O poder do silêncio é uma das formas de resistência mais frequentes encontradas durante as sessões psicanalíticas.
Geralmente é usado pelo analisando quando teme a exposição e por isso se cala. Resiste ao que está guardado no inconsciente. Cabe então, ao analista, decifrar os mistérios e enigmas escondidos na mente do analisando.
O silêncio constrange. Esconde. Desvia o foco. Atribui um certo poder ao analisando que está “ nu” na frente do psicanalista.
A Literatura
Paradoxalmente, se durante uma sessão de análise significa resistência, ele é um recurso comum ao artista que deseja se comunicar com o público. Poetas, compositores e escritores usam muito a palavra “ silêncio” para expressarem o que estão sentindo. Parece uma contradição e talvez seja mesmo.
A escritora Clarice Lispector tem uma frase atribuída a ela nas redes sociais dizendo “ O que sinto não é traduzível. Eu me expresso melhor pelo silêncio.” Apesar da frase, Clarice é uma escritora, logo, usa as palavras para se comunicar com seus leitores. Para ela, é uma defesa. Uma maneira de dizer não dizendo.
Na música “ O silêncio das estrelas”, o cantor e compositor Lenine usa uma metáfora inspiradora para expressar a finitude do ser e a solidão, ao cantar : “ Solidão, o silêncio das estrelas, a ilusão/Eu pensei que tinha o mundo em minhas mãos/Como um deus e amanheço mortal.”
Fernando Pessoa e o poder do silêncio
O poeta Fernando Pessoa também usa a palavra para comunicar a complexidade dos relacionamentos afetivos “ Jazes sentado, fumando, no canto do sofá grande/Jazo sentado, fumando, no sofá de cadeira funda/ Entre nós não houve, vai para uma hora,/ Senão os olhares de uma só vontade de dizer./Renovamos, apenas, os cigarros ¬– o novo no aceso do velho/E continuávamos a conversa silenciosa,/ Interrompida apenas pelo desejo olhado de falar…./ No caminho do mundo espiritual, o silêncio é entendido como um gesto grandioso. Gandhi ensinava aos discípulos que o “silêncio faz parte da disciplina espiritual de um seguidor da verdade.”
Poder do Silêncio no cotidiano
No entanto, se o silêncio é usado por escritores, poetas, compositores e líderes espirituais como um recurso para a comunicação, no dia a dia, ele é usado pelos indivíduos com vários significados. Uma mãe pode usar o silêncio para castigar ou demonstrar irritação pelas atitudes inconvenientes de um filho. Ao dizer “ cala a boca, agora quem fala sou eu!”, ela intimida o filho. Ele então, usa o silêncio para se defender ou por medo e/ou respeito.
A mãe também pode usá-lo como forma de reprovação, ao se calar, e fazer um gesto de desaprovação com a boca, por exemplo. Há também agressividade no silêncio. Costuma-se se dizer, em certas horas, que ele machuca. Parceiros, principalmente mulheres, vítimas de relacionamentos abusivos, também temem o silêncio.
Pois se gritos e socos na mesa são uma forma de agressão psicológica, o silêncio também pode ser um mecanismo de manipulação . Explico : o marido ao sair do trabalho, desliga o celular e ao invés de chegar em casa no horário habitual , chega duas horas depois.
O questionamento da mulher
Ao chegar a casa, encontra a mulher esperando por ele preocupada pela falta de notícias. Ao questionar o parceiro pela demora, recebe como resposta o silêncio. O marido nada diz, apenas olha com olhar entediado e sai.
Dependendo do estágio da relação, ele pode estar cansado de dar satisfação e prefere se calar, para não entrar em conflito. Ou pode também silenciar, para tripudiar , diante dos questionamentos dela.
O silêncio narcísico e nas relações
Por exemplo, se o parceiro é um narciso, e acredita que, mesmo casado, não deve satisfação, cala-se. O silêncio torna-se uma vingança. Uma agressão. Uma maneira de machucar a parceira. Cala-se talvez para deixá-la confusa e cansada. Cala-se para irritá-la. Cala-se para intimidá-la. O marido o usa para medir forças dentro da relação. Como forma de desgastar e alterar o psicológico da parceira. Para controlar, manipular e ferir.
Há também o silêncio enternecedor. O silêncio dos amantes. Satisfeitos, depois de uma noite de sexo intenso, esticam-se na cama, lado a lado, respiram fundo e de mãos dadas, sonham e fazem projetos futuros. Como se cada um compreendesse o que o outro está dizendo, somente pela respiração. É ele que acalma e fortalece. Numa briga entre amigos, ele também pode acontecer.
Para um afastamento definitivo, ou para reforçar os laços de amizade. Depois do silêncio virá a reflexão, seguida de uma boa conversa, e até um pedido de perdão. Também é usado para comunicar algo que se quer dizer. Através de um gesto, de um olhar cheio de brilho, ou carregado de mágoa. Nosso corpo é uma fonte de mensagens. Os mais tímidos costumam usá-lo como defesa. Os mais extrovertidos podem usá-lo num longo sorriso encorajador. Os entediados bocejam. Os tristes comprimem os músculos da face.
Conclusão: o silêncio e o Poder do Silêncio
Usamos ele para dizer alguma coisa até quando nos faltam palavras. No setting analítico, é um sinal de resistência. Uma forma de comunicar ao psicanalista que , naquele instante, não está disposto a falar. Por outro lado, o psicanalista usa o silêncio para escutar o analisando e interpretar a mensagem.
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- Silenciar diante de uma agressão pode ser sinal de equilíbrio.
- Silenciar diante de um amor, pode ser aceitação, descaso ou respeito.
- Silêncio pode significar a paz.
Mas também pode fazer muito barulho interior. Como diz um velho ditado, algumas vezes, a palavra é de prata, e o silêncio é de ouro. Apenas uma questão de interpretação.
O presente artigo foi escrito por Celamar Maione([email protected]). Jornalista com Pós-Graduação em Direitos Humanos e Psicologia Forense. Com formação em Psicanálise pelo IBPC. Autora de dois livros.
5 thoughts on “O Poder Do Silêncio no cotidiano e na psicanálise”
Ótimo artigo. O Sartre disse certa vez que o ‘silêncio é reacionário’. O silêncio tem sido algo interessante e marcante em nossa época de transição da modernidade para pós-modernidade. Muitas pessoas resolvem ficar em silêncio absoluto, temos que tentar entender e respeitar tal atitude. Concordo.
Muito bom artigo! Têm pessoas que tem dificuldade de (ouvir o silêncio). Atualmente vivemos dias de muitas agitações, barulhos e por essas razões, não conseguimos desacelerar! Para ouvir o silêncio!
O silêncio e a solidão tem em comum o estar consigo que é o maior desafio do Ser Humano e, no meu final de carreira, geralmente eu ficava por último para ir embora, o chamado “síndico do setor”, em meio a tantos “colegas turistas” e, foram nesses momentos que comecei a trocar ideias em sites que dão essa oportunidade como o de vocês! Muitas vezes, o silêncio nos é imposto, por provocações que nos chegam e, se a gente deixa o silêncio, dá oportunidade do “provocador” obter o intento! E a sociedade anda tão “doente” que geralmente se a gente tem um tom de voz mais alto e se formos homem, os olhares que recebemos são de “condenação” sendo “desprezado” o teor da comunicação como um elogio, por exemplo! Mas o silêncio é enriquecidor, nos desenvolve a telepatia e/ou empatia: numa ocasião, caminhando, reencontrei uma colega da pós graduação e fazia uns 20 anos que não a via e, ela deu um sorriso de solidariedade, sem eu ter emitido qualquer expressão de sofrimento por alguma dificuldade vivida! E não foi a primeira vez a “reação” dela: nos primeiros meses do curso, estive em depressão mais profunda e nem percebi que em trabalhos de equipe, a atenção dela as minhas colaborações! Passado o período mais difícil, ela disse sorrindo, quando interagi mais na equipe: ” a inspiração voltou”! Que as pessoas “escutem” mais o seu silêncio e de quem esteja perto de si, afinal o mundo já é tão “barulhento” com buzinas, alarmes, marketing falado (carros de som), sirenes e até de equipamentos!
sou um pouco solitario lido com seres no meu dia adia
sempre que posso me refugio no bosque em silencio com a natureza
escutando o silencio da mesma
adoro e amo a natureza ela me conforta me realiza
gosto do barulho das aguas de um rio
falo com as arvores abraço as
escuto cantar dos passarinhos
enfim amo a solidao o silencio me conforta
luz paz e amor
abraços
O silêncio desempenha um papel fundamental no cultivo da paz interior e no encontro consigo mesmo. Na sociedade moderna, caracterizada por constantes estímulos e ruídos, reservar momentos de silêncio torna-se essencial para promover o equilíbrio mental e emocional.