Neste artigo falaremos sobre paciente histérica . O processo civilizatório é programado para desejar uma condição de sujeição: a massificação, o nivelamento e a uniformização. Também é sabido que os sintomas se dão numa relação do sujeito com a sua cultura. Esses aspectos se relacionam ao conceito de histeria que se plasmou ao longo da história no corpo social do feminino.
Entendendo sobre a paciente histérica
A somatização advinda da opressão sexual de gênero se metaforizou pela patoplastia no sistema reprodutor feminino. O gênero da histeria e a histeria do gênero Hipócrates, considerado o pai da medicina, empregava que a intervenção para os sintomas patológicos originados pelo útero – animal que caminha pelo corpo da mulher em busca de alimentos – seria o casamento, o sexo e a gravidez, associados com chumaços de perfumes introduzidos na vagina.
Entrementes, a incidente conjectura de um corpo que é titular de útero com uma exclusiva analogia à processos de adoecimentos, é a instância psíquica inicial para a depreensão de uma entidade inferiorizada. Seguidamente, a mulher no período grego fora delineada como um homem inacabado, com isso, imperfeita.
A premissa dessa irregularidade se justificava pela alegorização de um movimento errôneo do útero (hysteron) e, dessa suposta imperfeição as definições das disfunções pela linguagem da época era a máxima para a deliberação de uma condição patológica: histerikas.
Paciente histérica e a psicossemantica
Nesse ínterim, o critério normativo higienista estruturado em torno das mulheres atenienses, era a capacidade de subsistir em conformidade psicossemantica a partir de um outro, o do sexo oposto – primeiramente como filha, depois como esposa e, finalmente, na sua função última: gerar cidadãos para a formação da pólis. Esse engrama psíquico se materializa na Idade Média através da vida monástica cristã e o papel da mulher assente nos axiomas patriarcais das escrituras bíblicas.
Isto posto, a fúria da literalidade nas profecias dizimou as mulheres “bruxas” (histéricas) pela fogueira: as que manifestavam afetos contrários à posição preeminente da assexuada e imaculada virgem. A submissão da mulher ao pai e, depois, ao marido se cristaliza no século XIX. O desapossamento da identidade da mulher através de normas implícitas e explícitas de obediência fundamentam um complexo processo de sofrimento psíquico.
A gramática social desse período condiciona a histeria à lesão orgânica ou ao fingimento. Cabe ressaltar que, a masculinidade era atestada pela iniciação sexual com escravas e pela subserviência da esposa impreterivelmente fiel e leal. Dissemina-se neste período a correlação da histeria com a mulher fora de controle pelos servos resolutos do senso comum.
A doença dos nervos
Um outro ponto interessante a salientar é que a aristocracia considerou a “doença dos nervos” requintada, sinônimo de pessoas inteligentes e sensíveis com as questões humanas, e com isso, elegida como comum aos dois gêneros. Na passagem para a burguesia, retorna à titulação patológica exclusiva do sexo feminino, pois o homem, considerado o centro da família e dos meios das produções das riquezas, é inaudito sofrer de tais disfunções. Logo, o controle implícito estatal introduz uma arqueologia psíquica performativa de gestão sobre o gênero masculino.
Dentre um jogo de interlocuções, Jean Martin Charcot (1825-1893), inaugura o estudo da histeria através de testes laborais. Em razão dessa situação, sugeriu que há um período de incubação situado entre o trauma e o aparecimento dos sintomas. Josef Breuer (1842-1025) e Sigmund Freud (1856-1939), utilizam a hipnose através do método catártico para tratar a histeria.
Nesta abordagem, percebeu-se que há um mecanismo psíquico por trás dos sintomas histéricos: os desejos reprimidos em confronto com a exigência identitária do gênero (a imagem ideal a ser exteriorizada), recalca essa intrapsíquica tensão conflituosa e se externaliza como sintomas. Atualmente é importante saber que as características inerentes da histeria foi fracionada nos termos de suas ocorrências, como por exemplo a depressão, a síndrome do pânico, o transtorno narcísico, o transtorno alimentar, dentre outros.
DSM-5 e a paciente histérica
Portanto, depreende-se hoje que tais patologias não ocorrem somente no gênero feminino, e sim através de instancias normalizadoras de condutas. Baseado nesse contexto, o termo na sua gênese não consta mais no Manual Diagnóstico Estatístico de Transtorno Mentais: DSM-5. Outrossim, pela perspectiva etiológica da palavra, é retratado uma ascensão das ocorrências no gênero masculino.
A memória social fecunda no protótipo para a condição de masculinidade, presentemente vem sendo questionada. Uma subjetividade que elucubra as relações sociais, a identidade é confrontada com a relação de sujeição pela perspectiva do outro.
O homem que sede excessivamente ao desejo do outro, eclode cada vez mais sintomas de natureza somáticas. Em síntese, tais considerações apontam que o conceito de histeria se reformula a partir da reflexão sobre as estruturas regulamentárias em relação ao gênero.
Conclusão
Modelos hegemônicos de instituições normativas sobre corpos, impedem a multiplicidade de condutas, constituindo se em um corpo portador de patologias, que reprime seus impulsos. Entretanto, a partir de uma nova reflexão na gestão dos indivíduos e com isso, a nova relação da mulher no meio social, a histeria deixa de ser instrumento intrínseco de diagnóstico de gênero e sim, um saldo psíquico dos processos de socialização.
O presente artigo foi escrito por Flávia Besse. Regente da Sala de Leitura do Ciep Wagner Gaspar Emery, RJ. Psicanalista em formação, possui licenciatura em Educação Física e Bacharel em Filosofia. Logo, respira esportes e leituras filosóficas. email: [email protected]
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2 thoughts on “Paciente histérica, paciente histérico: qual o gênero da histeria?”
Com respeito à literatura, mas pelo menos no que se percebe, nas últimas décadas é a “baixa atuação” peniana nos homens, que até outrora foram férteis (são pais) e, Independente do gênero, deixaram de ser “penetrados”, vindo a “serem histéricos”! Tive um colega, que muitas vezes, vinha conversar comigo e logo alterava a voz, com momentos de grito, que uma colega chegava “na área” percebendo a alteração dele! Já com colega trintão ele era risinho, almoçava junto e, como para “disfarçar” dizia que considerava o colega como filho, mas ai ouvia de feedback: “essa biba”! E tem homens maduros, hoje que são de uma época, que a juventude se valia da “sexualidade fluida” para não revelar ser gay e por ser “fluida” acabavam sendo também paquerados por mulher. Ai como não há “ex gay” acontecia de ocorrer eventual transa sogro X genro. Esse colega que mencionei com “episódios” de histeria, teve filho e, ai nora! Em suma, iremos naquela tese: uma sexualidade resolvida, se traduz em homens e mulheres com emocional, via de regra, amadurecido!
Muito bom comentário histórico, acerca da histeria. Foram tantos afazeres dados as mulheres, que no final sobraram (os gritos) em forma de protestos. Que a própria sociedade da época apelidou de “histeria”.