Você já ouviu falar sobre a obra Ciúme em Machado de Assis? Continue a leitura para entender melhor o assunto,
Nascido em 21 de junho de 1839, Joaquim Maria Machado de Assis é um dos maiores escritores da língua portuguesa. Conhecido pela intimidade com as palavras, e pela fina ironia ao escrever romances psicológicos, as angústias e dúvidas de seus personagens, permanecem atuais. Quem não se lembra da Capitu do livro Dom Casmurro, “ A mulher dos Olhos de Ressaca”?
Escrito em primeira pessoa pelo personagem principal, o romance narra as desconfianças de Bentinho com relação a fidelidade de sua esposa Capitu . Até hoje leitores e fãs do escritor seguem em dúvida: Capitu traiu ou não Bentinho com o amigo Escobar ?
Apesar de ser um dos romances mais conhecidos do autor, neste artigo, falaremos sobre o primeiro romance de Machado de Assis: “ Ressurreição”. O livro retrata personagens tão intrigantes quanto os do romance Dom Casmurro, tendo o ciúme como tema principal.
Ciúme em Machado de Assis e Ressurreição
Escrito em 1872, Ressurreição é o primeiro romance de Machado de Assis. Apesar de escrito na fase romântica do autor, o livro revela o talento de Machado para construir personagens complexos, angustiados e corroídos pelas dúvidas amorosas. Os personagens principais Félix e Lívia vivem o doce amargor das idas e vindas do amor.
Félix No romance, Félix tem 36 anos de idade . Ele é apresentado por Machado como um solteirão convicto e avesso às responsabilidades do casamento. Mais adiante, o autor fala sobre o caráter do personagem : “ trata-se de um homem complexo, incoerente e caprichoso, em quem se reuniam opostos elementos, qualidades exclusivas inconciliáveis ( p.3).”
No segundo capítulo, Félix aparece terminando mais um de seus numerosos e passageiros romances. Desta vez, a vítima é Cecilia. E é o próprio quem se descreve para ela, justificando a separação : “(….) Sou um coração defeituoso, um espírito vesgo, uma alma insípida, incapaz de fidelidade, incapaz de constância. O amor para mim é o idílio de um semestre, um curto episódio sem chamas e nem lágrimas (p.7).
Ciúme em Machado de Assis: Lívia Lívia é a protagonista da obra
A viúva por quem Félix se apaixona. Ao vê-la pela primeira vez, ele fica impressionado com a beleza da moça. Porém estranhos sentimentos de ambivalência se apoderam dele : “ Parece-me orgulhosa; há de tratar a todos como vassalos seus.” ( p.12)
Ao contrário de Félix, Lívia já havia se casado uma vez e demonstrava ser uma mulher tranquila e madura. Sabia exatamente o que desejava de um relacionamento afetivo.
O Romance entre os protagonistas
Depois de muitas dúvidas vividas por Félix, para iniciar o romance, os dois começam a namorar. Com o desenrolar da história, Félix demonstra ser um homem inseguro e desconfiado. Por trás do destruidor de corações, que vivia romances de curta duração, escondia-se um homem inseguro. Capaz de duvidar das próprias qualidades : “ Que lhe posso eu dar que corresponda ao seu amor( p.27) ?”
Durante toda a relação entre os dois, Félix é corroído pelo ciúme. Suas desconfianças beiravam a patologia. Félix acreditava que o sentimento dela por ele “ era uma mistura de vaidade, capricho e pendor sensual.” (p.27).
Lívia não dava motivos para tamanho descrédito. Pelo contrário, estava sempre disposta a perdoar as infantilidades do homem amado.
Ciúme em Machado de Assis, Idas e Vindas
O romance seguiu entre idas e vindas. Várias vezes, Félix colocou a fidelidade de Lívia a prova. Quando a dúvida o assaltava, ficava distante, confuso e emburrado. Sentia pela mulher uma necessidade jamais sentida antes.
Passado o período da fraqueza sentimental, Félix descobria que os ciúmes eram improcedentes, pedia então perdão à mulher. Ela o perdoava, pois já conhecia suas angústias de homem inseguro. O casal passava alguns dias de paz.
Como bem descreveu Machado de Assis “ O amor de Félix era um gosto amargo, travado de dúvidas e suspeitas. Melindroso lhe chamara ela, e com razão; ( p.31).”
A carta de traição
O fim Perto de se casarem, Félix recebe uma carta anônima falando de uma traição de Lívia. A desconfiança, mais uma vez, transtorna o coração do protagonista . Ele nem procura a viúva para tirar a dúvida. Desaparece sem dar explicação. Decide não se casar. Lívia adoece. Depois de um tempo, Félix chega à conclusão de que a carta era falsa. Inseguro, ele procura a viúva e novamente pede perdão a Lívia. Espera retomar o romance.
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Ela o perdoa, mas não o aceita de volta. Passaram-se dez anos desde o romance. Lívia se afastou do convívio social. Nunca deixou de amar Félix. Já o amor existente nele acabou depois que deixou de ver a viúva. Mas ainda assim, depois de tantos anos, não acreditava no isolamento social da ex. No imaginário dele era apenas “uma dissimulação (p.79)” .
Breve mecanismo do ciúme em Freud. Vimos no romance de Machado de Assis, que o protagonista Félix é um homem cheio de desconfianças. Vivia duvidando do amor da mulher que dizia amar. Um desconfiado compulsivo. Um ciumento cheio de fantasias. Seus romances eram de curta duração . Ao tentar uma relação mais séria e duradoura, se viu traído pela mente fantasiosa.
Ciúme em Machado de Assis e Freud
A menor contrariedade, ele desconfiava da fidelidade de Lívia. De acordo com Freud, “ O ciúme faz parte dos estados afetivos que, como o luto, podemos chamar de normais” ( p.193) O ciúme normal, ou seja, aquele ciúme que ocorre de vez em quando entre os casais, não é preocupante e não há muito o que dizer sobre ele.
Freud então, divide o afeto em três fases :
- competitivo ou normal;
- Projetado e
- Delirante 1.1- Ciúme Competitivo ou normal
De acordo com Freud, mesmo chamando esse ciúme de normal, ele é fruto do medo de perder o ser amado. O ciumento vive em estado de rivalidade. Uma rivalidade dolorosa: o outro me venceu. Tomou o meu objeto de amor. Abriu uma ferida narcísica. Mexeu com o meu orgulho. Poderíamos até dizer que é o resultado de um amor próprio enfraquecido.
Embora normal , Freud escreve que esse tipo de ciúme não é racional. Na verdade ele é fruto do inconsciente. De lembranças afetivas da infância e “ nasce do Complexo de Édipo”. O que traz uma tristeza e um sentimento de desamparo profundos para o ciumento.
Ciúme Projetado
Segundo Freud ele é fruto “ da própria infidelidade praticada na vida ou de impulsos” ( p.194). Ou seja, o ciumento projeta suas tendências infiéis na outra parte.
Ele é o infiel da história, mas para aliviar-se da culpa, na mente dele, o outro que lhe é infiel. A relação sobrevive apenas se for baseada nestas tentações de infidelidade.
Ele é quase um ciúme delirante. Mas durante um trabalho analítico, o psicanalista descobre “ as fantasias inconscientes da própria infidelidade” ( p.195)
Ciúme Delirante
Para Freud, o pior ciúme. Seria uma forma clássica de paranoia. “ Esse também parte de anseios de infidelidade recalcados ( como o projetivo), mas os objetos dessas fantasias são do mesmo sexo da pessoa.” ( p.195)
No homem, Freud o descreve pela fórmula : “ Não sou eu que o amo, ela o ama”.( P.96) Ou seja, a admiração sentida pelo rival não vem dele e sim dela. O ciumento projeta a admiração pelo outro do mesmo sexo no objeto amado.
O pai da psicanálise alerta que num caso de delírio de ciúme, podem existir as três fases do ciúme misturadas.
Considerações Finais
Vimos resumidamente no romance de Machado de Assis, que Félix vive praticamente as três fases do ciúme. Porém, chamamos a atenção, para a segunda fase : o ciúme projetivo. Félix antes de conhecer Lívia, era um homem inconstante.
Não gostava de longas relações. Não acreditava em amor duradouro. Félix terminava um romance, e logo começava outro. Apaixonou-se por Lívia.
Nela passou a projetar sua inconstância amorosa. Sua incapacidade de namorar sem as tentações, desconfianças e fantasias que envolvem as relações de infidelidade.
Referências Bibliográficas
Freud, Sigmund, 1856-1939. Neurose, psicose, perversão; tradução Maria Rita Salzano Moraes. 1. Ed- Belo Horizonte : Autêntica,2020 – ( Obras Incompletas de Sigmund Freud;5) – Sobre Alguns Mecanismos Neuróticos No Ciúme, Na Paranoia E Na Homossexualidade ( 1922) – Texto-fonte : Obra Completa, Machado de Assis, Rio de Janeiro : Editora Aguilar, 1994. –Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1872.
O presente artigo foi escrito por Celamar Maione([email protected]). Jornalista – Com Pós em Direitos Humanos e Psicologia Forense. Autora de dois livros. Estudante de Psicanálise.
1 thoughts on “Ciúme em Machado de Assis: uma análise freudiana”
Sou aluna novata, fiz minha inscrição, e já estou estudando.