O ensino e transmissão da psicanálise, desde quando surgiu, tem enfrentado vários desafios na sociedade e na comunidade científica. A teoria do inconsciente desenvolvida por Sigmund Freud, num primeiro momento, encontrou muitos questionamentos dentre os colegas médicos da época, entretanto, logo pôde-se perceber, que trouxe grande contribuição para a área da saúde mental.
Entendendo o ensino e transmissão da psicanálise
Desde sempre, falar sobre a teoria psicanalítica, sua prática, seu ensino, sua transmissão tem sido um debate polêmico em todo mundo. Desde os primórdios da psicanálise, Freud sempre acolheu leigos (não médicos) como praticantes da psicanálise. No livro: “A Questão da Análise Leiga (1927)”, Freud defendeu o direito daqueles treinados em psicanálise, de praticar a terapia, independentemente de qualquer diploma de medicina.
Desde a fundação da Associação Psicanalítica Internacional, seguiram-se o aparecimento de tantas outras organizações, instituições psicanalíticas mundo afora, mas em todas elas, é unânime a preservação da técnica psicanalítica, e sua tradição, que passa pelo cumprimento do tripé psicanalítico: teoria, análise pessoal e supervisão. Recentemente aqui no Brasil, uma universidade divulgou um curso EAD, que propõe um bacharelado em psicanálise.
Essa situação, mesmo sem intenção, pode gerar uma institucionalização da psicanálise, o que iria totalmente contra a ética, e contra o que é estudar ou aprender a psicanálise. A psicanálise nessa e em outras situações, vem sofrendo um desserviço de profissionais que tentam cercear o acesso à psicanálise. Existe aqui no brasil, instituições que limitam a formação do aluno, exigindo uma formação acadêmica prévia em medicina ou psicologia por exemplo.
Exercício, ensino e transmissão da psicanálise
O exercício da psicanálise é livre no Brasil, não é regulamentada e não está vinculada a Conselhos ou a Órgão Profissional. Cada sujeito tem seu tempo psíquico para se autorizar psicanalista, não é um diploma que habilita o profissional a clinicar, mas sim o seu próprio percurso através do inconsciente. Considerando o tripé psicanalítico, existem empecilhos significativos para se institucionalizar a psicanálise dentro de uma universidade.
Primeiramente, a literatura e a teoria psicanalítica são inesgotáveis e dinâmicas, não se conseguiria abordar com profundidade toda ela em um cronograma acadêmico de quatro anos por exemplo. Mesmo que isso fosse feito, faltaria ainda a análise pessoal e a supervisão. Em relação a análise pessoal, sabe-se que analisar o inconsciente, demanda certo tempo, e isso pode se prolongar, devido as resistências que vão surgindo durante o processo, uma boa analise pessoal pode durar anos, ou até mesmo não ter uma conclusão.
Esse modelo de análise, não caberia dentro de um currículo universitário por questões financeiras e acadêmicas. Da mesma forma, a supervisão não pode ser garantida pela universidade, uma vez que não é apenas uma ferramenta educacional “um estágio”, mas sim uma pratica que o profissional deverá seguir durante toda sua atuação, especialmente após recém-formado.
Ensino e transmissão da psicanálise na atualidade
Outra questão a ser pontuada, é em relação aos rumos do ensino na atualidade, que tem se adaptado à um modelo neoliberal e capitalista, que vem controlando vários cursos de graduação, rentáveis, como: Medicina e Direito, e agora viu na psicanálise uma “oportunidade”. As universidades privadas atualmente, estão sob o comando de grandes empresas que são conglomerados empresariais, que estão focados em ter um volume grande de alunos, para lucrar, e estão menos preocupados com a qualidade do ensino.
Esse modelo empresarial se adapta muito bem a pedagogia do EAD. Um grande número de alunos permite que essas empresas possam colocar suas ações na bolsa de valores, o proprietário da universidade não é mais um educador, é sim um ou mais sócios-capitalistas, que não estão preocupado em devolver ao mercado um bom profissional, muito menos valorizar o professor ou o intelectual. A boa educação, seja em qualquer área, passa pelo contato com um grande mestre, e não por videoaulas gravadas e repetidas inúmeras vezes.
O EAD não deveria ser uma mera substituição da universidade, mas sim uma ferramenta auxiliar, um apêndice. O ensino é justamente a dialética, o contato, e o debate humano, como diria Sócrates: “Eu não escrevo livros, porque os livros me dão sempre as mesmas respostas”. Em síntese, estudar psicanálise, aprender psicanálise, transmitir a psicanálise, vai muito além de teoria, ou de cumprir uma grade curricular pré-determinada.
Conclusão
A teoria sobre o inconsciente, se trata justamente de aprender aquilo que é humano, subjetivo e singular, e isso não se conquista através de um diploma de graduação. O equívoco de quem quer institucionalizar a psicanalise, ou cerceá-la criando institutos com uma série de exigências e valores dispendiosos para a formação, é não perceber que a vocação da psicanálise surge justamente da contracultura, em questionar a sociedade e suas imposições, e de se tornar democrática e acessível.
A preocupação em relação ao ensino da psicanálise, talvez não seja a banalização da mesma, ou a sua institucionalização por universidades e escolas de psicanálise. O maior desafio, em seguir rumo a um futuro saudável no ensino da psicanálise, é superar a ganância e o narcisismo das instituições e dos profissionais que insistem em manter a psicanálise elitizada no Brasil.
O presente artigo foi escrito por Igor Alves([email protected]). Formado em psicanálise pela IBPC, é licenciado em letras e filosofia.
3 thoughts on “Desafios no ensino e transmissão da psicanálise na atualidade”
A Educação chegou ao ponto de instituir (!) a Alfabetização por EAD/Remoto; consultas realizadas em video e cirurgia pela robótica! Quando tive pedra no rim, ouvi do médico plantonista que tocou o lado do abdomem e deu o diagnóstico, mas disse que pelo protocolo do hospital tem que prescrever o USG, que irá confirmar o diagnóstico que deu! Quanto a Psicanálise, assim como a Parapsicologia, muitas pessoas buscam ter conhecimento, Infelizmente, para melhor manipular no ambiente familiar e profissional, semelhante ao “modus operante” dos psicopatas, que deixam “suas vitimas”, com certo grau de alienação! Mas o Ser Humano sempre terá essa busca por entender a si, a sua história e as transformações sociais! Muitos padres estão debruçados em entender conflitos familiares pela genealogia de cada família, na tese: “causa efeito”! Há até quem já tenha dito que a formação sacerdotal: Filosofia e Teologia, estão sendo Insuficientes para aconselhar os fiéis!
Muito bom artigo! O conhecimento LIBERTA!
Bem poucas; Assunto bem tratado.