Você vai entender o que é Amor transferencial em psicanálise e na terapia analítica. “Se existe um objeto do teu desejo, ele não é outro senão tu mesmo” (Jacques Lacan).
Lacan nesta sua famosa colocação sobre o ato de amar, que sintetiza os conceitos desenvolvidos no Seminário 8 a respeito da transferência, afirma que “amar é dar o que não se tem, a alguém que não o quer.”
Dessa forma, podemos definir o amor como o ato de doar ao outro a falta reconhecida em si próprio, o desejo in natura de desejar-se, levando-nos de volta a outra máxima lacaniana ao concluirmos que “se existe um objeto de teu desejo, ele não é outro senão tu mesmo”, pois que, o amante faz-se objeto amado para encontrar no semblante que apresenta ao outro, a satisfação de seus próprios desejos.
Significado de amor transferencial
“Tornamos a compulsão inócua, e na verdade útil, concedendo-lhe o direito de afirmar-se num campo definido. Admitimo-la à transferência como a um playground no qual lhe é permitido expandir-se em liberdade quase completa e no qual se espera que nos apresente tudo no tocante à pulsões patogênicas, que se acha oculto na mente do paciente. Contanto que o paciente apresente complacência bastante para respeitar as condições necessárias da análise, alcançamos normalmente sucesso em fornecer a todos os sintomas da moléstia um novo significado transferencial e em substituir sua neurose comum por uma neurose de transferência, da qual pode ser curado pelo trabalho terapêutico.” (Freud, 1914/1980, p. 201)
Assim, temos no par analítico (interação analisando-analista) um dos mais propicieis terrenos para o aflorar de todas as possíveis nuances das mais altas expressões do ato de desejar, pois como não amar a um outro que supõe-se deter o saber da cura de todas as possíveis formas de sofrer? Como não desejar a satisfação de continuar repetidamente a gozar mesmo quando inconscientes do real objeto desse gozo?
Como não caminhar para negar as verdades que torturam, transformando o espelho que grita o “Eu” em um amante que sussurra o “Outro”? Doa a quem doer, repetir é preciso para que se faça presente o “Outro” a nos responder “o que quer” (Che vuor?) travestido do véu de prazer que no suposto amar, se lança a encobrir as vistas que miravam a angústia transbordante das verdades que refletem os que se fazem objetos; que miravam tudo que deixaria em suspenso o conforto do não ser pela angústia do tornar-se.
“Inferimos desta experiência que a ideia transferencial penetrou na consciência à frente de quaisquer outras associações possíveis, porque ela satisfaz a resistência(…) Reiteradamente, quando nos aproximamos de um complexo patogênico, a parte desse complexo capaz de transferência é empurrada em primeiro lugar para a consciência e defendida com a maior obstinação.” (Sigmund Freud, 1912/1980, p. 138)
O amor de transferência no contexto psicanalítico
O amor transferencial surge então, se não adequadamente manejado pelo analista, como uma das maiores formas de resistência ao processo de desconstrução e ressignificação de tudo que se faça sintoma, ao tentar escorraçar o analista de sua função proposta no “contrato analítico”, reduzindo-o de desconfortáveis porém “curativos” ecos de verdades que transformam, à múltiplas “revivências” de afetos passados, tão-somente plenos do poder das mais camufladas formas de fazer gozar como profundamente entrelaçados às mais variadas formas de sofrer.
“Logo percebemos que a transferência é, ela própria, apenas um fragmento da repetição e que a repetição é uma transferência do passado esquecido, não apenas para a figura do médico, mas também para todos os outros aspectos da situação atual.” (Freud, 1912/1980, p. 197)
O que é amor transferencial e qual o papel do analista?
A partir dessa abordagem, pode-se propor como factível o conceito de que, uma vez no setting analítico, independente de seus desdobramentos e distintas colorações, no amor transferencial, não estamos lidando com o ato de amar, mas com as súplicas de um ser que sofre a ansiar por continuar a sofrer, quando em essência lhe é desconhecida qualquer possibilidade diferente de vir a ser.
Desse modo, cabe ao analista consciente de sua posição de objeto de transferência e responsável fundamental pelo cumprimento do “acordo analítico”, o manejo de tudo que supostamente lhe seja endereçado dessa ordem, de modo a impedir, tanto que os anseios do analisando sejam atendidos, quanto que sejam de súbito reprimidos, pois atender ou reprimir “o amor não amado” seria trazer para o “real” do paciente apenas mais uma forma de sofrer recém-deslocada, pois como poderia um ateu tecer um discurso de amor ou ódio a um Deus do qual não crê a existência?
Caberia então ao analista o caminho do meio, agindo pelo não agir ao manter-se estritamente como objeto, que ao abdicar do julgar ou de outra esfera desejar, trabalha incansavelmente, a fim de criar um ambiente favorável ao desmascarar de todos os “outros” que repetidamente “falam” impedindo o analisando de com sua própria voz falar, desconstruindo assim toda a cadeia de sons aprisionantes que, uma vez ressignificados, germinarão de súbito brandar, as infinitas possibilidades de tudo que antes sofria e agora se faz amar. E eis o verdadeiro amor, quando o paciente aprende a amar-se e o analista reafirma o puro amor pela arte de analisar.
Este conteúdo sobre o significado de amor transferencial em psicanálise foi escrito por Daniel S., Psicanalista Clínico, autor, colunista e colaborador literário em Psicanálise e Filosofia (Instagram @psicanalise.br), tel. (12) 992168966.