O presente texto tem a intenção de explorar o significado da famosa frase do psicanalista suíço Carl Gustav Jung: “Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta”, tendo em vista os conceitos de projeção e transferência do âmbito psicanalítico.
Esse pequeno fragmento foi enunciado por Jung em 22 de outubro de 1916, durante a redação de uma carta endereçada a uma de suas pacientes, a senhorita Fanny Bowditch. Posteriormente, essa carta foi publicada em suas “Letters”, Volume 1, em português: Cartas.
Entendendo por que quem olha para fora sonha
Antes de adentrar na análise, segue o conteúdo da carta em questão:
“Prezada senhorita Fanny Bowditch, 22 de outubro de 1916.
É compreensível que, enquanto você olhar para outras pessoas e projetar nelas sua própria psicologia, nunca poderá alcançar a harmonia consigo mesmo.
Receio que o simples fato de minha presença te afaste de ti para que te seja necessário desvalorizar: a tal ponto que podes concentrar a tua libido na tua própria individualidade.
Não tenho objeções, desde que este procedimento atenda aos seus melhores interesses. Eu sei que esse não é o caminho da maioria das pessoas. No entanto, devo pedir-lhe paciência.
Tenho que entrar no serviço militar no final da semana e voltarei apenas no início de dezembro. Mas então estou disposto a começar a trabalhar com você.
Sei que, nas circunstâncias que você descreveu, sente a necessidade de ver com clareza.
Mas sua visão ficará clara apenas quando você puder olhar para o seu próprio coração. Conquanto tudo pareça discordante, somente por dentro se aglutina em unidade.
Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta.
Com os melhores votos,
Com os melhores cumprimentos.
Dr. Jung”
Quem olha para fora sonha: a projeção
Do fragmento citado, o primeiro ponto a se observar é o conceito de projeção, isto é, quando uma pessoa atribui seus próprios sentimentos, pensamentos ou impulsos inconscientes a outra pessoa.
Tendo isso em vista, o significado da citação a partir de seu contexto sugere que muitas vezes temos a tendência de projetar nossos próprios sentimentos, desejos e problemas nas pessoas e no mundo ao seu redor “olhando para fora”, como sugere Jung.
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Isso significa que, nessas situações, estaríamos em um estado de sonho, ou seja, não conscientes da verdadeira natureza de nossos pensamentos e emoções.
Jung
Jung está afirmando que enquanto a senhorita Fanny Bowditch projetar sua própria psicologia em outras pessoas e, nesse caso, no próprio Jung, ela estaria impedindo o seu próprio processo de alcançar a harmonia interna.
No lugar da projeção, o psicanalista sugere que ela deveria olhar para dentro de si, reconhecendo e lidando com seus próprios aspectos psicológicos. Outro conceito observado nas orientações de Jung é o que a psicanálise chama de transferência.
Segundo David Zimerman, “o fenômeno transferencial como o conjunto de todas as formas pelas quais o paciente vivencia com a pessoa do psicanalista, na experiência emocional da relação analítica, todas as “representações” que ele tem do seu próprio self, as “relações objetais” que habitam o seu psiquismo e os conteúdos psíquicos que estão organizados como “fantasias inconscientes”, com as respectivas distorções perceptivas, de modo a permitir “interpretações” do psicanalista, as quais possibilitem a integração do presente com o passado, o imaginário com o real, o inconsciente com o consciente”.
Quem olha para fora sonha: a individualidade
Na carta de Jung, esse fenômeno aparece quando Jung explica: “Receio que o simples fato de minha presença te afaste de ti para que te seja necessário desvalorizar: a tal ponto que podes concentrar a tua libido na tua própria individualidade”.
Neste trecho, o psicanalista sugere que Fanny Bowditch estaria transferindo sentimentos para ele, o que, por consequência, estaria afastando-a de si mesma e desvalorizando sua própria individualidade.
Na carta, quando Jung expressa que sua presença poderia afetar Fanny, está sugerindo uma vivência emocional em relação ao terapeuta, como pontuado por Zimerman no conceito de transferência.
Além disso, ao sugerir que Fanny precisa ver com clareza, o psicanalista indica que a presença de conteúdos psíquicos ou fantasias inconscientes que podem estar influenciando sua percepção, tal como acontece no fenômeno transferência.
Conclusão
Em resumo, na carta, a transferência é mencionada em relação aos sentimentos que podem ser dirigidos a Jung como terapeuta, enquanto a projeção é sugerida no contexto de Fanny atribuir sua própria psicologia a outras pessoas. Ambos os fenômenos são componentes importantes da teoria.
Diante desses aspectos, tanto a projeção como a transferência, lançam luz sobre o contexto e o significado da famosa frase proferida por Jung, pois ambos os fenômenos estariam presentes na relação analista e analisando. Isso faz com que Fanny olhe para fora, ou seja, o sonho como indicativo de fantasias e perda da realidade de si mesma, sendo o olhar para dentro o caminho que a levaria ao despertar.
Desse contexto, infere-se que o significado da frase “Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta” refere-se ao modo como Jung conclui sua carta a partir de uma linguagem poética que resume suas irritações concedidas a Fanny. Em suma, é interessante notar que, apesar de ser possível chegar a um entendimento da citação fora de seu contexto, como comumente acontece na internet, sua compressão fica muito limitada, restringindo também nossa experiência de reflexão e autorreflexão.
Este artigo sobre a frase “Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta” foi escrito por William Vieira dos Santos: possui graduação em Letras e Psicanálise pelo IBPC e atualmente está se graduando em Filosofia, além de ser bacharelando em Ciências e Humanidades pela Universidade Federal do ABC. Suas pesquisas concentram-se no diálogo entre filosofia, psicanálise e literatura.
2 thoughts on “Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta (Jung)”
É preciso olhar para nosso interior para saber a melhor maneira de se lidar com as pessoas, porque as vezes o problema somos nós.
A falta de clareza faz com que transferimos para o outro aquilo que deveríamos fazer, e isto provoca objeções em nossa vida que sabemos que ela existe, e quando reconhecemos esta existência percebemos que perdemos um tempo precioso da vida.
Eu te convido a você refletir quais a suas objeções que limitam você a fazer e ter uma vida melhor e saudável do ponto de vista físico, mental e espiritual.