medicina tradicional chinesa

Introdução à Medicina Tradicional Chinesa

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Este artigo aborda a estrutura da psique na visão da Medicina Tradicional Chinesa, especialmente os conceitos de Hun e Shen, referidos no Ocidente como alma etérea e mente. Analisa como estes conceitos orientais se relacionam com os conteúdos psicológicos de acordo com a psicanálise.

O que é Medicina Tradicional Chinesa

A Medicina Tradicional Chinesa [MTC] é um sistema de saúde milenar que evoluiu ao longo dos anos. Os médicos e terapeutas da MTC realizam uma avaliação extensa no paciente, desde a observação de padrões físicos, até emocionais, psicológicos e de comportamento.

Sendo uma medicina integrativa, ela trata tanto de desequilíbrios físicos quanto psíquicos, através dos 5 pilares tradicionais: Dieta, Fitoterapia, Acupuntura, Meditação e Exercícios Respiratórios [Tai Chi, Chi Kun]. O objetivo básico da MTC é desbloquear estagnações de sangue e Chi [força vital] no organismo, para que ele se autoregule e retome sua funcionalidade.

Saúde e doença na medicina tradicional chinesa

Em essência, os médicos chineses buscam restaurar um equilíbrio dinâmico entre as forças complementares, Yin e Yang, que permeiam o corpo humano e o universo como um todo.

Uma pessoa é saudável quando existe harmonia entre estas forças; a doença, por outro lado, resulta de uma falha no equilíbrio Yin/Yang. De acordo com a filosofia chinesa, Yin representa o feminino, o frio, o interior, a escuridão, a estagnação, entre outros atributos.

Como oposto complementar, o Yang representa o masculino, o calor, o exterior, a luminosidade, o movimento, etc. São considerados pólos interligados da natureza que, embora opostos, são interdependentes, o que significa que um não pode existir sem o outro. Na MTC, todo o organismo vivo, inclusive os nossos órgãos e nossa estrutura psicológica, são nutridos, sustentados e equilibrados pela dinâmica Yin/Yang.

A Psique na medicina tradicional chinesa

Nós podemos interpretar a maioria dos problemas psíquicos e emocionais em termos dos “cinco espíritos”, que são Shen, Hun, Po, Yi e Zhi. São traduzidos respectivamente, como mente, alma etérea, alma corpórea, inteligência e força de vontade. Cada um destes elementos se relaciona com um órgão: O coração é a morada do Shen/Mente; o fígado armazena o Hun/Alma etérea; os pulmões, o Po/Alma corpórea; o baço armazena o Yi/Inteligência; e os rins, o Zhi/Força de vontade.

Órgãos em desarmonia interferem em nossa estrutura psicológica e vice versa. Por exemplo, independentemente do padrão de desarmonia envolvido, a depressão poderia ser vista como uma manifestação de falta de movimento do Hun e o comportamento maníaco como uma manifestação de movimento excessivo do Hun.

Em outro exemplo, o transtorno bipolar pode ser analisado principalmente como uma desarmonia de Hun, enquanto a ansiedade principalmente como uma desarmonia entre Shen e Po.

O conceito de Hun

O caractere chinês para Hun é composto de um “fantasma” ou “espírito de uma pessoa morta” à direita [o que lhe dá o significado] e uma “nuvem” [yun] à esquerda. Ao descrever o Hun, os temas “movimento”, “turbilhão” e “busca” estão sempre presentes. A antiga forma do radical chinês descreve o movimento giratório da alma de uma pessoa morta no reino espiritual.

No Livro dos Ritos – Li Ji – da dinastia Zhou [1046-476 a.C] está: “[Na morte] O Hun retorna ao Céu e o Po [a alma corpórea] retorna à Terra.” O Shen e o Hun são inseparavelmente ligados, e juntos formam nossa consciência, mente e espírito. Zhang Jie Bin no “Clássico das Categorias” diz: “O Shen e o Hun são Yang … o Hun segue o Shen; se o Shen estiver inconsciente, o Hun desaparece”. O Hun é descrito como o “ir e vir do Shen” ou “o que segue o Shen em seu ir e vir”.

O Hun fornece movimento para a psique de várias maneiras:

  1. movimento da alma para fora do corpo como no sonho
  2. movimento para fora da vida cotidiana como nos sonhos e perspectivas da vida
  3. movimento em direção aos outros nos relacionamentos humanos
  4. movimento em termos de planos, projetos, visão
  5. Movimento em termos de criatividade, inspiração.

Hun é assimilado como o lado intuitivo e não racional da natureza humana. Na MTC, ele tem sua própria vida, sobre a qual o Shen não tem voz: A integração e harmonia do Shen com o Hun é a base de uma vida psíquica equilibrada. O Hun dá energia ao Shen, que é responsável pelo pensamento racional, discernimento, organização. Também dá ao Shen “movimento”, no sentido de que permite ao Shen a capacidade de insight e introspecção, bem como a habilidade de se projetar e se relacionar com outras pessoas.

Relação Shen x Hun

O Shen só pode lidar com uma ideia por vez originada do Hun e, portanto, deve exercer algum controle sobre todo o movimento proveniente do Hun. Assim, o Hun traz movimento ao Shen, e o Shen fornece controle e integração. Se o Shen for forte e o Hun devidamente reunido, haverá harmonia entre os dois e a pessoa terá visão calma, discernimento, sabedoria e o equilíbrio.

Se o Shen for fraco e falhar em conter o Hun [ou se o Hun for hiperativo], isso pode ser muito inquieto e apenas trazer confusão para o Shen, tornando a pessoa dispersa e instável. Isso pode ser observado em algumas pessoas que estão sempre cheias de ideias, sonhos e projetos, nenhum dos quais se concretiza por causa do estado caótico do Shen, que é, portanto, incapaz de conter o Hun.

De maneira geral, defino isso como “comportamento maníaco”, tendo em mente que é muito mais brando do que o observado no transtorno bipolar. Os sinais e sintomas de episódios maníacos podem se manifestar como:

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    • Aumento de energia, atividade e inquietação
    • Bom-humor excessivo, excessivamente eufórico
    • Extrema irritabilidade
    • Acelerar os pensamentos e falar muito rápido, pulando de uma ideia para outra
    • Distração, incapacidade de se concentrar bem
    • Pouco sono
    • Crenças irrealistas em habilidades e poderes
    • Falta de discernimento
    • Gastos excessivos
    • Excesso de desejo sexual
    • Abuso de drogas, álcool e medicamentos para dormir
    • Comportamento provocador, intrusivo ou agressivo
    • Negação

    Hun e a medicina tradicional chinesa

    A mania pode ocorrer em vários graus de gravidade e há uma ampla área de comportamentos que, embora não sejam naturais, não constituem “doença mental”. Em outras palavras, em suas formas mais brandas, um comportamento maníaco pode ser relativamente comum.

    Em contraponto, se o movimento do Hun estiver faltando – o que pode ser devido ao controle excessivo exercido pelo Shen -, a pessoa não terá visão, imaginação, criatividade e ficará deprimida.

    Shen e Hun na psicanálise

    Transportando os conceitos da Medicina Chinesa para o campo psicanalítico, podemos relacionar Shen com o Consciente e o Hun com os conteúdos do Inconsciente humano. Shen como o ego e Hun, como id.

    O Hun/Id traz movimento ao Shen/ego através de desejos, pulsões e intuições, e este deve administrar conscientemente os estímulos e atuar nas circunstâncias externas que se apresentam.

    Diante de momentos de agitação e imaturidade do Hun, ou seja, quando o id quiser seus impulsos prontamente satisfeitos, é função do Shen “trazer a alma de volta ao corpo”, de volta ao equilíbrio pela racionalidade. Um Shen/ego fortalecido é a base de uma estrutura psíquica estável.

    Considerações finais

    As diversas percepções e imagens que saem do Hun em direção ao Shen – do inconsciente em direção ao consciente – ilustram os conteúdos psíquicos oriundos do inconsciente. Porém, só há um retorno vindo do Shen: Isso demonstra o controle que precisa ser exercido pelo Shen e pelo consciente.

    Nos mitos, o inconsciente é frequentemente simbolizado pelo mar. Então, o Hun é como um oceano que é fonte de arquétipos, símbolos, ideias, imagens; o Shen tira ideias deste mar por intermédio do Hun.

    Uma imersão total do Shen significaria insanidade, na visão na Medicina Tradicional Chinesa. Assim, o material que sai do Hun é controlado, assimilado e integrado pelo Shen, um de cada vez. Existem também algumas conexões entre o Hun, o Shen e o Yi e a Anima/ Animus junguianos. A Anima e o Animus, na psicologia analítica de Carl Jung, são dois arquétipos primários da mente inconsciente.

    Anima e Animus

    Anima e Animus são descritos por Jung como elementos de sua teoria do inconsciente coletivo. No inconsciente do homem, a expressão da personalidade feminina seria a Anima. No inconsciente feminino, o arquétipo se expressa como uma personalidade masculina, o Animus.

    Embora na visão junguiana a Anima seja o inconsciente dos homens e o Animus, das mulheres, muitos analistas acreditam que tanto homens quanto mulheres manifestam em si Anima e Animus.

    Anima é geralmente responsável pela inspiração, sentimentos, intuição, conexão; o Animus é geralmente responsável pelo pensamento, pela racionalidade. Desta forma, tem-se a ideia de que Anima pode estar relacionada ao Hun e o Animus ao Shen e Yi.

    Referências Bibliográficas

    • MACIOCIA, Giovanni – Diagnóstico na Medicina Chinesa, Editora Roca 2006.

    • MACIOCIA, Giovanni – Os fundamentos da Medicina Chinesa, Editora Roca, segunda edição.

    O presente artigo foi escrito por Sue Pareico([email protected]). Psicanalista e Mestre em Medicina Tradicional Chinesa.

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