IBPC e atualmente atua como professor e analista. É um leitor por prazer que encontra na escrita uma maneira de expresssar sensações, sentimentos e inquietações que assolam sua alma. Atualmente residindo em Planaltina, no Distrito Federal, nasceu no estado de Goiás, nas plagas majestosas da deslumbrante Chapada dos Veadeiros. Estuda a psicanálise porque encontrou nela possibilidades que nenhuma outra área do saber humano conseguiu lhe oferecer.

    Referências

    ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os Irmãos Karamázov. Trad. de Paulo Bezerra. São Paulo: Ed.34, 2008. FREUD, Sigmund. (1920b) Além do princípio de prazer. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago,1996. _____________. (1913). Totem e Tabu. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 13. Rio de Janeiro: Imago, 1990, SÓFOCLES. Rei Édipo [recurso eletrônico]. 56 p. e-book. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000024.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2017. VILELA, Carneiro. A emparedada da Rua Nova. Recife: Cepe, 2013.

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