Você já ouviu falar da palavra ambivalência? Ela não é muito conhecida, mas tem grande valor para a área da Psicanálise. Se formos olhar no dicionário, iremos descobrir que ela é usada para nomear a existência concomitante e conflitante de dois elementos.
Em Psicanálise, a ambivalência é um conceito complexo que pode ser definido como a existência simultânea de dois sentimentos ou pulsões ou emoções contraditórios em relação a uma mesma pessoa, objeto ou situação. É um fenômeno que pode ser observado na vida mental, nas relações pessoais, no trabalho e até mesmo na política.
A ambivalência é a ambiguidade em nossos sentimentos. A mescla de amor e ódio que sentimos por um familiar é exemplo de ambivalência. Se este familiar falece, muitas vezes nos sentimos culpados, por termos lhe desejado a morte (ainda que inconscientemente, ainda que figurativamente). Processos como o sentimento de culpa e o luto podem decorrer da ambiguidade.
Continue a leitura do artigo, pois iremos desenvolver novas abordagens e exemplos sobre a ambivalência.
Como entender a ambivalência
Um jeito mais simples de esclarecer o significado de ambivalência é te fazendo pensar em pessoas que despertam tanto o seu amor quanto o seu ódio.
Será que odiar excessivamente uma pessoa, a ponto de pensar nela quase o tempo inteiro, não seria uma situação de afeto que se assemelharia ao amor? O que teria essa pessoa para merecer tanta atenção? O que existe nessa pessoa que apreende você? Será que é uma porção de você mesmo(a), que você está querendo rechaçar?
Praticamente todas as pessoas já experimentaram esse conflito de sentimentos. O objeto do seu afeto e desafeto pode ser um colega de trabalho, um namorado ou até um professor.
Interessante é que muitas músicas já foram escritas para tratar sobre a ambivalência. Você já deve ter ouvido “Seven Things” da Miley Cyrus. Em boa parte da música, a cantora apresenta coisas que ela odeia em seu namorado, mas termina o refrão afirmando que ela o ama.
Outros exemplos de ambivalência na vida cotidiana incluem:
- Uma pessoa pode sentir amor e ódio por um parceiro romântico.
- Uma pessoa pode sentir admiração e inveja por um colega de trabalho.
- Uma pessoa pode sentir medo e excitação antes de uma apresentação importante.
Assim, quando nós vemos exemplos práticos como esse, percebemos que não é nada difícil entender a ambivalência, não é mesmo?
O que é a ambivalência para a Psicanálise
Freud entendia que pulsão de vida e pulsão de morte (Eros e Thanatos) eram parte de um único elemento. Afinal, pense no seguinte exemplo: você faz uma poupança pensando em tornar a vida futura mais confortável e previsível; este exemplo reserva:
- tanto um aspecto da pulsão de vida: você pretende viver mais e realizar coisas no futuro, com este dinheiro guardado;
- quanto um aspecto da pulsão de morte: a vida sem surpresas e sem acontecimentos (bons ou ruins) lembra um chuveiro com a resistência queimada, este é um desejo de “repouso” similar ao que nos aguarda na morte.
Na época, Freud baseava muito de suas teorias nas ciências naturais. O conceito de “resistência” foi retirado de Freud, a partir de seus conhecimentos da Física. Você pode pensar também em termos de linguagem binária, como o “zero” e o “um” que constroem a linguagem de computadores.
- O “zero” seria a pulsão de morte, algo que nos impele a uma vida sem surpresas, sem as tensões ou resistências psíquicas da mente ativa, o que, a rigor, só é possível na morte (em um episódio, Freud teria despertado de um desmaio e comentado “como deve ser doce morrer!”);
- O “um” seria a resistência, o impulso mental que nos leva a buscar coisas novas, novas relações, aprendizado e acontecimentos.
Esta mescla entre essas pulsões é um belo exemplo de como a ambivalência é parte inerente de nossa vida psíquica.
O conceito de ambivalência tem importância para a área da Psicanálise. Grandes teóricos da área abordaram essa noção em seus estudos. Assim, fique atento ao modo como cada um deles tratou desse assunto, como veremos.
Ambivalência para Freud
Se estamos falando da área da Psicanálise, não podemos ignorar as ideias de Sigmund Freud. Não é de se surpreender que o estudioso também tenha contribuído para o desenvolvimento da noção de ambivalência.
Por isso, para entendermos o modo como ele abordou esse conceito, vamos tratar primeiramente da sua noção de tabus.
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Por exemplo, quando um membro próximo da família falece, muitas vezes ficamos nos sentindo culpados. Para Freud, o sentimento de culpa é uma manifestação clara da ambivalência entre amor/ódio, um sinal que:
- em algum momento, ficamos com uma raiva intensa desta pessoa, talvez algo quase como desejar (pelo menos de forma inconsciente) a morte desta pessoa;
- em contraponto com o carinho que sentíamos por essa pessoa, a ponto de querer também o melhor para ela e ter o convívio dela.
Tabus
No seu livro Totem e Tabu, Freud define os tabus como proibições que, em certo momento da antiguidade, foram impostas por uma autoridade aos homens primitivos.
Segundo ele, censurava-se atividades pelas quais essas pessoas tinham forte inclinação, como o incesto. Além disso, é importante mencionar que o psicanalista defendia que a primeira inclinação amorosa de uma criança é incestuosa.
É por essa razão que, de acordo com o psicanalista, existe ambivalência no conceito de tabu. Isso ocorre porque ele proíbe aquilo que é desejado.
Além disso, Freud também considera o próprio termo “tabu” ambivalente, já que ele combina em si as ideias de “sagrado” e “impuro”, as quais são contraditórias.
Como você pode ver, o conceito de ambivalência não se limita aos sentimentos, já que também se aplica ao campo das ideias. Portanto, o pai da psicanálise também apresentou uma ambivalência humana, que, segundo ele, é constituída por dois instintos básicos:
- um deles é a pulsão de vida, que está relacionada a busca pela conservação das unidades vitais;
- o outro é a pulsão de morte tem o objetivo de reconduzir o ser vivo ao estado anorgânico.
Ambivalência para Winnicott
O pediatra e psicanalista Donald Woods Winnicott, por sua vez, definia esse conceito como uma integração de sentimentos amorosos e destrutivos. Para que você entenda melhor o pensamento do psicanalista, é preciso ter em mente que ele entendia a ambivalência como uma aquisição no desenvolvimento emocional de uma criança.
Ou seja, em linhas gerais, Winnicott defende que uma criança precisa reconhecer, em certa fase do seu desenvolvimento, que a sua mãe é alvo de seus ataques (na fase de excitação) e também do seu afeto.
Segundo ele, essa ambivalência precisa ser experimentada e tolerada por esse indivíduo. Assim, quando isso ocorre, pode-se afirmar que a criança teve um crescimento saudável e que está avançando em seu amadurecimento.
O sentimento de culpa como um “ceder ao desejo”
Nesta frase de Lacan, “só se sente culpado quem cedeu ao seu desejo”, temos elementos para pensar com mais profundidade o tema da ambivalência.
- O que a frase não quer dizer: ceder ao desejo gera sempre culpa.
- O que a frase quer dizer: toda culpa pode ser vista como uma recriminação ao desejo que foi atendido.
Então, por uma abordagem da lógica, a frase está debatendo que toda culpa vem do desejo, mas nem todo desejo vai gerar culpa.
Ou seja, o desejo seria condição necessária não condição suficiente para um sentimento de culpa. Na frase de Lacan, há a ideia de que uma cessão ao desejo pode em algumas situações desdobrar-se em culpa, nos casos em que o ego passe a considerar que precisaria ter “ouvido mais” o superego.
Por exemplo, uma pessoa pode identificar-se com uma orientação sexual e assumi-la, sem que isso lhe acarrete culpa. Então, eis um exemplo de que nem sempre ceder ao desejo vai resultar em culpa.
Por outro lado, uma pessoa pode ceder a um desejo, por exemplo, manifestando sua agressividade contra outra pessoa, ou desejar o mal (ou até mesmo a morte) a outra pessoa, e pode depois sentir-se culpada por isso.
Podemos pensar que o ego faz a mediação entre atender às satisfações do id e, ao mesmo tempo, observar os ideais e interdições do superego.
Então, quando o ego está fortalecido e compreende que determinado desejo é coerente com o “eu”, não haveria sentimento de culpa.
Agora, quando este ego cede a um desejo e, depois, o ego começa a remoer se determinado ato ou pensamento foi moralmente certo ou errado, pode estar entrando em cena o papel interditor do superego.
O ego, ao lidar com determinados desejos, demonstra ‘idas e vindas’ que caracterizam a ambivalência. Então, na ambivalência:
- o ego pode estar atuando como uma balança,
- verificando se ter atendido ao desejo (ou ao menos ter desejado) foi legítimo pela satisfação que isso lhe traz (ou trouxe)
- ou ilegítimo, pelos ideias e proibições crivados no superego.
Em síntese:
- ausência de culpa = satisfação e desejos do id -> alinhados com o que o ego percebe sobre si e com o superego do sujeito.
- presença de culpa = satisfação e desejos do id -> desalinhados com o que o ego percebe sobre si e com o superego do sujeito.
O ‘eu’ entende que determinada orientação ou conduta é ‘certa’ ou ‘errada’, e não se trata de um erro ou pecado universalmente aceitos.
Culpar-se pelos desejos a que (não) cedeu
O conceito de ambivalência nos serve para mostrar que ego, id e superego não são estanques (imóveis). E que é parte do humano reavaliar-se continuamente por meio de autocríticas, sendo que estas reavaliações podem lidar com sentimentos ambivalentes, ambíguos.
Por exemplo, é preciso compreender e analisar o desejo de desejar o mal a alguém (inclusive em terapia). Há uma determinada satisfação nisso, como o há em todo desejo.
Isso não significa que devemos realizar este desejo no mundo material, mas, de certa forma, mentalmente o desejo já se realizou. Em terapia, o procedimento seria não pensar “eu nunca deveria desejar o mal a alguém”, mas sim “o que está me levando a desejar o mal a alguém?”.
E também não significa que algo aceito ou recriminado continuará assim na mente de uma pessoa, já que, pela via da ambivalência, esta percepção pode se modificar ou se tornar mais fluida.
Interessante também complementarmos nossa análise por um outro aspecto: a possibilidade de um sentimento de culpa por não ter cedido a um desejo. Neste caso, é como se o “eu” percebesse (ainda que de maneira fantasiosa, não importa) que poderia ter satisfeito mais seus desejos e cedido menos ao superego.
Então, apesar de ser menos palpável (por ser algo que não aconteceu), é plenamente possível pensarmos também no arrependimento em alguns casos por não ter cedido aos desejos:
- ausência de culpa = não escutar o superego -> alinhar-se com o que o ego percebe sobre si e ceder ao desejo.
- presença de culpa = escutar apenas o superego -> desalinhado com o que o ego percebe sobre si e sem ceder ao desejo.
Observamos, assim, que tanto o superego quanto o id podem tentar “reescrever” uma decisão do ego, no sentido de responsabilizar o ego pelos excessos e pelas faltas.
Abordagens diferentes sobre ambivalência
Buscamos apresentar neste artigo o que a Psicanálise tem a dizer sobre o conceito de ambivalência. Primeiramente, nós mostramos a definição encontrada nos dicionários. Os psicanalistas relacionaram o conceito a questões muito mais complexas.
No caso de Freud, a ambivalência está presente nas proibições impostas por autoridades das sociedades primitivas e na própria noção de tabu. Já no caso de Winnicott, o conceito está relacionado ao processo de desenvolvimento de uma criança.
Assim, você pode perceber que são duas abordagens totalmente diferentes dentro da mesma área.
Isso porque a Psicanálise é um ramo do conhecimento muito rico. Muitos estudiosos contribuíram com as suas pesquisas para a construção do entendimento atual da mente humana e do comportamento das pessoas. Tendo isso em vista, nós te convidamos a conhecer essa área de forma mais intensa e completa.
Considerações finais sobre ambivalência
A ambivalência é um conceito importante que pode nos ajudar a entender melhor nossa própria mente e nossas relações com o mundo ao nosso redor. Ao reconhecer a ambivalência em nós mesmos e nos outros, podemos aprender a lidar com ela de forma mais saudável e construtiva.
Caso você tenha gostado deste artigo sobre ambivalência, não deixe de compartilhá-lo com os seus conhecidos. É sempre importante que as pessoas conheçam um pouco mais sobre a área da Psicanálise.
Nós também te convidamos a ler outros de nossos artigos. Há muito conteúdo desse ramo do conhecimento esperando por você.
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19 thoughts on “Ambivalência: significado em Psicanálise”
Sou atraído pelo tema, relativamente para aperfeiçoamento de uma “temática que desenvolvo”:
O momento real em que um alcoólico efetivamente “entra em recuperção”.
Me interesso muito por este tema Helio.
Fiquei interessada em conhecer a temática de sua pesquisa, Helio Petramali. Espero que conclua e de alguma forma eu tenha contato com ela .Te desejo sucesso. Tenho um familiar com esse distúrbio.
Interessante esclarecimentos! Parabéns!
Muito proveitoso este artigo, pela articulação que fez entre as instâncias psíquicas, e entre estas e aspecto da moralidade e da cultura.
Muito obrigado!
Conteúdo super proveitoso, confesso que estou amando ler, a psicanálise tem sido algo maravilhoso na minha vida. Esse curso é muito bom. Nunca li tanto como leio aqui no curso, ser psicanalista não é nada fácil rsrs, Amando tudo.
Estou nesse momento estudando o um dos módulo do curso e esse artigo me deixou muito esclarecido sobre o conceito de ambivalência. Parabéns!
Vale a pena fazer este curso!
Estou encantada e o grande desafio que nos é proposto é escrever sobre cada módulo, o que de uma certa forma vai nos dando refletir sobre o conteúdo!
Não vejo a hora de chegar na parte II que é a análise!
Estou iniciando o curso: confesso que meu sentimento é de despertar! O conteúdo e abordagens estão sendo de grande valia… Parabéns pela explanação da temática.
Liliene, estamos feliz por estarmos juntos neste percurso!
Será que os governantes ditadores da história da humanidade eram ambivalentes? Fica a questão. Ótimo conteúdo!
É incrível como nos percebemos em muitos aspectos da ambivalencia. O texto é muito rico e bastante escalrecedor. De fato, traz um conhecimento que nos ajudar a lidar com nossos próprios sentimentos e pensamentos ambíguos como reconhecer em outros a nossa volta. Obrigado por nos proporcionar um saber tão rico.
Excelente matéria. Muito esclarecedora. Temos a ambivalência em nós, ou somos ambivalentes, em muitas atitudes diárias e quase não a percebemos. Por isso, a necessidade de nos auto analisarmos com frequência, principalmente os nossos pensamentos e atitudes.
Outra coisa que gostaria de comentar, que pode ficar restrita ou sem publicação nesta secção. É que estou fazendo o Curso de Terapia de Casal e está sendo muito ótimo. Esclarecer e rico de informações. Excelente professora, firme na transmissão do conteúdo, mas principalmente no condução dos comentários e participação dos alunos, de modo a não deixar tumultuar o ambiente e perder o foco das aulas. Parabéns!
Outro ponto importante: estou relendo as apostilas do Curso de Psicanálise Clínica e estou verificando o quando foram enriquecidas de novos textos e vídeos aulas, durante os últimos anos. Ou seja, estão cada mais completas e enriquecidas com novos materiais e comentários. Curso completo e muito didático. Sou membro há alguns anos e percebo o crescimento do IBPC.
Parabéns a toda equipe do Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica. Excelente!!!!
Muito obrigado pela gentileza das palavras, Jacinto! Estamos felizes por estarmos juntos neste percurso em Psicanálise!
Excelente artigo. Parabéns!!
Podemos concluir que a culpa é a divergência psíquica entre o desejo e superego?
Ronaldo, obrigado pela mensagem. Podemos pensar sim como uma divergência entre desejo vs vida social, entre id vs superego.
Muito valiosos os conhecimentos aqui adquiridos. Parabéns!!!
Muito proveitoso este artigo, pela articulação que fez entre as instâncias psíquicas, e entre estas e aspecto da moralidade e da cultura. Vejo nesses artigos, coisas relevantes para algumas pessoas que não consegue perdoar, principalmente membros familiar.
Bom Dia! Muito obrigado!