adoecimento psíquico

Adoecimento psíquico, pandemia e dependência química

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Hoje falaremos sobre o adoecimento psíquico. O ano de 2019 colocou a sociedade em xeque com a pandemia iniciada, iniciando um ciclo, talvez, do primeiro grande medo dos últimos anos. Outros medos sempre estão à espreita, aproximam-se como que sombras, de forma que, passam a fazer parte do cotidiano sem que nos demos conta de sua presença e força.

Questões pertinentes ao cotidiano são carregadas de um discurso ideológico, segundo a visão de mundo de quem tem a fala ou seu poder. A psicanálise é a mediação da palavra, ou espera-se que haja uma conversação entre o paciente e o analista, a prática analítica está intimamente ligada à linguagem.

O adoecimento psíquico

Nos parece que a esquizofrenia, a paranoia e a melancolia tornaram-se consequência destes tempos incertos. Para Delumeau J. o “medo é uma emoção-choque precedido de surpresa, provocada pela tomada de consciência de um perigo presente e urgente que ameaça, cremos nós, nossa conservação. Colocado em estado de alerta, o hipotálamo reage por uma mobilização global do organismo, que desencadeia diversos tipos de comportamentos somáticos e provoca sobretudo modificações endócrinas” (1996, p.23). Quantos e quantas não perderam o trabalho, um pequeno negócio, um familiar?

A dor real ou não que pode levar a um quadro de delírio, ou a uma pulsão de morte ou mesmo a um quadro melancólico acometeu muitos durante a pandemia. Somado a doença real, física, a sociedade na qual vivemos é não só desigual economicamente, produzindo classes sociais cada vez mais distantes, em que a pobreza é estrutural e a exclusão natural, a pandemia produziu um número altíssimo de trabalhadores sem trabalho que se tornaram invisíveis. As primeiras semanas da pandemia, como em um filme de ficção científica, ruas desertas, comércio fechado, e um total desconhecimento sobre um vírus que atacava a todos sem inibição de cor ou classe social.

O mundo tornou-se conectado, podemos enfatizar, ainda mais, o que resultou em uma nova realidade virtual da vida. Refletindo sobre nossos tempos e o que ele traz em si ou qual a ideologia que o permeia é importante pensar em como o indivíduo vive hoje e o que o faz viver feliz. Ao sujeito do século XXI, como afirma Byung-Chul Han (2015-7) coube às doenças neuronais, pois ao século passado coube as doenças bacteriológicas. Para o autor, as doenças neuronais como depressão, transtorno de déficit de atenção, síndrome de Burnout, transtorno de personalidade, entre outras, causadas pelo excesso de positividade, são deste século. Claro que, o mesmo, não previu a pandemia que em 2019 teria o início que assolaria o planeta, e que ainda em julho de 2022 não tem perspectiva de fim.

O adoecimento psíquico na sociedade

Vivemos hoje, estados patológicos, de uma sociedade fissurada pelo outro, mas que o rejeita; da superinformação, do fake News; da exigência do sujeito que desempenhe o máximo, trabalhando à exaustão até o esgotamento. Se já vivíamos em uma sociedade líquida como afirmava Z. Bauman (2007)-, Byung-ChulHan (2015) nos apresenta a sociedade do cansaço. E é nesta sociedade que vivem hoje jovens e adultos dependentes de drogas lícitas e ilícitas. Em pouquíssimo tempo, ou nos conectamos aos grupos das redes sociais ou somos excluídos do mundo.

Se antes já existia uma invisibilidade endêmica a certos grupos, agora você pode encontrar o seu lugar. A sociedade que diz incluir, na medida que todos tem celular, ou deveriam ter, portanto tem direitos e podem consumir. Esta mesma sociedade produz o desemprego, o cárcere cada vez maior para pardos, negros e pobres, incitando a delinquência e ao individualismo em que cada um cuida de si Bauman, Z. – Danos Colaterales, 2011). E essa tal felicidade? Essa que temos que viver a qualquer custo? Pois, devemos ser felizes com o que temos, afinal ainda bem que não morremos na pandemia, ou ainda bem que só uma pessoa da família morreu enquanto outras perderam três.

Essa psicologia moral que justifica a inação do Estado ou a inação do sujeito quanto às suas reivindicações como cidadão fazem parte do mundo liberal. Neste momento histórico 2018-2022 observamos o surgimento do ódio, ressentimento, raiva entre iguais quando a discussão deveria ser no campo político. As demandas antes políticas passam para o campo familiar como bem analisa Vladimir Safatle (2021 p.22), ou seja, sobreposições da autoridade as figuras paternas e maternas, sobreposições das relações entre iguais as figuras fraternas, que visam fazer das demandas sociais decalcadas nas expectativas de amor e reconhecimento próprias ao núcleo familiar. E afirma, ainda, que a política pressupõe uma família não problemática, hierarquizada, baseada no amor, muito diferente da família explicitada por Freud como núcleo produtor de neuroses.

O adoecimento psíquico no contexto da pandemia

E o que o dependente químico tem com isso? O dependente químico, com o adoecimento psíquico é o bode expiatório. É a culpa, a esquizofrenia, a paranoia etc. O medo junto a pandemia iniciada em 2019 na China assim como na época da peste negra na Europa em 1348 (Delumeau, J. – 1996), causaram novos danos ao ser humano. Instalaram um elemento psicológico novo, o medo do futuro, o medo do vazio. Encarar a realidade é conflitante para a maioria das pessoas que vivem dentro dela. Imaginemos as pessoas que sofram os conflitos provocados pela desorganização do EGO em detrimento do ID.

Evidentemente um contexto não tem nada em comum com o outro, pois a psicose ocorre independente da sociedade. (será?) Se existe um sofrimento insuportável, decorrente de um trauma, o ID cria uma realidade, para que o psicótico suporte o sofrimento. Entretanto, nada disso passou pelo consciente com o adoecimento psíquico. A dificuldade do dependente de álcool e drogas em entrar em contato com as questões e problemas cotidianos fazem com que as drogas sejam a solução na busca de uma realidade alternativa que o retire do conflito, da angústia. É o distanciamento do EGO e o ID criando a realidade. Observamos que dependentes de álcool e drogas, em sua maioria, mantêm uma relação com o mundo externo, ainda que sejam ansiosas, angustiantes e defensivas.

No adoecimento psíquico, outros já desenvolveram comportamentos esquizofrênicos com forte compulsão destrutiva, podendo prejudicar a si e aos que estão ao seu redor. Podemos considerar droga toda substância química que ao ser ingerida, modifica uma ou várias funções do sistema nervoso central tendo como consequência efeitos psíquicos ou comportamentais. As substâncias mais usadas são álcool, maconha, cocaína, café, chá, diazepam, nicotina, heroína, crack, LSD, e outras, produzindo prazer nas áreas cerebrais de recompensa. (Dalgalarondo, 2008) A dependência física se dá quando surge a tolerância, ou seja, o jovem passa a ter sintomas de abstinência e a cada vez necessita usar uma quantidade maior da substância.

A dependência psíquica

A dependência psíquica se dá cada vez que se busca o prazer no intuito de acabar com algo que lhe dá desconforto. Hoje, sabe-se que algumas psicopatologias são desencadeadas pelo uso abusivo de drogas como psicoses, esquizofrenias e quadros psicóticos. Mecanismos de defesa em relação ao funcionamento psíquico descoberto por Freud e a dependência química. Sigmund S. Freud (1856-1939), pai da psicanálise, vem revolucionar os conhecimentos sobre a mente humana a partir do século XIX. Médico neurologista, começa a questionar os tratamentos tradicionais direcionados a homens e mulheres que não seguiam os padrões da mente, ou o que se conhecia delas.

S. Moscovici (1976, 17-18) afirma que a psicanálise, de fato, passou a ocupar um lugar de destaque na cultura das pessoas, seu impacto na ciência, na terapia, na vida das pessoas, na interpretação dos fenômenos psicológicos, cujos elementos passam a fazer parte da vida dos indivíduos em que palavras como repressão, sonhos, ato falho, Freud explica, tornam-se ditos cotidianos na resolução de questões emergentes. Para S. Freud a ciência não poderia se limitar a padrões que não fossem estabelecidos por fatos e é por isso que vai a Paris estudar com Jean-Martin Charcot, neurologista francês que desenvolvia um método para conhecer a mente humana chamada hipnose.

A hipnose seria, portanto, a base para Freud iniciar seus estudos sobre a mente humana, principalmente sobre a histeria, ou sobre os sintomas dos distúrbios nervosos. Ao se propor a estudar o funcionamento psíquico, S. Freud adentra em um mundo desconhecido e altamente perigoso, na medida em que sua orientação científica o aproxima das ciências naturais e não ciências humanas. A Psicanálise, ciência que passa a analisar o comportamento humano, a partir do estudo de sua mente, transita por diferentes áreas do conhecimento, e esta foi uma das críticas mais contundentes em relação à disciplina descoberta e aprofundada por Freud.

A Psicanálise e sua análise

Entretanto, foi a psicanálise que permitiu a prática profissional que temos hoje, a análise. O saber psicanalítico no entendimento da psique humana é inegável. Sua descoberta sobre o inconsciente, pré-consciente, consciente; o id o ego; a libido; os complexos de Édipo e Electra iluminaram a ciência e possibilitaram que muitos analistas pudessem ajudar com a libertação e cura de seus pacientes. S. Freud afirma que os mecanismos de defesa surgem para lidar com emoções dolorosas. São, Recalcamento, Formação Reativa, Regressão,Projeção e Racionalização (Módulo 1- Curso de Formação em Psicanálise- C-psicanálise clínica. Pag.26 2021).

O/A dependente químico/a tem em comum o fato de que não conseguem parar de usar álcool ou outras drogas. É uma dependência tanto física como psicológica, e em geral prejudica não só a si, mas todos que estão ao seu redor. Trabalhando com dependentes químicos observamos comportamentos comuns nos/as jovens ou mesmo nos/as adultos. Talvez, estes comportamentos comuns façam com que os grupos de auto-ajuda funcionem tão bem. Porém, o fato de existir muitos aspectos comuns, não podemos igualar todos ou todas.

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    Cada ser humano tem suas características. Muitas afirmações podem ser tendenciosas e dependem de quem afirma e do momento em que está o sujeito. A formação reativa, a projeção e a racionalização estão presentes em boa parte de suas ações e discursos. Em relação às bebidas alcoólicas, a droga permitida socialmente, vale dizer que se todos podem beber, por que o dependente químico não pode? Usando argumentos racionais, justifica seu comportamento até o injustificável, reage e projeta. Esta é uma análise curta e simples, porém trabalhar com adicção é trabalhar com a negação de quem é. É trabalhar com o Ego, com o inconsciente, com o que foi reprimido.

    A dependência e o adoecimento psíquico

    A dependência química é a única doença que diz aos seus doentes que eles não têm essa doença. Ela lhes dá a aparência de grandiosidade, ela lhes leva a doenças que os separam totalmente da realidade, a surtos psicóticos e até a morte. A negação da dependência é uma constante em suas vidas, e não só porque queiram escondê-la, mas porque acreditem que não sejam. Quando trabalhamos com dependentes químicos observamos que muitas experiências que são vividas com muita dor, passam para o inconsciente possibilitando que o/a jovem se identifique como mártir, rebelde, perfeccionista, simpático, frívolo, ou seja, ora agindo de maneira oposta ao que deseja, ora justificando suas ações no mundo externo, ou argumentando veemente sobre a necessidade do uso de substâncias para ajustar-se ao mundo.

    Em linhas gerais, S. Freud em seu livro O Mal-Estar na Civilização (2020, 22) afirma, ao discorrer sobre o princípio do prazer que a finalidade da vida é ser feliz e que a felicidade pode ser alcançada também, pelo lado tóxico dos processos psíquicos. Os narcóticos permitem o ganho imediato do prazer no que chama de “afasta-tristeza”. Freud enfatiza também que os entorpecentes são nocivos e tem seus perigos. São várias as doenças psíquicas desencadeadas pelo uso abusivo de drogas, principalmente pelas novas drogas sintéticas. Importante destacar que não existe aqui qualquer julgamento moral ou proposta de política sanitarista.

    Hoje o programa de redução de danos permite que qualquer usuário/a de drogas possa estabelecer limites ao seu uso. Segundo Zimerman (1999 p.128), existem os mecanismos de defesa egóicos que são “os distintos tipos de operações mentais que tem por finalidade a redução das tensões psíquicas internas”, ou seja, instâncias que protegem o psiquismo de ameaças externas para que não desintegre. (Conceitos em Teoria Clínica em Freud- I, Modulo 2, psicanaliseclinica.com.br/ revisão 2020-2021).

    ID e EGO

    S. Freud(1976 p.40-41) no volume XIX 1923-1925 em seus estudos sobre o ID e o EGO, afirma que o ego é acima de tudo corporal, pois do corpo originam-se sensações externas e internas. Relatando a dificuldade do entendimento desta reflexão já que operações intelectuais podem ser executadas no pré-consciente, durante o sono, por exemplo, apresenta o que chama de sentimento inconsciente de culpa. Para S. Freud existe um fenômeno, para algumas pessoas, em que “ as faculdades de autocrítica e consciência-(conscience)-atividades mentais, isto é, que se classificam como extremamente elevadas- são inconsciente e inconscientemente produzem efeitos da maior importância; o exemplo da resistência que permanece inconsciente durante a análise não é portanto, de maneira alguma único.

    Mas esta nova descoberta, que nos compele, apesar de nosso melhor juízo crítico, a falar de um “sentimento inconsciente de culpa” S. Freud (1976 p. 41) Segundo S. Freud (1976 p.41; 67), este sentimento aparece em muitas neuroses colocando obstáculos poderosos à cura do paciente. É a tensão existente entre o ego e o superego e sua condenação que permite que o sentimento de culpa apareça. O sentimento de culpa é consciente e o superego sabe como reprimir o EGO.

    É de suma importância tratarmos do sentimento de culpa, do sentimento de inferioridade, dos mecanismos de defesa do EGO, e das Neuropsicoses de defesa, pois todas compõe a mente do dependente químico. Quando atendendo o/a dependente de drogas e álcool, observo, na maior parte das vezes, a negação ou renegação no intuito de excluir a culpa que chega a ser insuportável. A autoestima é baixíssima com autopercepções depreciativas e necessitam o tempo todo de reforços e apoios para se sentirem confiantes. Eles não têm recursos para lidar com a frustração, com críticas, rejeição.

    O adoecimento psíquico e fortes sentimentos

    No adoecimento psíquico, a relação com os pais traz em si fortes sentimentos de “complexo de édipo ou complexo de Electra”, além de sensações de exclusão, não aceitação, entre outros. Sentimentos internos que são projetados para pais, escola, sociedade. A dificuldade em viver e enfrentar a realidade para alguns, torna-se insuportável. Em geral, o dependente químico ao iniciar o uso-abuso das drogas deixa de evoluir psicologicamente. Isso significa que mesmo que pare alguns anos mais tarde, terá atitudes referentes a idade em que começou a usar a droga.

    Na maior parte do tempo de uso da droga se desconecta da realidade. E a culpa? A culpa surge quando não existe a droga e o mundo torna-se insuportável; quando está usando uma determinada substância lembra das relações familiares; relações de trabalho; quando comete crimes; quando entra em delírio e quadros de mania; e assim pode entrar em um quadro de esquizofrenia e não voltar. A culpa surge em relação ao próprio eu, a família e a sociedade. O/a dependente de álcool e drogas não se dá conta de o quanto egóico se tornou, e não necessariamente por ele mesmo, mas pela forma como aprendeu a lidar com as suas dificuldades e os mecanismos de defesa da mente foram se adaptando.

    Os mecanismos de defesa mais utilizados pelo ou pela dependente química são a negação de do uso de drogas e sua gravidade/ a negação dos danos causados a eles e a família entrando, muitas vezes, no que chamamos de manipulação no adoecimento psíquico. A racionalização que se tornam desculpas, motivos, para reduzir seus problemas com drogas; a projeção quando atribuem a outros seus próprios sentimentos; as somatizações, enfim os problemas mentais que advém do EGO são inúmeros e o tratamento é longo e necessário. Freud afirma em seu texto Luto e Melancolia de 1917 que na melancolia, o melancólico se identifica de tal forma com o objeto externo fazendo parte dele, e que se este o perde, ele também se vê perdido. Assim perde a capacidade de amar.

    EGO e o adoecimento psíquico

    A melancolia é o conflito entre o EGO e o ideal do EGO causando assim, baixa autoestima, culpa, frustração, muita exigência consigo próprio, entre outros. Podemos dizer que estes sentimentos são típicos do dependente de álcool e drogas. A autoanálise sobre si é muito baixa. Não se vê como um ser criativo, que possa ser amado, nem pelos seus pais nem por ninguém, daí sua dificuldade de enfrentar a realidade. Sua insegurança já que perdeu a frustração é tanta e só consegue viver a partir do outro, entra em um processo maníaco-depressivo, ou delirante de grandeza, ou bipolaridade no enfrentamento da realidade.

    Moreira (2008) apud Mendes et alii (2014 p.428) afirma que o pensamento presente na melancolia e que aciona todo o processo criativo dos homens de exceção, é substituído, pela compulsão, presente na depressão, consumo de drogas, objetos, alimentos, etc. A sociedade, em geral, não é nem um pouco condescendente com o dependente de álcool e drogas. Ela o estigmatiza dentro de um todo que aparentemente carrega traços de normalidade. Estes são os bodes expiatórios junto a outros que apresentam, claramente, a desordem social. Silva, J. P. F. da (2015) analisa com muita pertinência a forma como a mídia descreve o psicopata.

    Podemos dizer que o mesmo se dá com o “DROGADO”, “BEBADO”, menos um pouco com o bêbado, pois este ainda é aceito socialmente. O autor enfatiza em seu artigo como a mídia em geral, faz um desfavor à sociedade quando enquadra o psicopata como perverso e sádico. Acreditamos que a visão de Cleckley, H. M. (1941) in SILVA,, J. P. F. da (2015) ao dividir a psicopatia em quatro subtipos, encontra explicações razoáveis para o entendimento da base científica que compõe este comportamento.

    Psicopatas primários, secundários, descontrolados e carismáticos

    O interessante é observar como em cada um dos subtipos cabe um dependente de álcool e drogas. Muitos são antissociais, e parecem não ter emoção; outros se arriscam mais, porém entram em profunda depressão diante de um sentimento de culpa e fazem qualquer coisa para evitar a dor; outros tem desejos muito fortes, vícios, pedofilia; e outros são manipuladores, encantadores, mentem a ponto de acreditar em sua própria mentira, e o que é pior, em um primeiro momento fazem com os que estão ao seu lado acreditem nele.

    No adoecimento psíquico, as características mais importantes do psicopata associadas às do dependente de álcool e drogas são sua baixa tolerância a frustrações, sua instabilidade emocional e falta de controle dos impulsos; seu egocentrismo e tudo que o leva a baixa autoestima. Entretanto, todas estas são consequência de um sofrimento maior, de uma doença um trauma que precisa ser tratada e a psicanálise por meio da escuta, pode ser o caminho. Ninguém sofre porque deseja. O ser humano é cheio de conflitos e contradições e o contexto em que vivemos é cheio de complexidades. Ainda que sejamos todos aparentemente “normais”, não podemos deixar de nos perguntar, “até que ponto?”.

    Edgar Morin, em sua autobiografia Lições de Um Século de Vida faz a seguinte reflexão, Quando escrevi Le Vifdusujet- O sujeito a flor da pele em 1961/1962 fiquei impressionado com os casos de personalidade dupla ou múltipla, em que o mesmo indivíduo mudava de rosto, temperamento, caligrafia, passando inconscientemente de um eu a outro. Isso é visível nos chamados bipolares ou maníacos depressivos. A mesma pessoa se torna otimista, exaltada, hiperativa e empreendedora e depois, na fase contraria, deprimida, pessimista, passiva, inativa. A mesma pessoa pode passar da adoração exaltada no amor a uma chuva de críticas, censura e repreensões.

    A dependência

    Já não é a mesma, ainda que ambas ocupem sucessivamente o mesmo Eu. É como se a passagem de um estado mental ou emocional a outro cristalizasse uma personalidade coerente, com seus traços singulares, fadada a desaparecer e reaparecer. (Morin, E 2021, p.20) As psicopatologias desencadeadas pelo abuso de álcool e outras drogas têm sido apontadas por diversos órgãos ligados à saúde como uma comorbidade do nosso tempo. Em relação à saúde mental, estima-se que 50% das pessoas com transtornos relacionados ao uso de droga também tenham outro diagnóstico de transtorno mental, incluindo esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo e transtorno afetivo bipolar (Silva, E. et al. 2016).

    Quando entrevistamos pessoas com quadro de dependências em álcool e outras drogas e já com algum transtorno mental, temos dificuldade em diagnosticar qual o transtorno, pois tanto na abstinência quanto no uso as características psíquicas com os diversos tipos de esquizofrenia como transtornos de bipolaridade, entre outros, são muito parecidas. Precisamos deixar que a entrevista com o paciente seja mais longa possível, no intuito de perceber as conexões do seu pensamento, sua ligação com a realidade, seu contexto de vida, se tem ideias suicidas, enfim um diagnóstico não pode ser dado em um primeiro encontro.

    Devemos trabalhar em equipe, junto a psiquiatras e neurologistas para que o diagnóstico seja o mais assertivo possível. Os sintomas que caracterizam a esquizofrenia em todos os seus subtipos são os delírios, as alucinações, o discurso desorganizado, o comportamento amplamente desorganizado ou catatônico, e sintomas negativos, ou seja, embotamento afetivo, mutismo ou abolição. (apostila VII- psicanaliseclinica.com p. 35) O que caracteriza os transtornos bipolares, diferenciando-os dos transtornos depressivos, são os episódios de humor anormalmente elevado, chamados de episódios maníacos, ou de mania.

    Episódios maníacos

    Estes são caracterizados por humor expansivo anormal, e persistentemente elevado, ou irritável, com autoestima inflada, ou sentimentos de grandiosidade, necessidade diminuída de sono, “fuga de ideias”, com fala acelerada, estando o paciente mais falante que o normal, ou relatando certa “pressão” para continuar falando, ou com a experiência subjetiva de que os pensamentos estão “correndo”, distração, aumento na atividade dirigida a um ou outro objetivos, agitação psicomotora, e engajamento excessivo com atividades agradáveis com alto potencial para consequências dolorosas (apostila VII- psicanaliseclinica.com p. 36)

    Em uma pesquisa desenvolvida em 2012 e 2013, com 20 entrevistados homens, em uma unidade de reabilitação para dependentes químicos no Paraná, com objetivo de verificar o impacto do uso de drogas na saúde física e mental do dependente químico observou-se que os transtornos mentais como esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar e depressão foram citados pelos participantes como adquiridos em consequência ao uso de drogas, tendo como agravante a tentativa de suicídio ( Silva, Er et alii 2016).

    Os transtornos desencadeados pelo abuso de álcool e drogas podem ter alucinações auditivas, delírios de perseguição, sendo os pacientes desconfiados, às vezes hostis e agressivos ou não. O que caracteriza a Esquizofrenia tipo Paranóide. (apostila- formação em psicanálise, Módulo VII- Psicopatologias II) Outras vezes temos transtornos de humor, incluindo todos os sinais e sintomas da esquizofrenia com episódios de mania e transtornos depressivos alternados, o que é bem comum. São os transtornos esquizoafetivos. (apostila- formação em psicanálise, Módulo VII- Psicopatologias II).

    Uso da cannabis

    Em pesquisa realizada nos últimos dez anos sobre a relação do uso de cannabis e o desenvolvimento de psicoses mesmo com a aplicação terapêutica e recreativa, observou-se que existem evidências de que o uso da planta leva ao desenvolvimento de psicoses. Para a pesquisa foram feitas revisões bibliográficas e levantamento eletrônico de artigos nacionais e internacionais (inglês e espanhol), em sua maioria publicados nos últimos 10 anos que descrevessem características da Cannabis, modo de ação dos endocanabinóides e áreas anatômicas afetadas pelo uso da Cannabis, bem como artigos que relacionassem o uso destas com psicoses. (Cabral, G. L. A. 2019)

    Existem controvérsias a respeito do uso de canabis, maconha, e o desencadeamento de psicoses. Esta é uma discussão que perpassa a de redução de danos, ou seja, como retirar de alguns dependentes de crack que desenvolveram sérios transtornos esquizofrênicos a droga de abuso se não colocar nada no lugar? Por outro lado, a discussão que passa por grupos médicos que entendem o dano que determinadas drogas causam, como a cocaína e derivados e todas as outras que utilizam químicas e não existe qualquer controle, só outra droga química para tentar retirar alguém que já está fora da ordem com delírios e que pode causar danos a sociedade

    .S. Freud vem mais uma vez contribuir ao entendimento da mente humana. Sobre pandemia e as doenças psíquicas S. Freud (1856-1939) afirma em seu ensaio O Mal-Estar na Civilização publicado em 1930 o quanto as pessoas buscam poder, riqueza e sucesso para si mesmas, deixando de lado os autênticos valores da vida. Ao mesmo tempo enfatiza que existe uma diversidade no mundo humano que não atende às expectativas da maioria e que tem em si uma riqueza de ideias nas quais, Freud apresenta um amigo, com o qual trocará cartas para clarear suas ideias sobre religião. Para ele o homem só encontrará felicidade em alguns momentos e a religião responde a finalidade da vida.

    O adoecimento psíquico e a cultura humana

    S. Freud, analisa em seu texto O futuro de uma ilusão de 1927 a necessidade do ser humano acrescentar em sua vida a religião como manifestação cultural, que para ele, nada mais é do que uma alienação, uma superstição, ou seja, é com esse objetivo que introduz seu texto afirmando que a cultura humana se distingue dos bichos. Para S. Freud, não há separação entre cultura e civilização, pois abrange todo o saber e toda a capacidade adquiridos pelo homem com o fim de dominar as forças da natureza e obter seus bens para satisfação das necessidades humanas e, por outro lado, todas as instituições necessárias para regular as relações dos homens entre si e, em especial, a divisão dos bens acessíveis (2019 p.37).

    S. Freud (2019, p.38-39), afirma que os seres humanos têm dificuldades em defender a cultura, pois consideram opressivos o que lhe é exigido para a vida em comum e que, portanto, esta, assim como a ciência e a técnica devem ser defendidas dos arroubos hostis dos homens. E qual a relação do Superego com religião, cultura e civilização? O superego está integrado ao id e ao ego sendo comparado a um filtro ou sensor influenciado por princípios religiosos, culturais etc. (apostila Módulo 4- O método psicanalítico. Curso de Formação em Psicanálise)

    A influência da religião judaico cristã na cultura brasileira teve um efeito nefasto quando pensamos na culpa desencadeada em diferentes aspectos da mente humana. A imposição de regras estipuladas pela Igreja, no intuito de defender seu domínio, desde a Idade Média trouxe muitos danos principalmente as mulheres. O superego pode colocar limites e pode ser extremamente rígido. Exigindo pela autocobrança, o autoflagelo, o perfeccionismo exacerbado, a inação e baixo autoestima. (apostila- Módulo 4- O método psicanalítico. Curso de Formação em Psicanálise)

    Uma dor coletiva e o adoecimento psíquico

    Ao observarmos o contexto social brasileiro hoje e percebermos o quão deteriorado está o país, desde a última eleição, apesar da comprovação de fatos que possam comprometer o presidente, sentimos uma inação e baixo autoestima de boa parte da população com o adoecimento psíquico. Com as mortes provocadas pela inação ou ação da presidência o que existe é um silenciamento da dor coletiva. Aqui a religião participa como co-participante da felicidade ou infelicidade do outro, pois ela é responsável pela vida e pela morte.

    Se o superego é responsável, ou impõe ao sujeito a tendência ao autoritarismo, o fanatismo, o aniquilamento do desejo do outro, o antropocentrismo e o desrespeito à diversidade cultural, sexual, racial e de gênero, isso também explica a sociedade brasileira, hoje. Infelizmente, 2018 a 2021 foram anos de descoberta de um Brasil obscuro, de um país no qual muitos brasileiros e brasileiras escondiam um ser agressivo, autoritário, fanático, desrespeitoso a diversidade cultural, a ponto de não aceitar mais um debate democrático, de preferir votar a presença de mais armas, mais mortes, mais linchamentos, menos aceitação do diferente, desencadeando assim uma ira constante dos que votaram no presidente e os que não votaram.

    O fanatismo religioso de evangélicos contra qualquer outra religião se tornou lugar comum. O autoritarismo nas relações, a falta de diálogo de argumentos palpáveis, o linchamento de homossexuais, enfim, ações que pareciam esquecidas em um país minimamente civilizado, saíram de mentes que pareciam saudáveis. Se é função do superego a auto-observação, a autocrítica, a consciência moral, a censura onírica, a influência principal na repressão e exaltação dos ideais, talvez, neste momento da nossa história isso esteja fora de lugar.

    Conclusão sobre o adoecimento psíquico

    Hannah Arendt (2012) em sua obra analisa o totalitarismo e tudo que levou a Alemanha a optar pelo nazismo de Hitler. E um de seus livros enfatiza que uma sociedade cujos valores estão desorganizados, caso da Alemanha pós I Guerra Mundial, e o Estado desmontado, é muito fácil que surja um líder totalitário e tome conta da mente das pessoas. Foi exatamente isso que aconteceu na Alemanha com A. Hitler. Um fanático, autoritário que respondeu as necessidades do povo alemão naquele momento.

    Quando pensamos em civilização e cultura, tal como Freud imaginava, ou seja, algo que faz com que a sociedade avance e não recue, não pensamos na sociedade brasileira hoje. Quem sabe em 2023. Estamos falando de um momento em que questões religiosas e políticas e morais se misturam no adoecimento psíquico, portanto que trazem ao ser humano um sofrimento psíquico de estar no mundo.

    No adoecimento psíquico, as doenças mentais, a esquizofrenia, os esquizoafetivos, a esquizofrenia tipo paranoide a bipolaridade ou as os mecanismos de reação como recalcamento, a formação a reativa, a regressão, a projeção e a racionalização, a culpa, enfim comorbidades decorrentes de doenças psíquicas que aumentam diariamente e cabe ao psicanalista amenizar a dor do paciente pela escuta. A humanidade sofre e S. Freud veio mostrar cientificamente que é possível amenizar sua dor, portanto cabe a nós, exercer com dignidade nosso trabalho.

    Referências

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    Este artigo sobre o adoecimento psíquico foi escrito por Angela Viana M. Fernandes, concluinte do Curso de Formação em Psicanálise.

    2 thoughts on “Adoecimento psíquico, pandemia e dependência química

    1. Sueli Baldan disse:

      Ufa! to sem folego ao ler esse post. Um dos melhores que li ate agora aqui no site. Muito esclarecedor e norteador ao mesmo tempo.

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