O consumo, enquanto tal, é uma necessidade nossa, enquanto seres humanos, ou seja, faz parte da nossa vida social. Todos somos consumidores, em variados graus e de diversos modos. Alguns consomem mais, outros menos. Alguns consomem produtos in natura, outros industrializados, outros, ambos. Só deixaremos de consumir no dia em que morrermos. Por isso destacamos a importância em diferenciar o consumo e consumismo
Aliás, se deixarmos de consumir, morreremos. Notadamente, consumir é algo inerente à espécie humana, mas também, de todo ser vivo. Todavia, uma das características mais nítidas da nossa contemporaneidade, é o consumismo. E se tratando de consumo e consumismo podemos elencar uma notável distinção.
Uma passagem contextual sobre o consumo e consumismo
Desde o advento da agricultura, a cultura tem passado por diversas transformações. Claro, todas elas acompanhando o contexto histórico e geográfico. Porém, a partir da ‘revolução industrial’, a produção é marcada pela passagem de uma manufatura (produzido por mãos) para um tipo de produção em escala, na qual se produz muito mais em menos tempo.
Além disso, em meados do século XX temos a chamada ‘indústria cultural’ como um grande movimento de profusão para a disseminação em massa de ‘cultura’. Mediante tanta produção e tantos produtos produzidos a serem ofertados, tem-se a pergunta: Como vender e fazer circular os produtos disponíveis pela indústria?
Bem, a promoção na divulgação de ‘cultura’ passa a ser um adereço fundamental de marketing para essa resolução. A ideia circulada e incutida agrega, de certa forma, valor ao produto, faz com que o produto deixe de ser um produto (seja ele qual for) e passe a tornar um status.
Sobre as marcas, consumo e consumismo
A intenção é que por meio daquele determinado produto usufrua-se de seu benefício, mas principalmente, de todo o status que aquele produto traz.
Assim, passa-se, em um instante, a não consumir mais um produto, um tênis por exemplo, mas sim, uma marca. A marca ganha um destaque imenso. Ela brilha e encanta, pois, no convívio social, ela traz status. O que importa não é mais o produto, mas a marca.
E ela, a marca, é um dos grandes meios de propaganda para incutir a ideia de uma necessidade que não se tem; de fazer com que o consumo daquele produto seja um meio de gratificação porque carrega em si aquela marca.
E o consumismo?
A arapuca está armada. Queremos consumir para ter status. Queremos consumir para termos valor. Queremos consumir para nos presentear. Enfim, o que era uma necessidade de consumir, passou a ser um desejo consumir.
Em um instante, passamos de consumidores para consumidos. Temos a disciplina para poupar uma quantia, até exorbitante, somente para possuir um determinado produto daquela marca. Ficamos com peso na consciência por não presentear alguém em uma determinada data comemorativa (pra não dizer comercial).
Nos sentimos culpados por nosso presente não estar em uma determinada faixa de valores. Não podemos deixar de lado o fato de que, cada vez mais, shoppings e centros comercias se abarrotam de pessoas loucas para consumir e aproveitar ao máximo as promoções (inclusive aquela em que não há nenhuma necessidade pelo produto).
Hipnotizados pelo consumo e consumismo
Cartões e mais cartões são ofertados concedendo um certo ‘poder’ aquele que o possui. Cartões presentes, cartões de desconto, cartões de crédito, débito, tem para todos os gostos. Então, viramos super-heróis nos corredores dos shoppings centers, nos bulevares, nas galerias, ou até mesmo nos sites de compras, idolatrando vitrines e mais vitrines em busca de um pouquinho de gratificação e bem-estar.
Somos engolidos, devorados, hipnotizados pela ideia de que o consumo desenfreado, o bem-estar, a felicidade está atrelada à aquisição de bens. Acredita-se que o vazio interior será preenchido por algum bem de consumo. Por um instante, somos tomados por uma carga de dopamina no organismo, nos sentimos bem, felizes, realizados….
Num instante seguinte, caímos em si, e aquele produto, se torna só mais um produto entulhados nas gavetas do guarda-roupas ou numa prateleira, ou em qualquer outro lugar, mas que, no fim das contas, perdeu o encanto, a graça, deixou de ser algo que nos traz um contentamento. Restam os extratos, as faturas, os débitos, e por aí vai.
No jogo do consumo, o que vale é comprar.
No fundo, a ideia do consumismo é rebaixar o ser humano à categoria de “consumidor”. Na modernidade líquida, termo cunhado pelo sociólogo Zygmunt Bauman, tudo acontece de forma muito rápida e dinâmica. As mudanças e transformações são constantes. Nada é feito para durar. O trânsito de um ponto ao outro é o ditado da norma.
De forma equivalente, o mesmo vale no que diz respeito ao consumo. Não consumimos para viver, mas vivemos para consumir. Há o lado lúdico de ‘comprar a coisa’, há o lado ‘ostentatório’, há o lado do ‘reconhecimento e pertencimento’, e outros… Se alguém está triste, a receita é comprar; se está feliz, é comprar.
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Independente do estado de humor, o consumo se torna um requisito essencial para se sentir pertencido a um grupo social, a uma cultura, para obter a fama e reconhecimento. No jogo do consumo, o que vale é comprar. As prateleiras das lojas se tornaram grandes farmácias a céu aberto em centros comerciais para curar as mazelas interiores que nos assombram.
O consumo e consumismo na Psicanálise
Um dos conceitos mais articulados e controversos da psicanálise é justamente a ideia de ‘falo’. Freud, ao introduzir o ‘falo’ ao glossário psicanalítico, foi muito criticado e até mesmo acusado de androgenia, por relacionarem o ‘falo’ ao pênis. No entanto, o ‘falo’ extrapola os limites biológicos e deve ser entendendo, para além disso, como um representante do poder.
Assim, com dinheiro podemos, de fato, comprar vários objetos fálicos. Podemos comprar residências, automóveis, bens duráveis e não duráveis, marcas, luxo, etc. Mas até que ponto esses objetos fálicos servem para tamponar uma falta, comprar um passado ou a presença de alguém que não está mais lá?
Vemos nesse ponto que há um cruzamento entre as propostas consumistas de promoverem uma certa ‘felicidade’ agregada ao poder e status e a tentativa de preencher uma falta interior com diversos ‘mimos’. Vê-se no consumismo uma espécie de tentativa de tamponar alguma falta em nós. Acaba que o desejo em preencher esse “algo”, esse lugar íntimo, faz do sujeito um escravo do sintoma.
O presente artigo foi escrito por Gerson Lopes([email protected]), psicanalista, formado em filosofia, pós graduado em neuropsicologia, psicologia social e antropologia, reside em Maringá – PR e faz atendimentos online. É de sua responsabilidade o perfil no Instagram ‘Psicanálise: idas e vindas’.