determinismo o que é

O que é Determinismo: conceito e aplicação nas diversas ciências

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O conceito de determinismo tem muitos significados. É sempre importante ver em que contexto a expressão “determinismo” apareceu.

Vamos partir de um significado geral: determinismo é uma linha ou corrente científica inspirada nas ciências naturais que concebe que uma mesma  consequência será resultado inescapável de uma mesma causa. Ou seja:

  • uma determinada causa (motivo ou razão) leva inevitavelmente a
  • uma determinada consequência (efeito ou resultado).

Esta linha de pensamento tem uma relevância nos estudos das ciências da natureza. Por exemplo, a mecânica é uma área de física que se baseia neste princípio da causalidade.

O perigo é tentar supor que o ser humano é “exato”. Ainda que teorizações possam ser feitos nas ciências humanas, uma imposição generalizante de que uma consequência é resultado sempre de uma única causa é algo problemático. Daí, quando alguém tenta transpor de forma inadequada este funcionamento para a vida social diz-se que tal pessoa está sendo mecanicista.

A relação de causa e efeito é chamada de causalidade (não confundir com casualidade, que é o acaso). A causalidade é constitutiva do humano, segundo o filósofo Immanuel Kant, assim como o tempo e o espaço. A lógica e, no fundo, a possibilidade do conhecimento dependem da causa e efeito.

Agora, o risco é querer determinar:

  • que a causa partindo da consequência, e criando uma “narrativa” que tal consequência não poderia ser outra; ou
  • que só haja uma causa para um efeito, algo complicado sobretudo quando o “objeto” de estudo é algo tão complexo como o ser humano.

Determinismo científico e a conduta humana

O naturalismo tentou aplicar afirmações deterministas à vida social e psicológica. Exemplo é a literatura do francês Émille Zola, que no Brasil inspirou livros como “O Cortiço”, de Aluísio de Azevedo.

Esta linha naturalista foi muito presente na segunda metade do século XIX e começo do século XX. As novas descobertas das ciências naturais trouxeram entusiasmo às ciências humanas. Não é possível condenar: trata-se de um período de especializações dos saberes, sendo recorrente a tomada de empréstimos de conceitos e procedimentos as ciências da natureza.

É importante diferenciar uma divisão relevante que se firmou à época:

  • ciências da natureza (ou ciências naturais), inspiradas na “exatidão” da física e da materialidade da biologia, da geologia etc.;
  • ciências do espírito (ser humano como objeto de análise), que são as ciências humanas e as artes.

Nas ciências da natureza, é possível determinar as condições para que uma “lei” funcione. Por exemplo: “mantidas as mesmas condições de pressão atmosférica, a água ferve a 100 graus”. Não haveria excessão, respeitadas tais condições fixadas.

Ressalte-se a dificuldade das ciências do espírito: o homem é, ao mesmo tempo:

  • o sujeito da observação e
  • o objeto observado.

Ou seja, coincidem sujeito e objeto, por mais que o sujeito (observador) diga se distanciar do objeto (observado). Obviamente que haveria uma “confusão” e uma impossibilidade de uma imparcialidade absoluta. Os homens não vivem em laboratórios, não é possível criar as mesmas condições de temperatura e pressão ou, se as criarmos, os resultados não serão iguais (por exemplo, as condutas humanas não serão as mesmas).

Podemos pensar pelo paradoxo do gato de Schrödinger: em uma caixa hipotética fechada, há um gato que está vivo ou morto (condição “vivomorto”, na hipótese de Schrödinger). Não se pode afirmar com certeza em que condição o gato está. Se você abrir a caixa para tentar descobrir a condição real do gato e encontrar o gato morto (ou vivo), como você terá a certeza de que não foi sua ação de abrir a caixa que interferiu para que o gato ficasse assim? Este é um exemplo muito usado na física quântica (a física quântica de verdade, não aquela do senso comum), do qual podemos extrair uma analogia às ciências humanas, quanto à suscetibilidade do objeto e à não-neutralidade do observador.

A mente humana não é terreno para o determinismo

Eis um debate interessante a se fazer:

  • O meio socieconômico e as condições físico-naturais não são irrelevantes; afinal, têm uma influência na vida psíquica.
  • Mas, por outro lado, no aspecto do humano da psique, é difícil reproduzir as “mesmas condições de temperatura e pressão” como determinísticas, como é possível reproduzir experiências em laboratório, nas ciências da natureza.

Daí, ser difícil pensar que uma interpretação psicanalítica possa ser determinística. Há autores que consideram a sexualidade humana, as pulsões e o inconsciente como determinísticos, no sentido de interferirem na conduta humana e serem universais humanos. Mas, esses elementos, ainda que afetem todas as pessoas, não influenciam todos os sujeitos de uma mesma maneira. Isso é importante para a prática clínica porque desautoriza o psicanalista a acreditar que exista uma única forma de ser, sentir, pensar, elaborar, explicar.

Dizer que o meio social não interfere no simbólico individual seria uma aberração. Se não houvesse influência do meio sobre o indivíduo, não haveria padrões de comportamento distintos, línguas diferentes, crenças em deuses díspares e desigualdades econômicas regionais.

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    Por outro lado, se formos deterministas demais, estaremos pretendendo transformar o humano numa engrenagem sem vida e, ao mesmo tempo, inviabilizando qualquer possibilidade de transformação social ou individual. Pois, se tudo é determinado, qual a possibilidade de uma “mutação”?

    E a história é repleta de exemplos de que tanto a vida social quanto a vida psíquica se transformaram no decorrer do tempo.

    A psicanálise e o determinismo

    Autores como Joel Birman consideram que elementos como o inconsciente e as pulsões são elementos com potencial determinante na formação da vida psíquica, mas seu funcionamento não determinará os indivíduos de uma mesma maneira. E entendemos esta leitura a mais adequada.

    Ou seja:

    • se não houvesse algo nos determinando para fora do consciente (como as pulsões, a sexualidade e o inconsciente), não haveria psicanálise, não haveria a possibilidade de um método, tudo seria “acaso”, idiossincrasia.
    • mas, se o determinismo fosse absoluto, a psique humana seria mecanizada demais e também não poderia haver psicanálise, tudo seria código, em que cada símbolo seria ele mesmo ou, no máximo, remeteria a um só elemento (como uma placa de “proibido estacionar”, que não admite outra explicação).

    No início da Psicanálise, Freud pensava que a psicanálise poderia se consolidar como uma ciência natural. Ou seja, que a psique humana explicada do simbólico até o nível fisiológico. Depois, a psicanálise de certa forma abdica deste projeto.

    Novas tecnologias (como análises por imagens etc.) podem contribuir com estudos a este respeito na contemporaneidade, mas a Psicanálise sempre suspeitará que há uma parte humana irredutível à exatidão.

    Neste sentido, escreveu Birman:

    “Uma ciência do determinismo psíquico, centrado no inconsciente, tal foi a pretensão freudiana inaugural. Se o “Projeto de uma psicologia científica” foi a realização inicial fracassada dessa pretensão epistemológica, a exigência de cientificidade continuou a se impor como um ideal no discurso freudiano até os anos 1915 e 1920, quando finalmente o ideário científico começou a se romper em pedaços neste discurso.” (Joel Birman. Estilo e modernidade em Psicanálise, p.87).

    O trecho a seguir de Sigmund Freud relaciona-se com o tema do determinismo, desdobrando-se em uma reflexão sobre a interpretação do analista:

    “Enquanto perseguimos o desenvolvimento a partir do seu resultado final, ascendendo pois a isso, o que se constitui aos nossos olhos é uma conexão sem lacunas, e ficamos com a impressão de estarmos completamente satisfeitos, até mesmo de termos sido exaustivos. Mas, se tomamos a via inversa, se partirmos dos pressupostos descobertos pela análise e os seguimos até o seu resultado, então a impressão de um encadeamento necessário, e de que seria impossível determinar de outra maneira, nos abandona completamente. Notamos logo que teria podido resultar disso igualmente alguma outra coisa, e esse outro resultado poderíamos do mesmo modo compreendê-lo e explicá-lo. A síntese não é pois tão satisfatória como a análise; em outros termos, não estamos na condição, a partir do conhecimento dos pressupostos, de prever a natureza do resultado.” (Freud, S. Névrose, psychose et perversion. Paris, PUF, 1973, p. 266).

    Explicando: Freud está questionando o analista que parte dos resultados para buscar na vida pregressa do analisando a cadeia explicativa que melhor se encaixe. O psicanalista pode ficar a princípio satisfeito, achando que tudo se encaixa perfeitamente. De certa forma, quanto mais apressada for essa conclusão, mais “selvagem” será esta psicanálise e mais animista e narcisista tenderá a ser o psicanalista. Animista: acreditar que todo o mundo físico se move de acordo com os desejos internos de minha alma (anima).

    Mas, se o psicanalista fizer o caminho inverso, ou seja, partindo dos pressupostos (as possíveis causas) para chegar aos resultados (dos sintomas do paciente, por exemplo), observar-se-á que outros resultados seriam possíveis. Ou seja, outros sintomas poderiam ser gerados por aqueles eventos identificados como causas. E, talvez, outras causas também sejam partícipes, mas que não foram trazidas à análise por inúmeros fatores (como as resistências).

    Freud entendia que as causas do passado interferiam no mal-estar psíquico do presente, mas não de uma forma exata. Ainda que seja possível o analista fazer uma “síntese” (resumo), o percurso da análise é mais errático, ao permitir avaliar mais de uma possibilidade antes de se firmar uma interpretação.

    Por exemplo, um evento que seria potencialmente traumático para muitas pessoas não o será para outras. Ou uma pessoa poderá desenvolver um tipo de transtorno diferente (fobias, obsessões etc.) ao de outra pessoa que tenha vivido um evento traumático semelhante.

    Este artigo sobre o que é determinismo foi escrito por Paulo Vieira, gestor de conteúdos do Curso de Formação em Psicanálise.

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