mundo doente

O mundo doente (além do Covid)

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Hoje falaremos sobre o mundo doente. Século XXI, ano 2020. O Mundo se depara com um inimigo invisível. Terrivelmente cruel. Um vírus desconhecido, que surgiu de forma inesperada. Nada sabemos a seu respeito. Notícias invadem as mídias trazendo pânico e terror. O desconhecido invade terras, percorre municípios, cidades, estados, países e, domina o Mundo!

Entendendo sobre o mundo doente

As pessoas precisam se isolar e se confinar em suas dependências; o Mundo grita pelo isolamento social, uma vez que o mesmo tem sido a principal arma contra esse inimigo invisível e sua proliferação. Já não é seguro respirar sem proteção. Sair às ruas se torna especialmente afrontador. Nos afasta do nosso próximo, dos nossos parentes e familiares, tornando-nos cada dia mais distantes.

Manter contato físico se torna indicativo de proibição (dentro da lista de tantas medidas protetivas). As pessoas passam a ter medo de sair às ruas, de encontrar com outras pessoas. Sair no corredor do prédio, na farmácia, no supermercado (e em tantos outros locais), parece enfrentamento a uma batalha; uma batalha invisível.

Um vírus inimigo que veio fechar fronteiras, aumentar barreiras, delimitar regras de distanciamento. Um vírus que penetra no corpo humano e mata silenciosamente… Confinados em suas residências, sem poder ter contato com amigos e familiares, sem o direito de ir e vir, com o adoecimento e falecimento das pessoas, com todas as incógnitas e curiosidades advindas do vírus (já denominado SARS-CoV-2), vimos surgir os estados de:

Melancolia e mundo doente

Onde a tristeza parece ter cavado “um buraco na esfera psíquica”, com uma negação da realidade exterior. Onde a dor do luto se torna real e dilacerante. Onde as perdas do que era idealizado vão se esvaindo com o passar dos dias – uma perda inconsciente.

Onde o indivíduo se isola da sociedade, voltando-se para si mesmo e aí, percebemos a gravidade dos seus sintomas, a presença de conflitos de ambiguidade, de componentes sádicos nas suas relações e a sua proximidade com a morte. Ao delírio de inferioridade, junta a insônia, a inapetência e as pulsões de autodestruição. Casos de suicídios (atribuídos a sentimento de culpa, desejo de punição…) vão surgindo.

Pessoas delirando, anestesiadas sexualmente – sem desejo sexual, autocríticas, se julgando o pior dos humanos, indignos e se condenando à morte. Pessoas destruindo o “próprio EU” (onde a ação da pulsão de morte torna o SUPEREU extremamente forte e cruel a ponto de destruir o EU), “se perdendo” diante da pandemia

Depressão

Pessoas se desinteressando do mundo exterior em função da situação traumática (nesse caso, pelo Covid) e dos acontecimentos advindos do mesmo: do luto, da tristeza, das dificuldades profissionais e financeiras, do desgosto, das brigas e separações, da angústia… Pessoas se perdendo “da imagem de si, uma perda que se deu num tempo e que não volta mais”.

Se sentindo “vazias de não realizarem os ideais inerentes à cultura do narcisismo, uma cultura que determina um superinvestimento no eu, no consumo, na aparência” (Lasch, 1983). Pessoas impossibilitadas de lidar com a frustração; adquirindo compulsão por alimentos e objetos, consumindo drogas e bebidas alcóolicas, desenvolvendo FOBIAS. Pessoas se sentindo desamparadas, imobilizadas…

“As perdas, das ilusões, dos desejos ou a morte de um ente querido, trazem além da dor, a certeza da finitude. Ao entrar em contato com qualquer tipo de perda, o indivíduo é confrontado com a situação de desamparo. A perda coloca o indivíduo diante da CASTRAÇÃO, diante de um limite, de uma impossibilidade da qual ele não pode ir adiante. ”

Neuroses

As pessoas começam a constatar que a vida é transitória, condenada a ”finitude”; constatação essa que vai aumentando a cada dia que passa. Muitas pessoas começam a dar indícios de NEUROSES, onde têm “a necessidade em obter a satisfação do seu desejo e a impossibilidade de realizá-lo imediatamente”, por conta do confinamento, trazendo sofrimento e desadaptação em alguma (s) área (s) de sua vida.

Pessoas com quadros de NEUROSES ATUAIS (neurastenia e neurose de angústia) e PSICONEUROSES – também chamadas de NEUROSES DE TRANSFERÊNCIA (fobia, histeria e obsessão). A FOBIA, incapacitando/paralisando as pessoas dentro de suas ações, diante do cenário da pandemia, com sentimento de desamparo e aniquilamento. Pessoas com pânico de entrar em contato com o vírus, de precisar se internar, ser intubado e vir a falecer.

Quadros de NEUROSE OBSESSIVA, conhecida no âmbito da psiquiatria como TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo), pensamentos obsessivos ligados à ansiedade e que geram comportamentos repetitivos, como a mania de limpeza, a compulsão (por jogos, compras ou alimentar), com suas obstinações, onde as pessoas passaram a cumprir “rituais”, acreditando que estes terão influência sobre o mundo exterior, mudando o “cenário da pandemia”.

Percebemos pessoas utilizando MECANISMOS DE DEFESA PRIMITIVOS, relacionados às psicoses:

– REPUDIANDO (FORCLUSÃO): negando para si mesmas determinados acontecimentos das suas vidas, “uma negação extensiva à realidade exterior pela criação de uma outra realidade ficcional” (Zimerman, 1999, p.128).

– RECUSANDO: negando o entendimento da verdade, mas compreendendo que, bem no seu âmago, ela existe.

– IDEALIZANDO: como forma de suprimir o sentimento angustiante do abandono e da fragilidade que o momento nos confere.

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    A grande maioria das pessoas, passou a sofrer de:

    – TRANSTORNO DE ANSIEDADE, com preocupação excessiva e inquietação (agitação interior), muitas vezes acompanhada de comportamento nervoso. Apresentando: tensão muscular, dores musculares, fadiga, dificuldade para dormir, indigestão e problemas de concentração.

    – A SÍNDROME DO PÂNICO, com crises de ansiedade aguda repentina e intensa, marcadas com forte sensação de medo e desespero, mal-estar acompanhadas de sintomas físicos (palpitações, taquicardias, suor excessivo, tremedeira, dificuldade em respirar ou falta de ar, dores no peito, tonturas, sensação de fraqueza, calafrios, formigamento…), emocionais e psicológicos aterrorizantes (medo extremo de morrer, de sair de casa, perda de controle sobre os pensamentos, sensação de estar fora do corpo…)

    – TRANSTORNOS DE HUMOR / BIPOLARIDADE: Oscilação do humor, entre episódio de mania/ maníaco (as pessoas mais excitadas, com aumento da libido, perda da necessidade de dormir, gastos com dinheiro mais elevados do que o normal, delírio de grandeza, com o pensamento acelerado, com fuga de ideias, alucinações, comportando-se de modo inconveniente e demonstrando pouca tolerância à frustração.

    Outros sintomas do mundo doente

    “Humor distintamente elevado, expansivo ou irritável, autoestima inflada, agitação psicomotora, sensação de bem-estar e energia intensos” SADOCK, 2007.) ou hipomania/ hipomaníacos (“humor deprimido, melancólico, desânimo, falta de energia, diminuição da libido, alterações no apetite e no sono, agitação ou retardo psicomotor, sentimentos de inutilidade ou culpa, ideias recorrentes sobre morte/ tentativas de suicídio” DELL’AGLIO JUNIOR et al, 2007) e episódios depressivos.

    Em suas casas, emergiram

    – ESQUIZOFRÊNICOS, com grande ódio à realidade, alucinando (ouvindo vozes e vendo coisas não presentes), com pulsão de morte ou desejo de aniquilamento;

    – PARANÓICOS (da perda de contato com a realidade, com seus delírios de perseguição, ciúme, grandeza).

    Com a proibição e instauração do isolamento social, vimos intensificados os contextos de CASTRAÇÃO, nesse caso “designa uma experiência psíquica completa, que está relacionada a aceitação da quebra de um certo sentimento de onipotência que o EU insiste em sustentar, na relação imaginária com o outro. O isolamento social, castrou a ideia de que o sujeito está no controle de tudo.” (Sanches, 2010).

    E REPRESSÃO DOS DESEJOS: “que é um mecanismo de defesa, que age a partir da censura imposta pelas normas da sociedade.” (Sanches,2010), nesse caso, através do NÃO poder sair de casa; do NÃO poder visitar seu amigo. Afetos mobilizados, relações distanciadas e destruídas, pela possibilidade de adquirir o vírus.

    Comportamentos perversos

    Deparamos com transformações caracterizadas pelo uso indevido do poder, pela indeterminação, pelas desconfianças, pela manipulação e informações distorcidas da mídia. Pessoas com comportamentos PERVERSOS (causando dor e sofrimento a população); usando seu poder para manipular as outras, sem nenhum sentimento de culpa.

    Nesse primeiro ano de pandemia, percebemos pessoas lutando pela preservação da vida, com PULSÕES de auto conservação. Vimos pairar no mundo uma crise humanitária, vimos surgir um sentimento de solidariedade (movimentos e grupos ajudando pessoas, vizinhos saudáveis ajudando os mais debilitados…) e de esperança (estudo científico correndo contra o tempo, em busca de respostas, de tratamento, de cura, de vacina…).

    Uma ideia de que o mundo estava mudando e cobrando essa mudança de cada um de nós, nos fez pensar que a humanidade “evoluiria”. “Esse é o momento propício para que as pessoas batam um papo com seus fantasmas, olhem para seus saberes inconscientes, para as suas profundezas, e aprendam primeiro a se conhecer”. (Lacan)

    A esperança no mundo doente

    “Vivemos numa era marcada pelo questionamento das certezas absolutas, das grandes narrativas, o que por um lado deixa o indivíduo frágil, vulnerável, desbussolado.” (Lipovetsky, 2004)

    Ano 2021, surge uma esperança através da ciência: vacinas que prometem combater os sintomas mais graves do vírus. E, assim, o Mundo começa a “ser vacinado”. Com essa notícia, as pessoas reiniciam suas vidas, se adaptando a nova forma de viver, mesmo sem a imunização completa.

    O imaginário se coloca ao contrário do real, assim como a desinformação; alguns vão seguindo as orientações, outros, “abrem a guarda”. A obrigação do isolamento é afrouxada em vários locais do Mundo. Fronteiras começam a ser liberadas, algumas pessoas vêm e vão, se sujeitando a confrontos de ideias e ideais, cumprindo e descumprindo normas.

    Vemos surgir as “variantes do Coronavírus” circulando entre as pessoas…

    Ainda assim, encontramos pessoas se expondo ao Coronavírus (Covid-19), fazendo reconhecer-se no risco, na insegurança, tomando decisões humanas, reativas, rompendo com paradigmas, não mais agindo passivamente conforme as PULSÕES “nesse sentido, entendida como uma espécie de paralelo intrapsíquico aos estímulos externos, e que, diferentemente destes últimos, não age momentaneamente, mas pressiona o organismo com uma força constante em busca de descarga” (Sanches, 2010, p.05).

    Pessoas na possibilidade de sustentar a responsabilidade de, pelo menos tentar fazer-se existente, numa sociedade onde impera o gozo, o lucro, onde não tolera a dor, o sofrimento e o afastamento por muito tempo.

    A publicidade defendendo o consumo, como forma de se obter uma satisfação pessoal, um prazer imediato, para “acalentar os dissabores da solidão, da doença, da fadiga, da insatisfação sexual”, condenando o ser humano a uma insatisfação ainda maior. Começamos a acompanhar pessoas que antes não eram ansiosas, agora sofrendo com ansiedade; assim como agressivas, irritadas, com sentimento de confusão e desorientação, entediadas…. Ou seja, com manifestações além das determinadas pelo corpo biológico, agora, também no CORPO PSÍQUICO, com sintomas PSICOSSOMÁTICOS.

    O auxílio terapêutico

    Ainda estamos no processo de estudo de um remédio para a possível cura ou prevenção da doença (Covid-19), entretanto, precisamos ficar alertas com o constante crescimento das doenças psicossomáticas; buscando auxílio terapêutico, para um possível olhar profundo aos sinais e sintomas desencadeados e agravados nesse novo tempo.

    Penso que devemos refletir sobre essa era NARCÍSICA “pois se é por meio do outro que o sujeito sabe quem é, neste momento de distanciamento social e constante presença consigo, que pode se reconhecer quem quer mesmo ser.” Nos reinventar, nos reescrever, insistir em novos desejos e projetos, cultivar o altruísmo, a humildade com todas as pessoas e a solidariedade. Aproveitar esse tempo para fazer um NOVO TEMPO com auxílio da PSICANÁLISE.

    Este artigo sobre o mundo doente (para além da Covid) foi escrito por Fatima Quagliani, Psicanalista Clínica formado pelo IBPC, com especialização em Relacionamentos e Psicanálise Clínica Infantil. Contato para atendimentos, palestras e cursos via WhatsApp (021) 96930-3122 ou e-mail: [email protected].

    2 thoughts on “O mundo doente (além do Covid)

    1. Denise Guichard Sztutman disse:

      Parabéns pelo ótimo artigo! Vimos tudo isso acontecer. É um período que nos marcará para sempre. E cada vez mais precisaremos de profissionais da área da saúde mental para nos ajudar a superar os estragos.

    2. Fui verificar a data da matéria de vocês porque com a divulgação do Censo, percebi que a população reacendeu a cautela para o uso de máscaras, afinal o decréscimo populacional em torno de 4 milhões é bem diferente da letalidade da Covid-19 divulgada pela imprensa e SUS. Lembrando que o último decréscimo populacional havia ocorrido no Século XIX (Retrasado)! Até então no primeiro semestre de 2023 a impressão que eu tinha era de que a Covid-19 fazia tempo que havia ocorrido: todo mundo tão junto (aglomerado)! Até em ambientes fechados, sem janelas na altura das pessoas, a chamada ventilação forçada, como nos atacadoes no setor de alimentação, higiene e limpeza, a preocupação era higienizar carrinhos e mãos com narinas “a mostra”!!!!

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