No início do século XX, a sociedade passava por uma transição significativa da rigidez vitoriana para o modernismo, refletindo-se nas artes, na literatura e na psicanálise. Freud, em ‘Os Chistes e sua Relação com o Inconsciente’, captura esse zeitgeist, explorando como o humor pode ser uma válvula de escape para as repressões sociais e pessoais da época.
A obra foi publicada por Sigmund Freud em 1905, quatro anos depois da Psicopatologia da Vida Cotidiana. O livro, no entanto, não obteve tanto sucesso quanto o anterior. Apenas alguns anos mais tarde é que encontrou um lugar confortável enquanto publicação.
Você já ouviu falar sobre esse livro? Não? Confira agora a análise dessa obra e sua relação com as piadas, o humor e o inconsciente para Freud!
Sobre o Livro Os Chistes, de Freud
O livro Os Chistes e sua Relação com o Inconsciente, escrito no início da década de 1900, traz a relação das piadas e suas motivações. Sigmund Freud analisa tais características e tentar compreender qual seria o real motivo delas serem contadas.
Além disso, ele aponta que o chiste está baseado em seis técnicas básicas:
- condensação — junção de duas palavras ou expressões para formar um equivoco;
- deslocamento — sentido de uma expressão é deslocado no discurso;
- duplo sentido — uma expressão ou palavra que possuem mais de um sentido;
- uso do mesmo material — uso das palavras para gerar um novo sentido;
- trocadilho ou chiste por semelhança — em que um expressão se refere ao outro sentido;
- representação antinômica — quando se afirma algo e logo em seguida a nega.
Mais de um século após sua publicação, os conceitos de Freud em ‘Os Chistes’ ainda continuam ressoando, especialmente na era das redes sociais, onde o humor frequentemente serve como um meio para explorar e expressar questões complexas da psique humana.
Os Chistes e sua Relação com o Inconsciente
Como já diz o título, o livro trata da análise psicanalítica do humor. Utilizando o espírito metódico característico, Freud analisa a técnica por trás das piadas. A partir dessa análise, ele conclui que elas têm a mesma função e origem que os sintomas psíquicos neuróticos, os sonhos e os atos falhos.
Ou seja, o chiste é também uma forma de expressão do inconsciente. As piadas, principalmente as tendenciosas, serviriam como uma forma de liberar determinados pensamentos inibidos. Isto é, pensamentos que foram objeto de recalque.
Em seu livro, Freud chamou a atenção para o fato de que o cômico não foi objeto de muitos estudos até então. Nem na psicologia, nem na filosofia. Ainda hoje, mais de um século depois, o tema continua menos explorado do que poderia.
Um dos aspectos que explicaria essa alta de interesse científico seria que grande parte do prazer envolvido na piada é inconsciente. Tanto para quem pratica quando para o receptor.
O humor como porta para o inconsciente
Entender esse processo inconsciente, que constitui o chiste, é completamente dispensável para se entender o chiste em si. Isso quer dizer que você não precisa compreender a motivação inconsciente de uma piada para achar graça dela.
Dessa forma, as explicações quanto ao mecanismo da comicidade não despertam grande interesse historicamente.
Em um primeiro momento, vemos o autor analisando alguns conceitos críticos para compreender porque a piada é engraçada para nós. Ou seja, o que nos faz achar graça. Assim, ele analisa estilos de estrutura dos chistes, como aqueles baseados na fusão ou na modificação de palavras.
Com isso, ele compreendeu que as intenções de cada um são elementos importantes para determinar qual estilo ou forma de chistes essa pessoa utilizará.
Piadas Tendenciosas do Livro Os Chistes e Sua Relação com o Inconsciente
Freud se preocupa, ainda, em tratar das piadas tendenciosas e das inocentes. Freud ressalta, no livro já mencionado, que o chiste inocente é quase sempre responsável apenas pelo riso moderado, ocasionado principalmente pelo seu conteúdo intelectual. Por exemplo, piadas de “toc toc”, que não contêm um sentido mais amplo e profundo.
Enquanto o chiste tendencioso é aquele capaz de provocas uma explosão de riso. Esse fato, observável empiricamente, teria sido o que demonstrou ao autor a impossibilidade de deixar de lado em sua pesquisa o chiste tendencioso.
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O autor coloca ainda que, como os dois tipos de piadas possuem a mesma técnica, o tornaria o chiste tendencioso irresistível. Isso seria por que, por conta de seu objetivo, ele poderia possuir fontes de prazer das quais as piadas inocentes não poderiam acessar.
Quando se refere às piadas tendenciosas, quer dizer apenas que ela possuem uma tendência ou um objetivo específico. Enquanto a graça das piadas inócuas ou inocentes se encontra em sua técnica, a das tendenciosas deriva tanto da técnica quando do conteúdo expresso por ela. Seu objetivo último é o de satisfação de desejos inconsciente.
Entendimento das Piadas Tendenciosas e humor para Freud
Para Freud, as piadas tendenciosas seriam uma forma de nos esquivarmos de nossas inibições para expressar nossas pulsões ou nossos conteúdos mentais inconscientes. Nesse sentido, elas são utilizadas para que expressemos tudo aquilo que não poderia se tornar consciente por outros meios. É como a função do sonho.
Assuntos de cunho sexual, por exemplo, que não costumam ser tratados abertamente com pessoas pouco próximas, podem ser trazidos a tona por meio dos chistes. Basta perceber como as piadas que utilizam esse tipo de conteúdo provocam riso.
O humor como estratégia para o recalque
Como dito anteriormente, ao contar uma piada, principalmente se ela for tendenciosa, se expressa pensamentos reprimidos. Nesse caso, pode-se perceber o humor como um mecanismo para lidar com o recalque.
Onde, o recalcado tem a liberdade para se expressar sobre assuntos que estavam reprimidos até então. Por exemplo, piadas de conteúdos “proibidos socialmente”, o chamado “humor negro“.
Um exemplo
Freud dá em seu livro um exemplo muito interessante, que acredito que possa ajudar todo mundo a compreender essa noção.
O autor conta a história de um rei que andava pelas ruas de seu domínio. Enquanto caminhava, encontrou um aldeão que se parecia muito com ele. Tamanha era a semelhança que o rei parou para conversar com o súdito. O rei então lhe perguntou “a sua mãe já esteve na corte?”, ao que o aldeão respondeu: “não, senhor, mas meu pai sim”.
Nesse caso, temos uma piada cuja fonte de prazer se encontra tanto na técnica quando no conteúdo que ela expressa. Pensemos primeiramente no conteúdo. O rei, ocupante da mais alta posição de poder, zomba de um aldeão através de uma insinuação sexual. O aldeão, que deve servir e respeitar seu rei, não poderia ofender a ele ou à sua mãe diretamente.
Por meio de uma piada, no entanto, ele consegue expressar seu desejo de respostas que, de outra forma, seria barrado antes de alcançar seu consciente.
Quanto à Técnica
Quanto à técnica, Freud acredita que quanto mais velado estiver o conteúdo da piada, mais bem elaborada ela é. E, portanto, mais cômica. Continuando com nosso exemplo, podemos demonstrar o nível de elaboração desse chiste analisando o pensamento por trás da piada.
Se eliminamos a técnica e olhamos só para o conteúdo, a resposta do aldeão seria diferente.
Ele diria “não, senhor, o seu pai não fez sexo com a minha mãe, mas o meu pai pode ter feito com a sua”. Além de uma forma de insultar a mãe do rei (de acordo com as normas sexuais vigentes), a frase indica ainda que se algum dos dois é o resultado de uma relação extraconjugal, sendo caracterizado como filho ilegítimo, esse alguém é o rei.
Conclusão: os chistes na psicanálise de Freud
Assim como em ‘A Interpretação dos Sonhos’, Freud em ‘Os Chistes’ explora a complexidade do inconsciente. A interligação entre estas obras destaca a profundidade e a consistência do pensamento freudiano, onde sonhos e humor são vistas como janelas para o inconsciente.
Podemos perceber, portanto, que a piada é composta pela técnica e pelo conteúdo, e sua graça deriva de ambos. Ainda assim, Freud não conseguiu definir qual a proporção entre a importância desses elementos.
Assim, concluímos que os chistes para Freud são uma forma de expressão dos conteúdos inconscientes. Podemos dizer que a teoria freudiana destaca quatro formas de expressão vísivel de conteúdos inconscientes:
- os chistes: conforme explicado neste artigo;
- os sonhos: são as estradas que levam aos desejos e medos do inconsciente;
- os atos falhos: por meio de trocas “involuntárias” de palavras ou de gestos.
- os sintomas: é também uma forma com que a mente elabora uma dor recalcada em uma manifestação visível.
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16 thoughts on “Livro Os Chistes e sua Relação com o Inconsciente”
Bom dia.
É muito importante o material enviado aumenta o leque do conhecimento em nossa formação.
Att.
Nelson Tavares da Silva.
Muito bom o resumo, parabéns!
Excelente explicação, embora essa teoria freudiana seja muito vaga. Abraço!
Concordo!
Oi, Ana,não é vaga não… aprimore os estudos sobre o conceito de inconsciente e essa é a base
Muito interessante, parabéns!!!
Interessante o texto como inicio de entendimento deste tema.
Muito bom!
E ainda me fez sorrir….
coitado dos humoristas…tudo é analisado…..
Foi o que pensei, Vera.
Bem legal essa matéria e realmente verdadeira… conheço uns e outros contadores de piadas que são exatamente pique contam
Acho que aí não se trata do horista. Haja pulsões e recalques!
Muito bom artigo! Rir é um bom remédio! Parabéns!
Ana, não ter conhecimento do mapa o não contar gps, pode causar essa sensação de vago e desistir da procura do local desejado.
eu estava pesquisando sobre chistes encontrei esse artigo, vou me basear nele para escrever minha redação módulo II.
Meu muito obrigada!!
Agradeço pela partilha de conhecimento. Conteúdo riquíssimo!