psicanálise lacaniana

Psicanálise Lacaniana: Será Arte?

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Hoje falaremos sobre a psicanálise lacaniana. “Uma parte de mim é todo mundo ? Outra parte é ninguém ? Fundo sem fundo…” (Poema Traduzir-se, de Ferreira Gullar).

Finalizando a parte teórica de minha formação no curso de psicanálise clínica, vi-me agraciada com a oportunidade de iniciar os estudos complementares de um dos psicanalistas considerados mais difíceis e complicados na esfera analítica, Jacques Lacan.

Entendendo sobre a psicanálise lacaniana

Lacan é o homem que, segundo ele mesmo, fez uma releitura de Freud, Pai da psicanálise, clareando alguns conceitos e sobretudo apresentando ao mundo psicanalítico uma interpretação particular e inovadora tanto teórica quanto prática da estruturação do inconsciente no sujeito. Para Lacan, o inconsciente é estruturado como uma linguagem. E assim conduz seus seguidores a um novo mundo.

Um mundo de signos, significados, significantes, a complexidade das relações baseadas na eterna falta deixada pela castração que vem ou deveria vir/acontecer, ao final do chamado Complexo de Édipo e que significa, segundo Lacan, que “tudo sempre deixa a desejar”.

Então, eu que estou terminando a parte prática da formação básica, me vejo em meio a todo esse delinear inicial da Psicanálise Lacaniana que, para ser ainda mais complexa, nasceu da inquietude de um sujeito dotado de inteligência fina e rara, para como ele mesmo diz, reler seu mestre Freud ao qual demonstra conhecer e respeitar profundamente como Mentor e Guia para dentro desse Universo da Falta e sua atuação dentro das relações pessoais e interpessoais.

A psicanálise lacaniana e a mente humana

Confesso aqui que por inúmeras vezes me sinto perdida, pequena e assustada. Afinal de contas, estou trabalhando para autorizar-me ao exercício pleno da função de psicanalista. E a contar de tal autorização, aceitar o convite do outro que me colocará como “aquela pessoa que sabe tudo e vai me ajudar a resolver o que agora me angustia”. É muita responsabilidade!

A psicanálise é um método de investigação da mente humana que, em lugar de observar a fisiologia do cérebro humano e seus processos de funcionamento, considera as emoções, sentimentos, impulsos e pensamentos que dão vida a forma de agir de cada indivíduo como matéria prima que será – dentro de um setting analítico – ouvida, elaborada e, por fim, interpretada por um profissional do campo psicanalítico.

Importante destacar que ainda que a aplicação clínica da psicanálise seja baseada na livre interpretação do analista de acordo com seu conhecimento e entendimento do método criado por Freud e ampliado pelas contribuições de outros autores pós-freudianos.

O método psicanalítico

No texto “RECOMENDAÇÕES AO MÉDICO PARA O TRATAMENTO PSICANALÍTICO” (Freud – 1912), o criador do método psicanalítico assim se posiciona: “..Minha esperança é que a observação delas poupe aos médicos que exercem a psicanálise muito esforço desnecessário e resguarde-os contra algumas inadvertências”. E continua:

“Devo, contudo, tornar claro que o que estou asseverando é que esta técnica é a única apropriada à minha individualidade; não me arrisco a negar que um médico constituído de modo inteiramente diferente possa ver-se levado a adotar atitude diferente em relação a seus pacientes e à tarefa que se lhe apresenta.” (Vol. XII – (5) Recomendações aos Médicos que Exercem a Psicanálise, 1912).

Pela afirmação acima, clara fica a força da recomendação do Pai da Psicanálise no sentido de que mesmo de forma diferente de realizar seu trabalho clínico de investigação, análise e interpretação da fala do analisando, se faz indispensável a observância das recomendações extraídas do texto acima citado e duas a mais, acrescentadas pelo Dr. David E. Zimerman, em sua obra, Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica – uma abordagem didática, 1999.

Regras Clássicas da Psicanálise

  • Livre Associação – Considerada, juntamente com a interpretação dos sonhos, a regra fundamental, que consiste na fala livre por parte do analisando e, ainda que pareça sem sentido para o analista, sua escuta deverá ser isenta de qualquer julgamento;
  • Abstinência – objetiva preservar o espaço analítico, sem envolvimento pessoal/emocional com o analisando. Regra delicada e de difícil entendimento e vivência clínica.
  • Atenção Flutuante – Ouvir a fala do analisando de forma fluida, como um todo, sem apego a frases ou palavras como dados únicos.
  • Neutralidade – Refere-se ao respeito à individualidade do paciente e sua busca de si mesmo. Mais desafiadora do que dá a parecer, essa regra fala do permitir que o analisando ache seus próprios caminhos e tome suas decisões sem interferência do analista.

Acrescentadas por Zimerman e a psicanálise lacaniana

  • Amor à verdade – Lembrar que o importante no setting psicanalítico é o conteúdo trazido pelo analisando e ser vigilante para não interferir com opiniões pessoais sobre o que é dele e só a ele cabe decidir;
  • Preservação do Setting Analítico – cuidado e constante para que o exercício da função tanto de analista como analisando, sejam preservadas para que o setting permaneça sendo o espaço cura psicanalítica. Como já dito acima, de forma bem simplista, pode se dizer que a função do psicanalista é investigar, analisar e interpretar a fala de seu analisando.

Entretanto, para que tal função seja exercida no sentido de dar voz ao analisando, além da observância das orientações enumeradas, o profissional deve desenvolver em si a capacidade de ouvir seu paciente.

O mundo psíquico

Para dar ênfase a esta afirmação, escolho abrir a parte final da presente redação, com a citação e uma história que prefacia o Livro de J.D. Nasio “Sim, a psicanálise cura”:

“…Gabriel, para escutar um paciente você precisa estar perto dele. Sente-se na beira da poltrona e escute. Mas não apenas suas palavras, vá mais adiante e perceba as tensões inconscientes que o fazem sofrer. Deixe que esta proximidade o mobilize… Anime-se a entrar em seu mundo psíquico e permita que ele lhe revele o conflito que causa sua dor.” (Gabriel Rolón – Página 08 – Sim, psicanálise cura – J.D.Nasio, 2017)

Escute! Mais que a função fisiológica do ouvir, escutar significa colocar-se por inteiro à disposição do outro, ouvindo sua voz e cada um dos sinais que vem junto ao seu falar desde o primeiro contato, até o final do processo analítico.

O setting analítico

É uma disponibilidade de corpo inteiro que exige – ou deveria exigir – do analista o desenvolvimento contínuo dessa técnica do escutar onde cada respiração, tom de voz, mudança corporal, espaçamentos entre a fala e até mesmo o silêncio falam o tempo todo sobre o sofrimento que não pode ser nominado pelo sofredor em busca de alívio dentro do setting analítico. Escrito assim parece simples, não é mesmo?

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    Considerando que cada um de nós ouve o outro passando suas palavras por dentro de todas as nossas vivências anteriores, calar o “eu” que julga, critica e esquece que cada ser é único dentro de seu campo vivencial.

    O exercício da função de psicanalista é um desafio enorme que requer estudo, análise e acompanhamento como forma de aprimoramento técnico, autoconhecimento e cura de si mesmo e condução segura pelo acompanhamento de alguém que já caminha a mais tempo nessa seara.

    A psicanálise lacaniana e a escuta

    Sobre a técnica da escuta, vale ressaltar que Nasio a descreve em etapas que ainda que distintas não se separam e nem acontecem em uma ordem definida:

    1. Observação – treinar o olhar para o todo
    2. Compreensão – Buscar a fantasia/origem que está por trás do sintoma
    3. Escuta Plena – Parar de ouvir a si mesmo e ouvir o outro
    4. Identificação – Experienciar seu paciente em sua dor e também a criança que sofreu algo e, com base no que sentiu, criou sua lente particular de ver o mundo
    5. Comunicação de sua interpretação – De dentro do seu próprio inconsciente o psicanalista busca encontrar e traduzir a dor do seu paciente em palavras.

    “Toda demanda é uma demanda de amor”. Essa frase de Lacan, trouxe uma diferença enorme ao meu mundo pessoal, provocando uma grande mudança na forma que olho para eu mesma e cada pessoa ou situação à minha volta.

    Conclusão sobre a psicanálise lacaniana

    Ainda que os meus estudos na área de desenvolvimento humano já tenham me trazido essa questão de que tudo o que cada ser vivo quer é sentir-se amado, estudar Freud e, ser apresentada a Lacan, trouxe-me um olhar diferente. E assim, certa de que estou apenas começando essa caminhada que se mostra uma estrada cada dia mais desafiadora e, ao mesmo tempo apaixonante, espero a cada passo me lembrar de manter em mim a criança curiosa para que minha continuidade seja pautada no que afirmou Lacan no Seminário 2:

    “Há dois perigos em tudo que tange à compreensão de nosso campo clínico. O primeiro, é não ser suficientemente curioso (…) O segundo é compreender. Compreendemos sempre demais, especialmente na análise”. (LACAN, 1954-55/1985, p 135)

    E que Deus ilumine o meu caminhar e me faça merecedora da oportunidade de servir a cada cliente que cruzar o meu caminho escolhendo-me como sua psicanalista!

    Este artigo sobre psicanálise lacaniana foi escrito por Kátia de Fátima Monteiro ([email protected]), psicanalista e consteladora familiar formada pelo IBPC, em constante formação e aprofundamento.

    One thought on “Psicanálise Lacaniana: Será Arte?

    1. É muito profundo a Psicanálise. Gratidão pelo site e texto…

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