intelectualização

Intelectualização como mecanismo de defesa da mente

Publicado em Publicado em Conceitos e Significados

Neste artigo, vamos falar sobre o que é intelectualização como mecanismo de defesa de terapeutas submetidos à análise.

A intelectualização

Na medida em que a psicanálise se mostra uma ferramenta, uma teoria e também uma técnica direcionada à trazida à consciência de conteúdos latentes ou reprimidos no inconsciente – os quais, por sua vez, e em razão dessa repressão, produzem sintomas e mal-estar – faz-se importante o estudo e a posterior análise crítica das condições que fazem com que fiquem(os) impedidos de acessar essas informações dolorosas (o que se faz corriqueiro na clínica e se torna, em grande parte, o trabalho a ser realizado).

Há sujeitos-em-análise que recalcam, que reprimem, que introjetam, que projetam… ou seja, é conhecido haver as mais variadas maneiras de distração, desvio e fuga do caminho que levaria àquele conteúdo reprimido (porque doloroso): aquela emoção, aquela lembrança, aquele fato que foi sobremaneira incapacitante de manejo emocional à época que aconteceu e, portanto, não pôde ser vivenciado conscientemente. Mas não nos julguemos negativamente: foi assim porque se fez como uma defesa para se sobreviver psiquicamente, e isso, geralmente, é constituído pelo sistema nervoso autônomo, de forma instintiva diante de uma ameaça.

Não obstante, essa questão se torna deveras importante na clínica e nas terapias porque, para que a encaremos hoje, por intermédio, por exemplo, de uma neurose de transferência, com o auxílio de um analista formado, esses mecanismos de defesa devem ser vistos, identificados e desmistificados. É importante possamos superar essas estas barreiras psíquicas, antigas estratégias de sobrevivência aos eventos passados, mas hoje obsoletas, para que possamos deixar fluir o rio interno dessas lembranças até então estanques e possamos sentir as emoções reprimidas já em uma situação de segurança (holding).

A intelectualização e a análise

Há, nesse ponto, um desbloqueio dessas “cápsulas emocionais e mnemônicas” que hoje causam os sintomas e que trouxeram o desejo de análise, afinal, os sintomas doem, mas são sinais do local da obstrução emocional. Ocorre que surge o ponto nevrálgico desse tema, pois, é sabido, não existe terapia a fórceps.

É necessário, então, que haja um “nascimento de si” pelo próprio sujeito, ainda que o psicanalista, à guisa de transferência, faça às vezes o “papel de mãe” para ajudar nesse parto das emoções gestadas por muito tempo e que já causam dores à(o) parturiente. De todo o modo, um movimento consciente autônomo é indispensável para a (res)significação do sintoma.

Assim, se faz indispensável a força do próprio ser que queira nascer para que o movimento se realize. É preciso ele verifique qual a origem da sua dor, angústia, medo, sofrimento… e se as possa abraçar, como um recém-nascido que há muito aguardou para respirar o ar da vida entre iguais, em um colo seguro. Dessa maneira, é essencial que tiremos os véus e desmistifiquemos esses medos infantis, pois se a emoção é criança não nós mais o somos inteiramente.

A Psiquê

Procuremos, pois, os esconderijos e os subterfúgios da psiquê que evita esse parto (para evitar a sua dor), mas não sabe ainda que sofrer é não nascer verdadeiramente. Teoricamente, como se percebe, a questão se mostra clara. Mas e a práxis? Importante é referir, e eis o cerne do tema de que se quer tratar, que aqueles que conhecem a(s) teoria(s) podem enfrentar ainda maiores dificuldades para permitir que haja esse nascedouro emocional (e de autonomia e integralidade pessoal, de quebra).

Olhemos, então, para um mecanismo de defesa comumente encontrado em terapeutas: a intelectualização. Afinal, são essas as pessoas que, pelo seu estudo e experiência em distúrbios, psicoses, neuroses, traumas, dores emocionais… que têm uma tendência de se postarem não como analisandos, sujeitos que se mostram, e sim como um ‘objeto de uma própria análise’, dissociando-se de suas próprias emoções, “analisando-se sem sentir-se”.

A “falsa auto-análise” é aquela que é feita a partir de uma “pura intelectualização”, não porque a razão é prejudicial, mas porque quando ela assume todo e qualquer local do campo analítico, comete o mesmo “erro de Descartes”, e imagina o humano separável de suas emoções. Eis, pois, um mecanismo de defesa do acesso à emoção e à lembrança reprimida para serem revividas e ressignificadas à luz da inteireza do ser.

A intelectualização e o terapeuta

O terapeuta que se sujeita a uma análise ou a alguma outra terapia deve permitir-se estar no papel do paciente/cliente/analisando. Deve aceitar-se como ser vulnerável e sujeito de sentimentos. Sentir sem que tenha de rotular, interpretar as próprias emoções. É preciso humildade e coragem, mas antes de tudo é um exercício de encarar-se como sujeito com medos, abraçar-se, encarar-se e acolher-se com o próprio medo, pois ele se mostrará cada vez menor. Depois do desnudar, o monstro se mostra uma criança desamparada.

Não se está a criticar, à evidência, a razão, a racionalidade, a intelectualização e a intelectualidade. Está-se a dizer que, exatamente pelas suas qualidades, servem facilmente como “tábua da salvação” do amedrontador; mas impede, na realidade, a continuidade do fluxo das águas das quais se queria sair com essa defesa de um suposto afogamento. Essa tábua, na realidade, impede que se perceba como capaz de nadar e mergulhar. Ocorre que a confiança em um terapeuta treinado nessa travessia evita que engulamos água demais.

Se há um escudo intelectual para evitar o acesso à emoção cuja existência não foi permitida em um processo de integração, trata essa cisão entre razão e emoção de um suposto local de poder que, em realidade, é uma negação da própria potência, pois exclui qualquer desejo de inteireza e, portanto, grandeza. Ao revés, buscar-se-ia no local do poder do controle da razão, um local de vazio desejante de crescimento, que compreende de forma integral a existência do medo do desconhecido (inconsciente).

Uma falsa segurança

A falsa segurança da “tábua de salvação” será aquela que jamais nos deixará fluir natural e autonomamente. O vazio é espaço, que deve ser portanto apontado, exibido e sentido, deve ser aberto e exposto, surgindo e nascendo, finalmente, o sujeito com dores, angústias e, principalmente, que pode e deve ser alguém que assuma que não compreende a dor porque a dor não tem compreensão, não justifica o trauma e o evento traumático porque eles não têm justificativa.

Na análise da vítima de um trauma, por exemplo, é preciso ela se reconheça emocionalmente vitimizada, ainda que hoje intelectualmente compreenda o que houve. Afinal, o analisando precisa se postar com confiança, assumir-se um sujeito com uma dor que não será intelectualizada, será sentida, porque na época que ela ocorreu não pôde ser. Veja-se, então, a importância da criação de um ambiente seguro, acolhedor e, muitas vezes, de maternagem em que possa ser simplesmente acolhida uma dor, ainda que numa neurose de transferência.

É o local do nascimento, com luz, sons e todo o contexto propício à delicadeza de “ser-se-em-si”. É o terapeuta do terapeuta, que tem o bote salva-vidas sempre que precisar e que já nadou, antes, nessas águas, sabendo a profundidade e os perigos de cada movimento, sabendo também, da capacidade do próprio analisando, sujeito com força para dar suas próprias braçadas.

QUERO INFORMAÇÕES PARA ME INSCREVER NA FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE

    NÓS RETORNAMOS PARA VOCÊ




    Conclusão

    Para que possa ser reconhecida uma dor deve-se poder senti-la como uma dor e não como um conceito abstrato, porque uma dor intelectualizada não é uma dor é um objeto de estudo. Um terapeuta que se auto-analisa apenas intelectualmente, ou que não consegue sair desse local na sua análise com outro, ele se assujeita, se vê como um objeto e não se permite ser-no-mundo.

    Portanto, ele se permite apenas ser um objeto, ele está mais uma vez negando-se o direito de ser humano inteiro e sujeito à dor, ao riso, à tristeza, à alegria e, principalmente, ao desejo. Conhecer-se, então, é também sentir-se. Eis o grande mecanismo de defesa da intelectualização, principalmente em terapeutas.

    Artigo escrito por Paulo Ricardo Suliani ([email protected]) é terapeuta IoPT, psicanalista em formação e jurista.

    1 thoughts on “Intelectualização como mecanismo de defesa da mente

    1. Mizael Carvalho disse:

      Parabéns, muito bom texto! Não existe super homem.

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *