Eu quero eu posso eu consigo? Todos queremos coisas que infelizmente não podemos ter. Todos temos vontades, desejos, aspirações que muitas das vezes estão dentro de nossas capacidades. Todavia, há situações que fogem ao nosso controle e que não nos cabe determinar se serão da maneira x ou y.
Mediante a isso somos bombardeados de discursos como: “basta querer!” “Você é aquilo que você deseja ser!” “tenha autenticidade em tudo!” “Faça tudo aquilo que lhe dá prazer” ” se eu quero, eu posso, eu consigo” e muitos outros que nos colocam no lugar determinante das situações em que nos encontramos. Mas como discursos tão inspiradores podem ser perigosos?
Eu quero eu posso eu consigo: O que nos faz pensar que podemos tudo que queremos?
Dito de maneira mais “freudiana”, nosso inconsciente nos impulsiona àquilo que queremos realizar ou ter. Essa energia, ou tensão exige uma satisfação imediata, ela vai querer buscar a todo custo o que quer. Esses mecanismos desconhecem que barreiras existem, podemos dizer que é como nossa criança interior.
Então há uma cobrança com urgência que nós, de uma forma ou de outra, cedamos a esses impulsos e, concomitantemente, uma desconsideração de empecilhos. Nos voltando para a sociedade como um todo e seu senso comum, nós temos cada vez mais um encorajamento de nossas vontades sem menção alguma de respeito a nossas limitações.
Esse encorajamento, quando atinge nosso inconsciente, nos coloca num patamar de quem determina como e quando as coisas acontecem, nos faz crer que em todas as situações isso é aplicável e que assim como o nosso vizinho, nós podemos ter a grama verde reluzente sempre que quisermos. Coachs pelo mundo reverberam que tudo que almejamos está à distancia de nosso braço, ou a um passo às 5h da manhã. Mas desconsideram alguns fatores.
O que nos impede: eu quero, eu posso, eu consigo?
Como já supracitado brevemente, temos em nós mesmos vontades imediatas. Porém, SUPEREGO e EGO nos dão um caminho a trilhar para uma vida em sociedade o mais agradável possível. Eles não surgem ao acaso, são formados em decorrência da sociedade que vivemos, especialmente modelados pelos tutores em nossa infância, fase em que nós ouvimos os “isso não pode” ou “faça isso em vez daquilo” e muitas outras proibições e mudanças de comportamento.
Desde a infância nós notamos que não podemos fazer tudo que queremos ou quando queremos. Doces no lugar do almoço, vestir a fantasia de princesa sereia na escola, comer sabonete, essas vontades das crianças quando são frustradas geram choro, talvez uma raiva, frustração, mas também vai se criando um padrão o qual ela vai seguir como “tenho que me alimentar direito”, “essa roupa não é apropriada para essa ocasião” e outros conceitos. Ou seja, existem algumas coisas que nos impedem de fazer tudo o que quisermos.
Limitações sociais e morais
Essas regras, barram algumas satisfações imediatas, mas são muito necessárias como por exemplo, aprendemos desde cedo que é necessário sermos honestos em todas as coisas, que a honestidade é uma virtude essencial e gera recompensa.
No entanto, ao se deparar com a ideia de que basta querer para alcançar, um indivíduo determinado a alcançar um alto patamar financeiro pode se frustrar ao enfrentar o conflito impulso-regra moral, ou seja, ele pode perceber que diferente do que parecia, não é tão simples chegar aonde deseja com a velocidade prometida a ele sem que ele infrinja leis e regras morais referentes a honestidade.
Em outras palavras, o conflito interno gera antes uma ansiedade, confusão e depois caso ele escolha um caminho ou outro ele terá ou sentimentos de culpa ou de frustração. Não obstante a isso, há de plano de fundo a cobrança por resultados, e a frustração por perceber que aquilo que foi prometido não era real – isso se houver essa percepção!
Eu quero eu posso eu consigo: Limitações pessoais
Outro fator limitante que deve ser levado em consideração são as limitações pessoais. Quando se trata desse assunto tudo se torna relativo uma vez que cada pessoa possui suas próprias limitações que podem também variar de acordo com a fase da vida, situação da saúde física ou psíquica, e outros fatores.
A generalização de habilidades e possibilidades desconsidera fatores altamente importantes como a criação, situação financeira, e especialmente como funciona a organização mental de cada pessoa. Todos nós temos uma maneira única de organizar nossa mente, nossa personalidade, nossa maneira de viver e encarar as coisas, e especialmente como direcionamos nossas energias.
No entanto ao se comparar com outros que aparentam necessitar só de um pouco de força de vontade para alcançar alvos inimagináveis, nos tornamos reféns de um pensamento auto consumidor de “por que eu não consigo?”.
Como o autoconhecimento pode ajudar?
É importante nos conhecermos bem até o ponto de sabermos o que realmente queremos e o que somos incentivados a querer, e até onde podemos ir agora. É claro que podemos sim sair de nossa zona de conforto e devemos inclusive almejar alcançar coisas maiores, entretanto essa busca deve ser respeitando tudo aquilo que construímos em nós e não pautada por metas pré estabelecidas por uma sociedade que desconsidera a saúde mental como um fator essencial para o alcance de qualquer patamar ou melhoramento.
Ao saber o que queremos outra coisa que precisamos descobrir é como conseguir e se está dentro das nossas possibilidades como ser humano no momento. A exemplo, alguém que já está sofrendo por um término difícil pode estar pensando que precisa a todo custo superar essa fase e, assim como as pessoas que segue em suas redes sociais, precisa estar sempre muito bem emocionalmente, sempre melhor que o outro.
Assim ela busca em outros relacionamentos uma felicidade perdida. Esse indivíduo busca uma satisfação imediata de suas vontades. Desconsiderando o fator principal nessa situação, o emocional abalado, essa pessoa pode acabar entrando em um ciclo vicioso de relacionamentos fracassados, ou comportamentos prejudiciais a ela mesma ou outros.
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Eu quero eu posso eu consigo e a cura
O dano psicológico sem o manejo necessário pode aumentar até que os sentimentos de raiva, frustração, tristeza, melancolia e culpa se tornem cada vez maiores.
Perceba aqui que o agravante não é apenas uma situação ruim que ele passou, mas antes foi se agarrar ao discurso de que é possível e necessário ser feliz a todo momento independente da situação e não olhar para dentro de si e buscar ver o que precisava ser curado.
O indivíduo nessa situação deve entender que aquilo que ele precisa no momento é olhar para dentro, se reconhecer, passar pelo processo inteiro, mesmo que doloroso, de cura e só então ele vai estar disponível emocionalmente pois assim ele vai estar completo em si mesmo, aí então ele poderá encontrar mais facilmente recompensas mais duradouras. Mas apenas adiando a recompensa imediata.
É possível atingir um equilíbrio?
Sabendo que existe uma linha tênue entre o querer e o poder, e que há múltiplos fatores que dificultam nossa imediata recompensa a desejos, é possível atingir um equilíbrio? Sim! Como tudo na vida há dois lados, aqui há também a possibilidade de um balanceamento.
A sociedade imediatista de hoje pode parecer não aceitar muito bem a proposta de adiamento de uma recompensa em virtude de outra, não obstante a isso essa racionalização é bastante necessária na busca por objetivos, assim como o reconhecimento de barreiras. Quando reconhecemos aquilo que nos impede nós podemos ter em mãos meios de eliminar esses empecilhos ou buscar um outro meio de satisfação.
Reconhecemos também que bastantes coisas dependem quase que 100% de nossa força de vontade, contudo sabemos que essa força de vontade não é algo que surja do nada, mas antes disso é algo que depende de nosso psicológico. O equilíbrio consiste em elaborar bem nossas defesas a ponto de que, ao determinar essas três situações, reconhecer nossas limitações pessoais e saber o que deve ser feito, o que vier a seguir não seja um sentimento de melancolia ou frustração, mas sim de determinação ou até mesmo de felicidade por aprendermos a lidar com nós mesmos.
Eu quero eu posso eu consigo: É isso comodidade?
De modo algum devemos confundir o reconhecimento de limitações com comodidade. O fato de você se conhecer bem a ponto de saber até onde pode ir irá fazer com que você se sinta mais habilitado a lidar com conflitos que surgirão. A comodidade consiste em reconhecer, aceitar e não fazer nada a respeito, o que gera um padrão de comportamento passivo diante de toda e qualquer dificuldade que aparecer, uma posição em que se aceita sem questionar até mesmo aquilo que pode ser modificado sem muito esforço.
Um indivíduo que reconhece suas dificuldades, mas não se acomoda vê a necessidade de uma ajuda profissional talvez e busca um tratamento analítico para que a causa de seus problemas possa ser elucidada e, por consequência, tratada. Muitos casos podem ser investigados e algumas barreiras podem ser diminuídas.
Entretanto é importante que durante o processo não haja uma autocobrança excessiva, um sentimento de culpa que paralise. Ele é justamente para que a “culpa por não ser capaz” não impeça o indivíduo de realizar objetivos dentro de suas possibilidades sem se comparar com o resto do mundo que jura para ele que tudo depende de autoconfiança e vontade de força.
Este artigo sobre “eu quero, eu posso, eu consigo” foi escrito por Mariana Araújo ([email protected]), estudante de psicanálise clínica que busca uma melhora no estilo de vida das pessoas e prega o autoconhecimento para isso.