modernidade líquida

Modernidade Líquida: conceito de Zygmunt Bauman

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Vamos falar sobre a modernidade líquida (partindo do conceito de Zygmunt Bauman) e entender a como esta ideia provoca novas formas de patologias psíquicas e psicossociais.

Vamos entender e propor uma forma de mitigar tal cenário tendencial por ora com poucas balizas e moderações auto ou alterimpostas (impostas pelos outros), bem como a formação de um ethos, ou proposta para tanto.

A modernidade líquida

A modernidade líquida reflete um modelo de convívio em sociedade e de autoimagem do “eu”, no sentido de um mundo dirigido para o aparente, para superficialidade, para um competição narcísica. Relacionamentos humanos, na modernidade líquida, não são feitos para durar. A velocidade dos meios digitais de comunicação favorece a difusão deste modelo de vida social.

Além de reger a vida entre as pessoas, a modernidade líquida provoca transtornos relacionados a depressão ou ansiedade, porque o ideal que esta modernidade cobra dos sujeitos é via de regra inalcançável. Esta abordagem é relevante porque se trata de um fenômeno amplamente observado e notado por estudiosos do humano e do social, a incluir e a destacar, profissionais da psicanálise.

Os efeitos deletérios da perda do verdadeiro self em prol de um falso self ganhou escala exponencial com o advento das redes sociais via internet e revolução das comunicações em apreço. A forma de se trabalhar tais patologias psíquicas de cunho egodistônico digital deve passar pelas próprias plataformas, a exemplo dos recentes movimentos em se limitar a exposição de “likes”, que gerava uma corrida armamentista por querer se destacar, muitas vezes incorrendo em risco de vida, a exemplo de selfies em locais perigosos – afetando inclusive o cidadão ordinário, off-line.

A perda da noção de eu na Modernidade Líquida

É importante entendermos a perda da noção do eu, sob o prisma da psicanálise, divagar sobre seus efeitos pessoais e sociais, inclusive em escopo familiar, e propor saídas ou roadmaps para tanto, tendo como premissa a proposta acima de se verter via própria rede social um contragolpe a tal cenário cada vez mais tendencial de superficialismo e artificialismo e perda da noção e da relação consigo, com a realidade e com os outros – além do enfoque em saídas ortodoxas da psicanálise tradicional ou do setting terapêutico / divã / mecanismos de transferência e livre associação na interação analista – analisando.

É preciso entender o mundo das redes sociais e da internet na propagação e retroalimentação de patologias psíquicas de ordem egodistônica, ou narcísicas. Algo importante para obstar ou mitigar tal processo aparentemente irrefreável e inescusável, mas que pode ter em seu canal de ampliação justamente o caminho para tal moderação e fortalecimento da sensatez de si via autocrítica e crítica de grupo, gerando, em potencial, um novo ethos digital, – isso sob o olhar da psicanálise e de sua investigação do inconsciente e dos transtornos de personalidade, a englobar borderline, bipolar, histriônico e outros, em tese ou em potencial.

Faremos uma análise conjuntural e por experiência própria na navegação do mundo digital como usuário e observador, entre outros, do agir típico ou afetado, da mescla das personas com o ofício na criação dos avatares de si – falsos self -, bem como leituras de pensadores e autores que refletem sobre o tema, a começar por Bauman, Zygmunt.

Bauman

Tomaremos de empréstimo ideias de Bauman, seguidas também por Foucault, Jung e Orwell, numa tentativa de mimetizar e já pôr em prática um recorte do que aqui se defende, nesta era que traz oportunidades seguidas ou entremeadas por revezes imediatos do que então vigia, o presente não atravessado de outrora, para começar.

Mas, como dito, apresentando nos próprios elementos de tais revezes um caminho para sua superação, a começar pela ciência de si e da própria psicologia e dos elementos que permeiam e constituem a psique humana, com vista a um melhor entendimento de si e do todo social, para bem deste inclusive.

O trabalho abordará a era de individualidade extrema e atomização em que vivemos, com inerentes polarização e visões unidimensionais – algo a ser olhado com atenção pela psicanálise, numa seara extraindivíduo ou de análise de fundo ou do contexto em que se insere o analisando.

A modernidade líquida e seus canais digitais

Como bem lido por observadores da seara da psicologia, o mundo virtual, agora em via de migrar para uma realidade paralela de fato, o metaverso, serve como câmara de confirmação e, principalmente, de proteção, de resguardo e de aparente invulnerabilidade. Ali, a salvo dos impedimentos e decepções da vida, de suas digressões e apanágios, de suas desilusões e incompletudes, uma persona esculpida em puro querer e puro ego na acepção vulgar da palavra, do mundo leigo, surge e irrompe em sua aparente sensação de poder absoluto e irrefreável.

A salvo de críticas ao teclar de um block, iluminada por “ring lights” poderosos, aprumada por filtros idem, o falso self mimetizado e materializado vai à loucura. Ou se jubila em suas – potenciais – conquistas por virem. Aparentemente, se superou o estágio de estar à deriva, como indicam os profissionais da psique humana.

Tal situação, angustiante, de fato, porém real, é o ponto de partida da sensação de estar vivo e coerente ou arrazoado com as ideias de si e do mundo. O mundo é imprevisível. O mecanismo psíquico de lidar com isso é, sim, obliterar por vezes, ou olvidar, ou ocultar, inclusive de si, o que se vê e sente, ou reprimir se for o caso.

Ideias de Bauman sobre a modernidade líquida

Bauman coloca, por sua vez, que: “Loucos são apenas os significados não compartilhados. A loucura não é loucura quando compartilhada”. Ou ainda: “o problema não é consumir; é o desejo insaciável de continuar consumindo”. E conclui: “Vivemos tempos líquidos. Nada é feito para durar” e “tudo é mais fácil na vida virtual, mas perdemos a arte das relações sociais e da amizade”. Sobre as redes sociais, vaticina: “Na verdade, muitas vezes você está cercado de pessoas tão solitárias quanto você”.

Daí decorre que há uma gama de patologias que são lançadas a patamares outrora inviáveis ao cidadão comum – ou cidadã -, ou como citado neste subtítulo, propagadas, seja por meio de stories, posts, reels e afins, seja por meio de curtíssimos vídeos sobre performances corporais, numa velocidade da luz da qual se faz o mundo moderno, viciado em pequenos estímulos e interrupções com vista, talvez, a dizimar a angústia ou se anestesiar, e nada sentir, ou mitigar a sensação de desamparo, condição essencial.

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    Ou seja, tendências de até então ao indivíduo narcísico ou borderline são aguçadas por tais plataformas de propagação do ego e de autoengano e de engano social, onde a persona passa a importar mais que a pessoa, a foto-imagem passa a imperar ante a realidade, o chat vence a conversa olho-no-olho, desprotegida e espontânea, imprevisível, em um mundo viciado em controle e previsibilidade.

    Surpresa na vida

    Câmaras de confirmação pululam o mundo, desafiando-o a uma polarização cada vez maior e reduzindo o espaço da coesão, da troca qualitativa e sinérgica, da simbiose, da mútua afetação, do afetar e ser pelo mundo – e pelo outro – afetado, inclusive o diferente, e em suma, reduzindo o espectro e o escopo de alcance do amor, da surpresa na vida, do indizível, do imprevisível.

    Ou seja, professam o oposto do que disse Bauman sobre o amor: “Amar significa abrir-se ao destino, a mais sublime de todas as condições humanas, em que o medo se funde ao regozijo num amálgama quase irreversível”.

    A vida digital e as patologias psíquicas atuais

    Uma forma de reverter – ou contribuir para tanto – os aspectos prejudiciais da modernidade líquida, é preciso formar pessoas para terem uma responsabilidade para consigo para com o outro na linha de uma ética tanto de exposição de si coerente com um resguardo e veracidade, quanto uma ética social, no tocante ao lidar com o outro, a tal alteridade. Uma dose de conhecimento das artimanhas e do funcionamento elementar da psique humana e de si, portanto, deve estar disponível ao toque de um clique. A autocrítica precisa se dar de uma forma incentivada e sob bases psicanalíticas.

    Um FAQ ou campo “Ajuda” para fins de saúde mental nas redes poderia ser oferecido em aplicativos ou principalmente redes sociais digitais. Pílulas de informação quanto ao uso moderado, seja qualitativo ou quantitativo (horas/dia) seria de bom tom, como recente propaganda de certa operadora de celulares – note-se não ter sido feita por plataformas sociais online. O papel do psicanalista seria, assim, de relevante monta, dado que alimentaria tal portal ou seção deste, com vista a um uso mais humano e sustentável do mundo virtual, digital ou do metaverso, como se quer fazer conhecer.

    Acompanhamento online disponível, seja automatizado, por meio de diálogos inbox, seria algo ainda a se considerar, bem como algoritmos a perceberem dado usuário em via de melancolia, depressão ou tendências / ideação suicida. O incentivo à própria prática da terapia poderia lá encontrar abrigo, na própria praça de superegotismo e de vencimento ou superação aparente de mazelas da psique humana.

    Canais de autoajuda

    Há uma seara de possibilidades a serem exploradas que sugerem o próprio lócus como possível solução, este agora em bases inversas ou terapêuticas e que ensinem, como muitos portais ou canais de autoajuda, por meio de prints (mensagens concisas) diários, a se ter um mínimo de educação emocional ou psicológica, com vista, inclusive ao bem-estar social, à tentativa de superação de cisões, de posições inconciliáveis e de polarização em diversos segmentos da sociedade, de diversos matizes socioeconômicos.

    Tal polarização dialoga inclusive com a feita sob o bom, à princípio, prisma da ultra especialização de tudo, como a que se dá na ciência, retroalimentando o cenário descrito por Foucault: “As luzes que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas”. E na continuidade dessa especialização deletéria e complexização, gera-se a inércia e a irreflexão.

    Com isso, uma nova versão para o social pode e deve abstrair de tais óbices e começar e findar não somente no mundo acadêmico, mas nas próprias searas digitais, e com os meios que elas se utilizam – canais rápidos, mensagens curtas, verdades colocadas.

    Pacto para a vida social para superação das patologias psíquicas modernas

    Um pacto social soerguiria-se a partir daí, fazendo constar do próximo capítulo meandros para tal, em que a rede social deve, antes de tudo, ser humana e visar não só ao consumerism, mas também a atender a um interesse público, em linha com processos levados a cabo por países e até a UE contra dirigentes de tais portais de integração calcados meramente na manipulação à la Orwell de mentes visando a interesses meramente comerciais e de domínio comercial e de mercados, em desfavor do agente essencial, a pessoa.

    Isso no escopo do que defendeu Bauman, a saber: “A tarefa de construir uma ordem nova e melhor para substituir a velha ordem defeituosa não está hoje na agenda – pelo menos não na agenda em que se supõe que a ação política resida”. Ou ainda: “No mundo líquido moderno, a lealdade é motivo de vergonha, e não de orgulho”. Haveria, assim, no espírito das colocações e defesa dos parágrafos anteriores deste capítulo a intenção de superar o cenário descrito e de trabalhar-se as bases – ou lançá-las – para uma nova ordem sob o espectro da psicanálise como luz, em busca de uma maior consonância do humano para consigo e para os demais, sabendo tanto das dualidades na esfera da superfície quanto do âmago do eu, com o consciente e o inconsciente – e seus entremeios, a exemplo do inconsciente coletivo – e quiçá dos arquétipos de Jung.

    Isso com vista a se abarcar sua asserção: “Até você se tornar consciente, o inconsciente dirigirá a sua vida e você mesmo o chamará de destino”. Ou: “Arquétipo é uma ideia viva, que sempre incentiva novas interpretações, nas quais ele se desdobra”. Findando: “Até onde conseguimos discernir, o único propósito da existência humana é acender uma luz na escuridão da mera existência”.

    Um novo ethos digital para a psicanálise, em face à modernidade líquida

    Com isso, gerar-se-ia uma nova ética nas relações a se darem em ambiente virtual, a ir para além das correntes campanhas contra haterism (prática de haters ou “ódio”) e perseguição ou intolerâncias contra minorias, calcadas no respeito humano irrestrito, coerente com os direitos humanos universais. O ambiente virtual, ainda que seja assim chamado, é eminentemente humano e assim deve ser tratado e conduzido.

    Assim, a partir de um cenário de anarquia então vigente partindo para um de responsabilização, como o ocorrido no país com o racismo, que culminou com a Carta Constitucional de 1988, com direitos e vedações inerentes, chegar-se-ia, como para este a um paradigma de internalização de tais preceitos, uma mudança cultural de fato, e não meramente a esquiva forçada de potencial punição a gerar comportamentos moderados e respeitosos, ou humanos.

    Isso traria também ganhos aos que possuem transtornos psíquicos atrelados ao viés do ego exacerbado ou calcado em uma visão narcísica e desbalanceada de si ante o mundo, um auto-amor deletério e desmedido, na verdade insegurança, onde se evoca o trauma da partição ante o seio materno de uma maneira não completa, não permitindo uma lida coerente com o complexo de Édipo e com o universo interior ou inconsciente de maneira devida, o que gera tal comportamento instrumental no tocante a pessoas, o rechaço a figuras de autoridade, o uso e descarte, tão vivazes e propagados em era de ferramentas digitais, tudo a uma distância de um clique.

    Ensinamentos de Freud

    O novo ethos, portanto, calcado nos ensinamentos de Freud e na psicanálise, seria um de razoabilidade na relação consigo e com o outro, e onde o mundo virtual passa de um local de desfazimento de ganhos civilizatórios para um de reforço destes, sob o prisma do respeito ao humano e a uma constituição psíquica sadia ou funcional, ou, tecnicamente, neurótica calibrada mormente, porém com acessos ao seu eu e ao eu do outro sob caminhos suaves e engrandecedores, e não particionais e reprimidos ou ressentidos.

    Isso porque, segundo Bauman, “A preocupação moderna com a administração da vida [ e do ego narcísico nas redes ] parece distanciar o ser humano da reflexão moral [ e de si]” – adaptado. Ou: “Um medo genuína e irremediavelmente insustentável é o da invencibilidade do mal” – e isso deve e pode ser combatido pela adesão a um novo ethos, seja no metaverso, ou no verso, a realidade em si, a realidade posta, da qual cada vez mais – e de si – se desconhece.

    Conclusão: sobre a modernidade líquida

    Assim, tendo percorrido tanto a descrição do panorama das redes sociais e do mundo digital de interesse em trocas entre pessoas, e da patologia inerente, muitas das vezes propalada e gerada por este, mas também por uma ausência de senso ou mácula nesse sentido por parte dos agentes, catabolizando e turbinando agires narcísicos e/ou borderlines, bipolares e afins, em desfavor destes e da sociedade, chega-se à conclusão de que os próprios portais ou redes podem agir como elementos de superação de tal mal-estar na civilização.

    Isso pode ser alcançado seja propagando a contrarreforma – ou a busca de horizontes sadios da própria psicologia e da lida com o outro em bases coerentes e respeitosas, que deve passar pela própria busca de se expor de uma maneira menos afetada ou construída, mas mais veraz e humana -, seja oferecendo um canal para profissionais da psicanálise trazerem o mundo da busca do próprio inconsciente via transferência e par analítico, via superação de mazelas que levam à incompreensão de si e de seus mecanismos psicológicos, reféns do id ou do superego, em um ego disfuncional e que não media a contento os dois.

    Ou seja, a fim de se atender aos anseios postos por Foucault, vide: “Precisamos resolver nossos monstros secretos, nossas feridas clandestinas, nossa insanidade oculta”. Isso tendo em mente o ditame caro à psicanálise: “A psicologia nunca poderá dizer a verdade sobre a loucura, pois é a loucura que detém a verdade da psicologia”.

    Uma nova geração

    Ou ainda por meio da geração de um novo ethos no atuar nas redes visando ao bem comum, ao respeito mútuo e a uma sanidade nas trocas e na relação consigo, onde isso seja valorizado e tido por base nas trocas e no portar-se nas redes sociais, levando a superações do egotismo desmedido tanto nas esferas pessoal quanto social, com os ganhos que isso encerra, inclusive para o deslinde de uma sociedade mais humana no presente século XXI, tendo por base os ensinamentos da psicanálise e de Freud, bem como de seus seguidores e herdeiros intelectuais.

    A internet – e a redes sociais – dá, portanto, dupla possibilidade: – para o lado do egocentrismo, há evidente marca e estímulo, mas para a formação de uma nova consciência humana, ciente de seus meandros inconscientes, das suas agruras e profundezas, de suas contradições, de suas potencialidades, – há que se tecer as linhas condutoras, sob princípios da psicanálise e do bem comum, tendo por base o conhecimento de si e do que nos rege, seja na primeira ou segunda tópica freudiana, para um novo horizonte vivencial e de troca, nas searas digitar e real.

    Isso para se evitar o vaticínio de Bauman sobre os tempos superficiais e narcísicos da modernidade líquida, a saber: “ A sociedade de consumo prospera enquanto consegue tornar perpétua a não-satisfação de seus membros, e assim, em seus próprios termos, a infelicidade deles”. Nada admirável mundo novo, que leva, por sua vez, a Orwell. A saber: “Numa era de mentiras universais, dizer a verdade é um ato revolucionário”; “Quanto mais a sociedade se distancia da verdade, mais ela odeia aqueles que a revelam”; A massa mantém a marca, a marca mantém a mídia e a mídia controla a massa”.

    Referências bibliográficas

    BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001. FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Editora Vozes, 1987. JUNG, Carl Gustav. Ab-reação, Análise dos Sonhos, Transferência. Petrópolis: Editora Vozes, 1990. ORWELL, George. 1984. São Paulo: IBEP, 2003.

    One thought on “Modernidade Líquida: conceito de Zygmunt Bauman

    1. Mizael Carvalho disse:

      Muito bom texto,parabéns! Infelizmente com a modernidade líquida, surgiu o ser (Antissocial), o sem amigo ou seja, o ZUMBI,o que conversa é até briga virtualmente com quem está no outro lado da telinha “celular.”

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