se colocar no lugar do outro

A difícil arte de se colocar no lugar do outro

Posted on Posted in Comportamentos e Relacionamentos

Seria uma arte se colocar no lugar do outro ? Talvez seja mesmo. Arte para poucos. Atores, por exemplo, deixam de ser quem são durante algumas horas, para interpretarem personagens com sentimentos e vivências diferentes. Seja no cinema, no teatro ou nas telenovelas. Escritores são mestres na arte da criação ao darem vida a vários personagens com características próprias.

Se colocar no lugar do outro com base em Poetas e Escritores

Machado de Assis, por exemplo, dominava a arte de escrever personagens ciumentos, quase sempre envolvidos em adultério. Mas o próprio Machado foi um bom marido e teve um casamento harmônico com a mulher Carolina. Os poetas também, nem sempre escrevem o que sentem ou vivenciam. São bons observadores e conseguem captar o outro com muita sagacidade.

Fernando Pessoa escreveu um poema sobre a arte de fingir dos poetas : “O poeta é um fingidor./ Finge tão completamente. /Que chega a fingir que é dor. /A dor que deveras sente./ Psicanalistas e psicólogos também precisam esvaziar suas mentes para compreender o que o analisando está vivendo. E é preciso não julgar. Apenas compreender. Eles vivenciam a chamada alteridade. Vivenciam a dor do outro, para através deste processo simbiótico, pontuar questões importantes durante uma sessão de análise. É um processo de crescimento. De troca. Onde o analisando vai repensar suas dores através da reflexão.

Uma reflexão que ajudará no amadurecimento do ser. O profissional capaz de tamanha interação com o outro, no momento em que usa a escuta, percebe-se e doar um pouco de si também passando pelo processo de amadurecimento.

Carta de Freud para Jung e se colocar no lugar do outro

Em uma carta para Jung, Freud escreveu: “Poder-se-ia dizer que a psicanálise é, em essência, uma cura pelo amor”. O pai da psicanálise entendia que somente o amor genuíno é humilde o suficiente para poder esvaziar o próprio ego e tocar profundamente a alma de outro ser humano. As técnicas psicanalíticas são essenciais, a cura pela fala através do método da associação livre permite esta troca.

Mas ela seria vazia, se não houvesse a capacidade da alteridade. Parece um exercício fácil, mas na prática nem sempre é ou quase nunca acontece . O ser humano geralmente está voltado para seus próprios problemas e muitas vezes não consegue enxergar a dor do outro. Talvez o principal obstáculo seja o egoísmo. Verdade. Todo ser humano tem seus próprios questionamentos, vivências e reflexões.

Cada indivíduo tem histórias de vida diferentes. Somos seres individuais, porém convivemos em sociedade. Como seres sociáveis deveria haver mais cooperação entre as pessoas. Explicando de maneira simples, seria mais fácil, por exemplo, o morador de um prédio que adora música, entender que escutar um “ som alto” incomoda o vizinho. Ou ainda, um jovem motorista deveria saber que não poderia estacionar o carro na vaga de um idoso.

Convivência Harmoniosa

Não é apenas falta de educação, mas também uma questão de empatia e convivência harmoniosa. A falta de uma convivência civilizada e de desrespeito pelo espaço do outro, gera conflitos.

Muitos conflitos acabam desenvolvendo fobias, depressões, ansiedades e até estresse pós-traumático. E assim, caminhamos cada vez mais, para uma sociedade doente, onde prevalece a lei do mais forte.

De quem grita mais. Dos donos da verdade. Do personalismo. Do culto ao Eu. Do narcisismo cada vez mais intenso em nossa sociedade. De acordo com Freud, que falou sobre o tema, todos nós somos um pouco narcisistas. Questão de autoestima. Porém, narcisismo exagerado, acaba tornando-se um transtorno.

Mídia, narcisismo e se colocar no lugar do outro

A mídia e as redes sociais, principalmente, corroboram e incentivam cada vez mais, o culto ao eu, ao corpo, aos bens, ao autoerotismo. Não precisamos nem sair de casa, para nos depararmos com narcisistas, basta um movimento no celular para olharmos as redes sociais. Nela encontraremos amigos virtuais postando compulsivamente fotos em academias, jantares, passeios.

Não é ruim mostrar felicidade. Ela só é prejudicial quando o sujeito não consegue mais viver sem a necessidade do exibicionismo. Tudo o que vira compulsão reflete na saúde mental. A obrigação de ser feliz , o culto à felicidade torna o ser humano infeliz. Paradoxo dos nossos dias. Por outro lado, as relações interpessoais teriam mais alteridade se cada indivíduo, por um momento, conseguisse se colocar no lugar do outro. Para isso não é preciso abrir mão das suas crenças, da sua individualidade, nem da personalidade.

Bastaria apenas entender que somos seres humanos em processo de crescimento e o crescimento, passa pelo respeito ao outro. Mas como então, se colocar no lugar do outro por alguns instantes, se o indivíduo já não consegue nem ser ele mesmo, perdido em subjetividades ? Embora se volte cada vez mais para si, ele se torna confuso e vazio. Paradoxo dos nossos tempos.

Conclusão

Somente através da alteridade e da empatia que poderemos transformar o mundo e torná-lo mais habitável para as próximas gerações. Afinal, só é possível conviver e entender as diferenças quando praticamos o exercício de se colocar no lugar do outro. Não para ser o outro, mas para entender os limites do outro. E é, entendendo os limites do outro, que também passaremos a entender os nossos próprios limites , aprendendo a conviver e não somente a viver.

Por enquanto, essa tarefa acontece com mais intensidade na escrita dos poetas, escritores, artistas e também no setting psicanalítico. Não é por acaso que Freud admirava arte e acreditava que através da sublimação como um mecanismo de defesa, o analisando/artista poderia encontrar um equilíbrio aceitável socialmente. Vários psicanalistas também abordaram e tiraram inspiração para suas teorias em obras literárias ou em outros trabalhos artísticos.

A psicanalista Melanie Klein acreditava que a arte poderia organizar a estrutura mental do indivíduo. Ela usava a brincadeira com massinhas e joguinhos no seu setting analítico com as crianças. Deixando assim, elas expressarem a sua criatividade. Portanto, a arte seria um caminho viável para o sujeito, perdido em seu lugar no mundo, desenvolver a criatividade e também a alteridade para ser o outro que existe nele e ele desconhece . E só praticando o exercício do autoconhecimento é possível exercitar a empatia. Difícil, mas não impossível. Tudo na vida é um processo em constante transformação.

QUERO INFORMAÇÕES PARA ME INSCREVER NA FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE

    NÓS RETORNAMOS PARA VOCÊ




    O presente artigo foi escrito por Celamar Maione( [email protected]). Jornalista, Pós graduada em Direitos Humanos e Psicologia Forense. Psicanalista com formação pelo IBPC.

    3 thoughts on “A difícil arte de se colocar no lugar do outro

    1. Hoje, o dito estilo sertanejo é chamado de sofrencia, mas as músicas continham muitas Histórias pessoais e diria Antropológica! Quando a gente, que tem mais de 50 anos, ouvia pessoas de mais idade, percebia em alguns relatos um quebra cabeças sobre, por exemplo, uma viuvez, que poderia ter sido marido ou esposa, que saiu de manhã e nunca mais voltou. Ainda mais numa época em que ser desquitado, havia um certo preconceito! Por isso, que é paradoxal, termos o “mundo nas palmas das mãos” e haver tanto ruído na comunicação! Por isso, priorizar mais a troca de vivências. Há pouco tempo, foi pintado o prédio em que moro e, o olhar que o pintor expressou como opinião de eu estar em dia de semana, fazendo minhas leituras… Seria bem melhor se ele se interessasse em saber quantos anos eu trabalhei, como eram minhas tarefas e ambiente de trabalho, ai quem sabe ele refleteria que trabalhar sozinho e organizar seu dia, tem lá sua vantagem. Quanto a ser pintor, a permanência na atividade ou mudar de atividade, só depende dele. Comecei com maquina de escrever e encadernação: se não tivesse cursado faculdade, não teria completado minha carreira: haveriam anos de desemprego no caminho!

    2. Orlando Belli disse:

      Muito bom, o artigo.
      As virtudes citadas, são inerentes ao Homem. Fazem parte de um magnifico aprendizado. Os portais dos conhecimentos se abrem, para aqueles que procuram. Ai residem, as chaves, para aberturas das “fechaduras” Mas também existem, as tramelas, os fechos, os trincos, as cancelas, os pinos, as cercas, muros… e muito mais… Namastê

    3. Mizael Carvalho disse:

      Muito bom artigo! Nós somos um ser social, precisamos nos relacionar, com outras pessoas e não ficarmos isolados.
      Usando uma frase bem antiga: ” NÃO É BOM O HOMEM (SER HUMANO) ESTEJA SÓ “.

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *