depressão hoje

Depressão hoje: sintoma e o novo sujeito

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A Depressão hoje traz muitas consequências negativas para a sociedade. A passagem da modernidade para a pós-modernidade trouxe uma nova forma de ver o mundo que, sem dúvidas, serviu como uma luva para neoliberais, os quais depositam toda sua fé nas ações individuais e desconfiam demasiadamente de mudanças sociais mais amplas.

Essa passagem implica também numa mudança profunda na formação das subjetividades dos indivíduos.

A Depressão hoje

Nesta era marcada pelo questionamento das certezas absolutas, das grandes narrativas, que por um lado, deixa o indivíduo isolado, vulnerável e cansado de si mesmo, traz em si mudanças perceptíveis a qualquer que deseja ver ou perceber:

– os laços sociais,

– a passagem da família extensa para família nuclear,

– a valorização do individualismo competitivo,

– a ênfase na sociedade do espetáculo (no sentido crivado por Guy Debord),

– o avanço no uso excessivo de informações,

– o empobrecimento da experiência (no sentido benjaminiano do termo).

Tais fatores, entre tantos outros que poderíamos colocar aqui, contribuem de maneira significativa para o empobrecimento da vida interior e sobretudo, social. É neste mesmo contexto social que vemos um avanço significativo da depressão, competição e individualismo.

A Depressão hoje e o neoliberalismo

O neoliberalismo, tido como uma doutrina econômica que visa sobretudo, a diminuição do papel do estado perante a sociedade, avançou tanto, mas tanto, que o que vemos é a passagem desta doutrina econômica ser completamente transformada em um modo de vida.

É por esta razão que há, por exemplo, um peso sobre os ombros que suportam o mundo e leva o indivíduo ao que Byung Chul Han há tanto tempo vem nos alertando: o avanço da sociedade do cansaço, este que não é físico, mas é sobretudo, cansaço de estar consigo mesmo o tempo inteiro.

Estando como uma ilha, distante de qualquer organização social, sendo responsável única e exclusivamente por si mesmo, há o avanço significativo da depressão, não como um sintoma meramente individual, mas, o seu contrário. Pois, sem saber o que fazer, ao olhar para os lados e ver que só há o eu individual sobre todas as coisas, o sujeito desesperar-se. O cansaço aqui é o fato do sujeito estar consigo o tempo todo, sem auxílio de ninguém.

A depressão: vida psíquica e vida social

Nossa vida é preenchida com uma rigidez abissal e com inúmeras atividades, nosso cotidiano tem exigido uma constante organização do tempo, como se o dia tivesse 50 horas. Esta é a primeira constatação a se ver de uma sociedade que fala constantemente em inovação, flexibilidade e mudança.

Esse excesso de afazeres que nos ocupa o tempo todo nos impede de vivenciar experiências, não há tempo para refletir, rememorar, pensar, assim como não há mais espaço para dor, sofrimento e angústia e muito menos, a compreensão de si e os motivos pelos quais decorrem tal tristeza. Há todo tempo somos interpelados para resolver, palpitar e nos colocar diante dos fatos.

Nos transformamos em sujeitos sabichões do presente. E é neste mesmo contexto que os estados de depressão são banalizados, generalizados e sobretudo, medicados, pois, alguns médicos sequer têm tempo de escutar seus pacientes. Tais ações desresponsabilizam o próprio sujeito diante de sua dor. “se o problema da depressão é considerado endógeno, devendo ser medicado, não há mais o que fazer, a não ser tomar passivamente a medicação e esperar o seu resultado”.

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    A individualização da vida

    É nesta mesma sociedade que curiosamente proclama a individualização da vida, faz tudo feito para você, oferece soluções mágicas e rapidamente nos coloca dentro do quadro da “normalidade” exigido pelo modo de produção vigente. E a elaboração do processo de compreensão da dor? Onde fica?

    Em meio a tanta pressa, a modificação da tristeza impede qualquer compreensão mais profunda de si mesmo, interfere na capacidade criativa de construção de novas referências, tornando-nos seres autômatos em meio à tanta correria. E é neste processo entre tantos outros que fazem-nos entender a depressão como um sintoma social.

    E o que seria um sintoma social? Maria Rita Kehl explica-nos que se trata de uma estrutura clínica que se encontra em desacordo com a normativa social, que denuncia as contradições do discurso vigente. É muito fácil identificar tais normativas sendo impostas em nosso cotidiano: a questão do tempo de cada indivíduo, seu desenvolvimento para com as coisas em contraste com o tempo do mundo do relógio, industrial e sobretudo, dinâmico, talvez seja a questão mais gritante e que está de maneira clara para que qualquer um possa ver.

    Mas será que as pessoas conseguem ver o que realmente acontece?

    Outra definição é muito importante acerca do sintoma e é elaborado pela mesma autora aqui citada. Citando Colette Soler, diz: “o sintoma não é só um modo de dizer, mas dentro do próprio sofrimento, modo de gozar, formação erótica, substitutiva, modalidade do laço social”.

    O sintoma na depressão hoje

    Neste contexto, o que seria então este modo de dizer, viver e sentir dos deprimidos? Ainda que pareça difícil traçar um perfil mais geral, parece-nos prudente traçar algumas pistas do que podem nos dizer alguma coisa a respeito. Por exemplo, uma evidência que nos óbvia é que o tempo de determinados sujeitos que sofrem é que o tempo deles não é o mesmo imposto pela sociedade capitalista. Clarice Lispector, Marcel Proust e Virginia Woolf são belos exemplos de pessoas que estavam à parte deste mundo e que viveram suas vidas de maneira muito peculiar.

    Também há outras formas de sintomas que para nós brasileiros são muito comuns devido à herança que temos carregado até os dias atuais. Trezentos anos anos de colonialismo e duzentos de dependência, e vinte anos de ditadura militar certamente fornece-nos um grande trauma que forma nossas subjetividades de maneira significativa.

    Esses sintomas não podem ser entendidos como se todas as pessoas deste país sofressem com tais males, mas, no entanto, o que tais sofrimentos revelam é a forma das pessoas lidarem com tais acontecimentos e como estes são simbolizados a partir da psicanálise, entendida como um fator social.

    Organização da sociedade

    O que tais sintomas revelaram foi uma brutal organização de sociedade, cujos resultados podem ser vistos pelo esquecimento e banimento da memória de muitos homens e mulheres que deram suas vidas para que tivéssemos ao menos uma sociedade menos pior que os tempos de outrora.

    De maneira geral, o que pode ser dito é: entristecer-se em meio ao avanço da loucura da razão econômica é estar fora do modo de produção, é ser uma espécie de radical descontente com o modo de vida que nos é imposto a todo instante.

    Depressão e o mal-estar no século XXI

    Analisar o aumento significativo das depressões como sintoma do mal-estar social no século XXI significa dizer que o sofrimento dos depressivos funciona como sinal de alarme contra aquilo que faz água na grande nau da sociedade maníaca em que vivemos. Que muitas vezes as simples manifestações de tristeza sejam entendidas (e medicadas) como depressões graves só fazem confirmar essa ideia.

    A tristeza, os desânimos, as simples manifestações da dor de viver parecem intoleráveis em uma sociedade que aposta na euforia como valor agregado a todos os pequenos bens em oferta no mercado Que sinal de alarme seriam estes que Maria Rita Kehl nos alerta?

    Em uma sociedade onde a exigência de si mesmo é incessante, de se adaptar às mudanças, de renovar-se, de se manter atualizado o tempo todo, (para isso há inúmeros coachs que ensinam o tempo todo) deprimir-se parece ser um sinal de derrota ou fracasso. A depressão como um mal estar do século XXI significa dizer que algo não vai bem.

    A depressão hoje e o mal estar da civilização

    Mas não é o indivíduo em si que não vai bem, é a sociedade com toda sua forma de megalomaníaca de organização manifesta o quanto parece ser intolerável viver de maneira diferente que não seja a euforia do espetáculo que é esta dinâmica incessante.

    O aumento significativo dos casos de depressão demonstra aquilo que um dia Freud chamou de mal estar da civilização, ou seja, um conjunto de fatores e problemas que influenciam de maneira direta a formação do homem e que vai impactar de maneira significativa em sua subjetividade.

    Este sinal formador de novas personalidades nos evidencia algo: que todas nossas manifestações que entram em rota de colisão com este modo de produção vigente mostram duas opções: ou nos adaptamos ou caímos em completo fracasso. Neste contexto, a culpa é única e exclusivamente sua.

    Referências bibliográficas: FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão, O mal-estar na civilização e outros trabalhos. (Volume 21 de Obras completas). São Paulo, Instituto de Psicanálise, 2018. HAN, Byung Chul. A sociedade do cansaço. Rio de Janeiro. Editora Vozes, 2019. KEHL, Maria Rita. O tempo e o cão: a atualidade das depressões. São Paulo.Editora Boitempo, 2019.

    Este artigo sobre Depressão hoje, seus sintomas e o contexto social foi escrito por Marco Rodrigues( [email protected]) – Escritor nascido em agosto de 1981, na cidade de São Paulo, conhecida por sua violência e crimes de amor. Dedica-se há alguns anos ao ensino de filosofia, literatura, história e etc. De sua vida, o que pode se dizer é que escreveu e publicou os seguintes livros: Descaso por acaso (editora Multifoco, 2015), Restos da decadência: pequenas histórias de todos os tempos – Volume I: Filosofia comum e formas de vida (ensaio filosófico -editora companhia dos autores, 2017) e Arquitetura do golpe, (Editora Multifoco 2019), Ódio à política, ódio ao pensar Clube dos autores (2021) Linguagem e ideologia: entre o signo e o marxismo. Clube dos autores (2022) e Educação, Cidadania e realidade Nacional. Clube dos autores (2022). Além disso, é graduado em filosofia, pedagogia (Universidade Metodista de São Paulo), Mestre em filosofia (Universidade Federal de São Paulo), Doutorado em Filosofia e Ciências da Educação (Emil Brunner World University) e é psicanalista pelo Instituto Brasileiro de psicanálise Clínica (Ibpc). Atualmente é professor na Prefeitura Municipal de Santo André e mantém um canal chamado Polêmicas de nosso tempo.

    2 thoughts on “Depressão hoje: sintoma e o novo sujeito

    1. Edson Fernando Lima de Oliveira disse:

      Show de bola, parabéns, ótimo artigo; em poucas palavras, porém, expressando o que realmente estamos vivenciado. Gostei muito do enfoque. A ênfase na sociedade do espetáculo (no sentido crivado por Guy Debord), que uma realidade. E tudo vinculado ao modelo mercadológico de sociedade, como expressa a visão em A Depressão hoje e o neoliberalismo. Diria hoje no sentido mercadológico em geral. Porque já somos glo-cais, globais mas locais e locais mas globais, concordo. TFA, Triplice fraternal abraço.

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