Big Brother Brasil

Big Brother Brasil: análise do BBB para a Psicanálise

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Como um programa como o Big Brother Brasil pode alcançar uma audiência tão significativa? No dia 17 de janeiro de 2022, início do programa, foi registrada uma audiência de 27.6 pontos de média e 30.2 pontos de pico, quer dizer, um público expressivo.

O Big Brother Brasil reúne um grupo de pessoas com diferentes histórias e suas complexidades, atraindo multidões de telespectadores diante da tela. É o que vamos abordar, eu e você, como está no trecho da música do Paulo Ricardo, o nome dela é vida real, aliás, música de abertura do BBB: “tem que ir até o final”, isto é, até o final deste artigo.

Vamos começar, antes de entrarmos na casa mais vigiada do Brasil, com o que é elementar, isto é, o ser humano como um indivíduo voltado para a convivência social.

Big Brother Brasil e o convívio em sociedade

Sociedade é um conjunto de acordos para o bom convívio dos seres humanos. Os acordos servem para haver, digamos assim, uma espécie de equilíbrio entre as pessoas. São as chamadas regras sociais, em outros termos, elas servem para mediar os gostos individuais, o que é parte da identidade do cidadão, com o que é importante para o corpo social.

Sendo assim, todos buscam uma harmonia na sociedade. Sociedade é um termo que veio do latim, “societas”, explicando melhor: “socius” e acrescentando o sufixo “tas”, ele funciona como uma espécie de agente de qualidade.

Temos como tradução: “associação amigável com os outros”. A raiz da sociedade é a boa convivência, pelo menos deveria ser. A sociedade é uma importante ferramenta para que as pessoas vivam em espaços comuns. Concedendo bem- estar para os cidadãos, repito: pelo menos deveria ser.

A estrutura social

A estrutura social convida o homem para a experiência do conviver, ou seja, perceber que outro também é importante. Sob o viés da psicanálise, a sociedade possui fins protetivos, isto é, conforme o neurologista Sigmund Freud, o psíquico humano é elaborado a partir de três instâncias: ID, EGO E SUPEREGO.

O ID é a parte instintual do ser humano: são os desejos, os impulsos destrutivos e acobertados pelos comportamentos ditados pelas instituições sociais. A sociedade visa controlar o ID por meio dos conceitos morais já acionados na fase da infância do sujeito através dos pais e demais meios: escola, a convivência com outras crianças e assim por diante.

Portanto, a conexão entre o ID e o ambiente externo faz surgir o EGO, ele controla os impulsos do ID. Ele procura, expliquemos assim, um resultado na interação entre o ID e o ambiente, por exemplo: a pessoa está com fome, ela não vai invadir um restaurante para saciar sua fome aos trancos e barrancos, impulso do ID, tal ação poderia acarretar sérios problemas com a polícia.

O ego dos participantes do Big Brother Brasil

O EGO, para proteger o indivíduo, apresenta alternativas: tem dinheiro na carteira? Entre restaurante, não tem? Deixe para quando chegar em casa. O papel do EGO é harmonizar o impulso e o racional. Já o SUPEREGO é a parte moral da pessoa, ele separa o que é certo e o que é errado. São as forças inibidoras, ele tenciona o ser humano a caminhar sob os conceitos corretos da sociedade. Destarte, o EGO tem o papel de apaziguar os ímpetos do ID e as cobranças do SUPEREGO.

Elaborando o desempenho do ser humano no ambiente social. Imagine se o ID predominasse na estrutura psíquica do homem, leitor? Seria cada um por si. Na verdade, voltando a Freud, ele definiu o ser humano como um ser de duas vias: uma via voltada para a vida e a outra voltada para a morte. O conteúdo para o viver está voltado para o que é criador e expansivo, a busca pela sobrevivência e o cuidado, etc.

O da morte é voltado para o que é destrutivo, retrocesso, animalesco e exclusivo. O ser humano até que não faz o mal, as balizas morais estão aí para isso, entretanto, o conteúdo da destruição, mesmo ele não fazendo, está vivo em seu psíquico, pronto para sair. A sociedade tem como finalidade de expandir o que é voltado para a vida e conter o conteúdo destrutivo. A sociedade visa preservar.

O homem é lobo do próprio homem x sociedade

O título acima foi mencionado pelo filósofo Thomas Hobbes. De acordo com ele, o ser humano é destrutivo por natureza e movido pela autopreservação. A sociedade visa regular os instintos humanos que visam destruir. Para o filósofo, paz e segurança são palavras próximas e instrumentos políticos com a finalidade de preservar. Sendo assim, para a violência ser contida, o homem produz cultura: arte, literatura, entretenimento, em outro termos, ele canaliza os impulsos agressivos em produções voltadas para a vida.

Vamos pegar como exemplo o espaço da arte e seus direcionamentos psicológicos: obra e autor estão próximos, melhor dizendo, ela, narremos assim, revela a personalidade e vida do autor. Arte e artista são inseparáveis, de acordo com Silva (1984, p. 17), “negar isso é o mesmo que negar as leis da hereditariedade, isto é, tentar ocultar traços biológicos que identificam os filhos com os pais.” A obra de arte tem como característica principal a marca de quem a fez.

O criador está refletido na criação, os seus traços personalísticos, indiretamente ou diretamente, estão ali. Na afirmação de Silva (1984, p. 18), “a arte é, evidentemente, o refúgio do artista.” É nela que os seus conflitos são apresentados, mesmo não querendo. O pensamento tem poder absoluto na arte, em cada linha escrita pelo autor existe uma reação afetiva, uma satisfação real. Os fatores sociais também repercutem na criação artística, ou seja, o artista não é um indivíduo isolado.

O artista no Big Brother Brasil e a realidade social

O artista é alguém que está adequado em uma dada realidade social, sua personalidade repercute por entre as suas condutas. Arte é a manifestação de sentimentos do criador, onde os mesmos são influxos psicológicos e que necessitam de interpretação. A psicanálise é a área aparelhada para explicar o ato criacional. Ela atinge o íntimo da criação, mostrando os caminhos para o porquê de determinada ação artística.

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    Observando as emoções ali intrincadas: complexos, recalques, frustrações, neuroses, fatores que influenciam na obra. Portanto, compreender o ato criador é conhecer os aspectos subjetivos do artista. Silva (1984, p. 29), “pois arte fabricada não é sentida, inspirada; deixa de ser espontânea.” O sentido da arte está no desabafo do artista, isto é, arte sem o sentimento é artificial, ela não parte do interior do sujeito.

    A arte precisa de sinceridade, é o autor refletido na obra. Arte é, pois, a confissão simbólica de segredos inconfessáveis. O ato humano é sempre feito a partir da sublimação, isto é, ele descarta os comportamentos tidos como hostis e utiliza os comportamentos aceitáveis pela sociedade. A violência não é um produto da cultura humana, mas ela é parte da natureza humana. E tal parte está na casa mais vigiada do Brasil.

    Entrando na casa mais vigiada no Brasil

    O BBB é um misto de suspense e participação do público. O público vota semanalmente para excluir um participante da casa. Na casa, exclusão é sinônimo de paredão, ou seja, ele possui uma significação extremamente forte para o participante: sair da casa significa sair dos sonhos, das ideias planejadas, da tão desejada fama, dos auxílios financeiros e materiais prometidos, etc. O dia a dia dos “brothers” parece ser calmo: conversas, namoros, musculação, festas, mas eles sempre estão procurando formas de derrubar o outro.

    Podemos observar pelas alianças, traições, simulações, diretas, indiretas, brigas e o mais. Claro, eles fazem isso porque existem apenas duas opções: a fama ou o anonimato. Anonimato é sinônimo de execução sumária, afinal, vivemos em uma sociedade das imagens, aparecer é ser.

    O BBB possui critérios para alcançar à fama? Tudo é muito complexo: amizade? Sedução? Trapaça? Proatividade? Esforço? Talvez nem tenha critérios. O programa também é feito de provas, elas, digamos assim, determinam condições e posições dos participantes. Posições e condições que refletirão ao longo da semana: alimentação, o castigo previsto, etc. E prova do anjo?

    O castigo

    Onde o participante escolhe um castigo para submeter outros “brothers”, eles geralmente são fantasiados e expostos em situações de esgotamento. Fora as provas que envolvem as ações do tempo, a proibição de ingerir alimentos e líquidos, a repetição exaustiva de movimentos, a privação das necessidades fisiológicas e outras coisas mais. E do outro lado da tela está o telespectador, ávido em tomar decisões acerca da existência ou não da pessoa na casa.

    Paredão e eliminação no Big Brother Brasil

    O BBB é um programa em que a pessoa precisa resolver tudo na raça e na coragem. O início é sempre muito bom, o confinado apenas precisa avaliar o ambiente, procurar semelhanças entre as pessoas e constituir amizades. O jogo começa e as amizades vão diminuindo, claro, o sentimento de eliminação anda lado a lado na vida do indivíduo. A pessoa sempre está em busca de uma posição social dentro do grupo, pois a casa está em constantes dinâmicas para a produção de determinados comportamentos.

    Como por exemplo: as festas, com álcool em excesso, servem para gerar exposição do confinado. A prova do líder serve para informar que existe uma competição e uma competição com muito estresse. O paredão, como já foi mencionado, é a materialização da perda, é um espaço de muita ansiedade e medo. O emparedado é alguém que está no fio da navalha, no tudo ou nada, ainda mais: ele está nas mãos dos outros, dos telespectadores. O paredão é nada mais do que a satisfação de desejos sádicos. Sadismo é ter prazer no sofrimento ou na humilhação do outro.

    Na verdade, leitor, o paredão vai criando forma a partir da constante vigilância que existe na casa, eles são monitorados 24 horas. Sendo assim, os desafios e conflitos expostos são decisivos para a manutenção do voto do telespectador. Enfim, “o reality show” aqui abordado oferta uma demanda significativa de sofrimentos para o público saciar suas necessidades internas. A programação do BBB oferta o direito de extravasar o lado destrutivo. É testemunhar o sofrimento e seus rituais, assistir provas exaustivas e torturantes, humilhações, brigas e o restante.

    O inconsciente dos participantes

    Imagens assim saciam o que está guardado no inconsciente do telespectador, uma realização substitutiva dos conteúdos agressivos que estão reprimidos e recalcados. Identidades ofertadas para a descarga psíquica do público. Assim sendo, paredão para os confinados, purgação para os que assistem. O BBB é uma narrativa contemporânea com heróis e vilões, que desafia os castelos emocionais do público.

    Ele é uma oportunidade para o público dar respostas para os dissabores. Por exemplo: eliminar um participante é dar uma resposta para a vida e suas eliminações, seja numa entrevista de emprego, uma pessoa que não aceitou o pedido de namoro, etc.

    O “Big Brother Brasil” é o programa que apresenta o ser humano e sua complexa nudez psíquica, onde a cultura não alcança e os traços agressivos são o ápice do desenrolar da trama. Os participantes, como grupo, vivem uma lógica própria, estipulando um código de ética inventado, contornado pelo sentimento narcisista. São sentimentos reais caminhando sobre um roteiro ficcional.

    BBB e a sociedade de consumo

    O “reality show” nada mais é do que um sintoma de uma sociedade regida pelo capitalismo e o consumismo. Cada época produz suas ocorrências, sendo assim, o século XXI têm seus sintomas: Sucesso permanente na carreira; Corpo perfeito e jovial; Marcas e modas que precisam ser usadas; Alcances materiais conforme os ditos do mercado; Felicidade institucionalizada, ou seja, a pessoa não pode ficar triste; Um Instagram recheado de belas fotos, imagens paradisíacas; Muitos amigos, família perfeita, etc.

    A sociedade não é uma referência estável, em outras palavras, ela muda continuamente e a pessoa precisa acompanhar. Ser parte dos cenários constituídos pelos paradigmas sociais. Séculos anteriores, as referências eram mais sólidas, duráveis: de família, de pai, mãe, filho, trabalho e outros.

    As referências atuais, além de serem passageiras, elas são internas, isto é, cada um possui uma decisão particular. A contemporaneidade dita o seguinte: a decisão é sua, o bem e o mal estão em suas mãos.

    A pós modernidade

    E com o advento da pós- modernidade, onde tudo é válido de crítica, a dimensão da solidão é a realidade preponderante, ou seja, cada um com seus princípios. A ideia do bem comum foi banida com o advento da demolição das referências estáticas. E com tal entendimento, seres humanos vão sendo constituídos com o peso da nulidade, assim dizendo, pessoas esvaziadas de sentido.

    E todos esses constitutivos sociais são elaborados com a finalidade de evitar o sofrimento, em outras palavras, o ser humano não quer enfrentar os desgostos e suas dimensões. A tecnologia está cada vez mais ampla, procurando afastar o ser humano dos males que o assombram: envelhecimento, dor, finitude e outros aspectos.

    O BBB é um espaço de idealizações, entretanto, com frustrações e não simbolizações, culminando para ansiedade, intolerância e desentendimentos entre os participantes.

    Saindo da casa mais vigiada do Brasil

    O “Big Brother Brasil” é, narremos assim, uma gladiatura atualizada. A Roma Antiga foi o berço da luta dos gladiadores. Eram ágeis e fortemente armados, lutavam entre si ou contra animais até a morte, isto é, até o fim. Novamente tenho na lembrança a estrofe da música do Paulo Ricardo: “tem que ir até o final”. O Coliseu era o espaço das lutas dos gladiadores, lutas que eram acompanhadas por uma plateia entusiasmada.

    Na verdade, leitor, as lutas tinham um objetivo: o enfraquecimento do pensar político do povo, isto é, a política do pão e circo. A política do pão e do circo objetivava conquistar o povo romano e sua confiança. É, leitor, o BBB é um espaço de luta, um Coliseu atualizado, com participantes, gladiadores, que estão dispostos para o que der e vier. A plateia, público, está atenta e entusiasmada com cada ação realizada.

    E a política do pão e circo? Sim, ela também faz parte do pacote BBB. A política do pão e circo é o paredão e a eliminação através do telespectador. Pois bem, tem outro trecho da música do cantor Paulo Ricardo, prometo que é o último: “se pudesse escolher”. O que você vai escolher ? Um Coliseu atualizado ou ter os pés bem firmes no chão da vida real? Reflita com muito carinho.

    Referências

    LIMA OLIVEIRA, Edson Fernando: O crime humano sob o enfoque da psicanálise. Disponível em: https://www.psicanaliseclinica.com/crime-humano/ Acesso em: 03 de janeiro de 2022. ———————————————: O desespero humano existencial. Disponível em: https://www.psicanaliseclinica.com/desespero-humano/ Acesso em: 17 de janeiro de 2022. VEIGA, Edson: Como um experimento famoso da psicologia explica (ou não) crueldade no BBB. Disponível em: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2021/02/05/como-um-experimento-famoso-da-psicologia-explica-ou-nao-crueldade-no-bbb.htm. Acesso em 26 de janeiro de 2022.

    Este texto sobre Big Brother Brasil BBB foi escrito por Artur Charczuk, formado em Letras, com ênfase em português e literatura (2010) pela Universidade Luterana do Brasil, ULBRA. Possui especialização em Línguas, Literaturas e Mídias (2011) pela Universidade Luterana do Brasil, ULBRA. Formado em Teologia (2015) pela Universidade Luterana do Brasil, ULBRA. Especializado em Ministério Pastoral (2017) pela mesma instituição. É psicanalista (2019) pelo Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, IBPC. É especializado em Tópicos Avançados em Psicanálise (2020) pelo Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, IBPC. Também é formado em Filosofia (2020) pelo Instituto Mineiro de Formação Continuada, ZAYN. Possui especialização em Aconselhamento Pastoral (2020) pelo Instituto Mineiro de Formação Continuada, ZAYN. Pós- graduado em Psicanálise (2021) pelo Instituto Mineiro de Formação Continuada, ZAYN. Também possui especialização em Psicanálise com ênfase em Psicologia Social (2021) pela mesma instituição. Graduando em bacharelado em psicanálise (2022-) pelo Centro Universitário Internacional, UNINTER. É pastor nas congregações Martinho Lutero e Cristo Redentor, São Leopoldo, RS. E-mail: [email protected].

    5 thoughts on “Big Brother Brasil: análise do BBB para a Psicanálise

    1. Mizael Carvalho disse:

      Parabéns pelo artigo! Penso que esse modelo de programa é um tipo de filme pornográfico. Com a diferença que agora é ao vivo! Melhor definição que ouvi foi essa dada pelo autor, “PÃO e CIRCO”.

    2. BBB- Bigode Bizarro Brazilian disse:

      BBB começou outra vez! É importante estar observando sob o viés da psicanálise. Somente ela concede o mais precioso sulco do saber.

    3. Israel Carvalho disse:

      Pois é, vamos que vamos, como disse Paulo Ricardo: “Se você soubesse o que fazer”.

    4. Mizael Carvalho 2 disse:

      Concordo com o meu irmão Mizael. O artigo está bom, agora com o BBB 23, ele vai ser bem importante. Verdade, pão e circo está em todo lugar.

    5. Bucho com gelatina disse:

      E esse BBB que está acontecendo está muito ruim, pad.

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