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Psicanálise na atualidade: desafios no mundo virtual

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Antes do mundo virtual, Freud a partir de estudos e observações feitas em seus pacientes psicóticos e histéricos, na clínica psiquiátrica onde trabalhava, em 1882, postulou que os problemas apresentados por esses pacientes, tinham origem em seu inconsciente. Freud passou a centrar seus trabalhos e pesquisas em pacientes neuróticos e psicóticos, dando origem à Psicanálise.

A Psicanálise e o mundo virtual

Para Freud, era necessário que o indivíduo trouxesse a memória do trauma que está recalcada no inconsciente, para o consciente, para que o conteúdo trazido fosse trabalhado e finalmente o sujeito conseguisse se livrar dele. Porém, Freud constatou que havia um obstáculo que impedia do paciente relembrar do trauma, o que ele chamou de resistência. O paciente precisava desprender muita energia para rememorar o passado e a hipnose surgiu como uma forma de suspender essa resistência.

Utilizando a hipnose, Freud observou que, após reviver lembranças traumáticas, seus pacientes tinham melhoras consideradas e em alguns casos, os sintomas desapareciam por completo. Com base nessas experiências, Freud descreveu que a origem dos estados histériconeuróticos estava no processo psíquico recalcado (Freud, 1980/1915).

Posteriormente, Freud defendeu que, após exteriorizar o fato traumático através da fala, era como se eclodisse toda carga emotiva que pesava no paciente e ele passava por um processo, chamado por Breuer (um dos mestres de Freud), de catarse. Para ele, ao trazer o trauma para o consciente, acontecia um processo chamado de ab-reação, através do qual, ocorria uma descarga de todos os acontecimentos traumáticos e as emoções ligada a ele e como resultado dessa descarga, vinha a catarse.

Antes do mundo virtual

Com base nessas descobertas, surgiu a associação livre, método psicanalítico através do qual, o sujeito é convidado a encontrar palavras, que expressem os pensamentos inconscientes, abandonando as resistência e se permitindo verbalizar, sem julgar nem avaliar o que está sendo dito, simplesmente falar tudo que vem à cabeça, ainda que de forma desconexa e desorganizada, cabendo ao terapeuta buscar os fios lógicos de suas palavras.

O tratamento Psicanalítico

Celes (2005), escreveu que o sentido do tratamento psicanalítico, se inicia no fazer o paciente falar, vencer as resistências, através da associação livre e, para isso, o terapeuta deve ficar em posição de abstinência, ou seja, não tomar atitudes, não sugerir fala, não induzir a forma de falar e nem estipular metas para serem alcançadas no tratamento. Ao mesmo tempo que deve manter a abstinência, o terapeuta deve estar atento a tudo que o paciente fala, captar até os pormenores de sua fala.

Para a psicanálise clássica, vencer o processo de resistência e estar atento ao processo de transferência, é uma das mais importantes premissas para que o sujeito consiga realizar o processo de catarse e, para isso, foi introduzido o divã no setting terapêutico. Para Freud, manter-se não visível aos olhos do analisado (daí a posição na cabeceira do divã), demonstra uma neutralidade do analista no processo, para que seus movimentos e olhares não expressem nenhuma reação, condução nem constrangimento, resistência.

Permitir que as inúmeras facetas surjam sem pressa e sem condicionamento, é para a psicanálise tradicional, uma forma de respeitar o paciente, e essa é uma das razões que fazem com que o processo analítico seja longo, já que a análise, é um processo construtivo lento e não entra na onda consumista que prega uma felicidade imediata

O mundo virtual e o que mudou na clínica Psicanalítica

Desde a descoberta do inconsciente feita por Freud, passando por todo legado que ele nos deixou como Pai da Psicanálise até hoje, muitas mudanças ocorreram ao longo do tempo no processo terapêutico. Ultimamente tem se questionado sobre a eficácia e rigidez dos métodos empregados no processo psicanalítico.

O psicanalista é visto com um profissional fechado em um consultório, sentado por trás de um divã de forma fria e imparcial e, que se abstêm da palavra para não influenciar no processo subjetivo do paciente. Diversas outras teorias psicoterapêuticas foram sendo postuladas ao longo das décadas e de acordo com os fundamentos de seus estudos, cada terapeuta enxerga seu paciente com o olhar que tem como base o seu entendimento de sofrimento e tratamento, não importa se é gestalt, rogeriano, junguiano.

Ao mesmo tempo, não há como enterrar o postulado de Freud e considerá-lo arcaico e sem valor, mas fazer uma releitura de seus conceitos e práticas, trazendo para a contemporaneidade seus valiosos ensinamentos. Novos sintomas e conflitos têm surgido na vida do sujeito moderno e uma vez que o psiquismo vai além do campo representacional, cabe aos psicanalistas buscar a interpretação através dos gestos, corpo, forma de falar e olhar do paciente. Para Kallas (2006), o analista de hoje, não pode apenas se concentrar no conflito psíquico e no recalque, mas deve se aprofundar na busca por novas formas para descrever em palavras o mal estar do sujeito. Enlaçar a clínica psicanalítica na cultura do sujeito, ampliar seu olhar para além da palavra, abarcar sua cultura e o que ele produz.

Processo analítico: novos rumos e desafios do mundo virtual

Escondidos por trás do anonimato das telas de computadores e celulares, as pessoas mostram quem são e inventam quem não são para demonstrar comportamentos às vezes agressivos, status que não possuem e tudo vai entrando numa conexão que move o mundo de forma dinâmica e rápida. Estamos na época onde as informações tem pressa de ultrapassarem todas as fronteiras e em poucos segundos já estarem ao alcance de todos.

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Diante desse contexto, o processo terapêutico precisou fazer adaptações para acolher e cuidar desse novo sujeito. Em seus estudos, Freud argumentou que havia um fio condutor que enlaçava o passado, o presente e o futuro e a partir daí, o inconsciente era estruturado, mas diante de uma época onde conceitos de temporalidade e espacialidade se apresentam de formas diferenciadas, o olhar para esse novo sujeito deve está focado no processo de presentificação que ele vive hoje (Kallas, 2006).

O novo cenário traz um novo sujeito, com uma nova demanda em relação à sintomatologia e conflitos e para isso, a necessidade de uma releitura da clínica psicanalítica. Além disso, devido ao processo de presentificação, o sujeito de hoje, apresenta uma certa dificuldade em fazer a associação livre, que o remeta ao passado para o centro de seu trauma inconsciente, porque ele está cristalizado no presente.

Considerações finais

Se o analista precisa estar atento aos gestos, à forma de falar, sentar, mexer, do paciente, os consultórios virtuais limitaram o acesso a esse tipo de informação. Ainda que os atendimentos ocorram com câmeras ligadas, a visão do paciente fica limitada para o terapeuta. É necessário uma atenção e concentração ainda maior por parte do analista para captar as expressões faciais, olhares e gestos.

Num mundo onde existe uma dificuldade maior de se mergulhar no inconsciente do paciente para trazer à tona seus traumas porque tudo está muito no hoje e na pressa de se resolver, o papel do analista de não sugestionar tem sido questionado por pacientes que adentram o setting terapêutico em busca de respostas imediatas e resoluções para seus conflitos. Essa alienação imaginária do sujeito é um comportamento característico do ser atual uma vez que sua subjetividade está esvaziada e ele está num processo de pressa o tempo inteiro.

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    Daí sua necessidade de lançar ao outro a responsabilidade de rapidamente resolver seus problemas. Esse é o desafio atual da clínica analítica, buscar identificar o mal estar do sujeito contemporâneo, se alinhar à sua cultura e às suas vivências para junto com ele, encontrar as respostas que ele necessita.

    Referências

    CELES, L. A. Psicanálise é trabalho de fazer falar, e fazer ouvir. Psyche (Sao Paulo) v.9 n.16 São Paulo dez. 2005. FREUD, S. Artigos sobre a metapsicologia. O inconsciente. In S. Freud, Obras completas (Vol. 14). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1915a). 1980. KALLAS, M. B. L. M. O sujeito contemporâneo, o mundo virtual e a psicanálise. Reverso vol.38 no.71 Belo Horizonte jun. 2016.

    O presente artigo foi escrito por  Ana Regina([email protected]). Graduada em Pedagogia e em Comunicação Socia. Psicanalista. Especialista em Saúde Mntal. Especialista em Suicidologia. Especialista em Neuropsicopedagogia. Especialista em Educação Especial e Transtornos Globais do Desenvolvimento. Escritora do site: https://acolhe-dor.org

     

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