Numa realidade tão conturbada quanto a que vivemos hoje, os psicopatas estão cada vez mais fazendo parte do noticiário. Neste trabalho, abordaremos o tema da psicopatia infantil, por entendermos que grande parte da sociedade não consegue visualizar uma criança com esse transtorno. Dada a conjuntura cada vez mais caótica em que vivemos hoje, tratar do assunto é muito relevante.
O artigo que você lerá hoje é uma adaptação de uma monografia. A autoria é de José da Siva, que concluiu a nossa formação completa em Psicanálise Clínica 100% online. Neste trabalho, você terá acesso a uma reflexão muito completa sobre como a psicopatia se desenvolve na infância.
Tendo dito isso, observe que o artigo segue a seguinte ordem de conteúdos:
- Introdução
- O que é psicopatia?
- Psicopatia infantil
- Diagnóstico
- Genética versus ambiente
- Algumas crianças que sofreram com a psicopatia na história
- Beth Thomas
- Mary Bell
- Sakakibara Seito
- Formas de assistência à criança psicopata
- Tratamento
- Considerações finais
Índice de Conteúdos
Introdução
Segundo pesquisa da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa, 4% da população mundial é composta de psicopatas, o que revela o grau elevado de violência que a sociedade enfrenta por conta de um transtorno mental. A indústria cinematográfica explora de forma intensa esse tema, trazendo história estarrecedoras que acontecem em toda parte do mundo, onde a psicopatia tem ganhado o seu destaque.
Contudo, há algo que não podemos esquecer: o adulto psicopata já foi criança e, infelizmente, o índice de transtornos de conduta na infância tem crescido assustadoramente. Tendo isso em vista, a partir do significado da psicopatia bem como suas características é que abordaremos também esse transtorno na infância. Para isso, discutiremos os fatores promotores dessa disfunção, buscando também um possível diagnóstico.
Para embasar o assunto, usaremos como exemplos histórias que ocorreram com crianças que cometeram atrocidades. Ademais, exploraremos o que o nosso código penal diz sobre esse assunto e recomendaremos como assistir uma criança ou adolescente legalmente. Trata-se de algo que temos que estabelecer do ponto de vista legal, já que o tratamento envolve questões como a integridade física do indivíduo. Contudo, como realizar a intervenção?
O que é psicopatia?
Segundo definição do dicionário eletrônico, psicopatia é um “Distúrbio mental grave em que o enfermo apresenta comportamentos antissociais e amorais sem demonstração de arrependimento ou remorso, incapacidade para amar e se relacionar com outras pessoas com laços afetivos profundos, egocentrismo extremo e incapacidade de aprender com a experiência”.
Sobre isso, Zimmerman escreveu que “…a psicopatia pode ser vista como um defeito moral, porquanto esse termo designa um transtorno psíquico que se manifesta no plano de uma conduta anti-social.” Ademais, a psicopatia foi reconhecida pelo pai da psiquiatria, Philippe Pinel, um médico francês, que identificou o transtorno ainda no século XIX.
Os estudiosos notaram que alguns pacientes tinham uma tendência na prática de atos impulsivos e de alto risco, sendo preservadas toda capacidade de raciocínio. Após aprofundamento de seus conhecimentos criou-se um padrão que possibilitou a classificação para diagnosticar de uma forma precisa desse transtorno. Segundo análise, o psicopata é caracterizado pela falta de remorso e impetuosidade, diferindo da pessoa psicótica.
Contornos da psicopatia
O psicopata tem falha de integração da emoção com os sentidos das palavras. Desenvolve, e muito bem, o que lhe convém pois é extremamente egoísta. O que ele não consegue ter é empatia por outras pessoas, pois busca situações que estimulem a produção de adrenalina.
Os exemplos mais comuns, segundo Zimmermam, são: “…os de sujeitos que roubam e assaltam, mentem, enganam e são impostores, seduzem e corrompem, usam drogas e cometem delitos, transgridem as leis sociais e envolvem os outros.”
Psicopatia infantil
Infelizmente, um psicopata tem a origem do transtorno ainda na infância. Por mais duro que seja e assustador que pareça, a psicopatia infantil é real. O chefe da Psiquiatra Infantil, Fábio Barbirato, da Santa Casa do Rio de Janeiro, expressou:
“Não é fácil a sociedade aceitar a maldade infantil, mas ela existe… essas crianças (psicopatas) não têm empatia, isto é, não se importam com os sentimentos dos outros e não apresentam sofrimento psíquico pelo que fazem. Manipulam, mentem e podem até matar sem culpa. A maioria das pessoas não sabem, mas existem sim crianças psicopatas. Elas não respeitam os pais, chantageiam, roubam, mentem, manipulam, maltratam irmãos e amiguinhos, torturam animais e até MATAM! Isso mesmo. Elas podem matar”. (O aprendiz, Outubro 2012)
A ABP – Associação Brasileira de Psiquiatria – fez uma pesquisa e detectou que cerca de 3,4% das crianças apresentam problemas de conduta. Para realizar o diagnóstico, observa-se por exemplo a crueldade com animais, a briga, o furto e o desrespeito. Quando há agressões também, o estado é ainda mais preocupante.
Características da criança com psicopatia infantil
Como um narcisista incontestável, o egoísmo que uma criança pode apresentar como próprio de sua idade vai desaparecendo. Assim, existe uma fase em que todas as crianças parecem um pouco egoístas, mas nas crianças de desenvolvimento típico ela tende a sumir ou ir se ajustando às normas à medida que passa o tempo. É quando a criança aprende e amadurece.
No desenvolvimento da criança que manifesta a personalidade psicopata, há dentro dela um egocentrismo persistente. Assim, ela permanece inflexível perante os outros, surgindo muitas vezes como líder intimidante em seu grupo, pois o único objetivo é gratificar seus próprios interesses.
Dado que esse pode ser tanto um transtorno quanto um problema de relacionamento, é muito delicado o diagnóstico de uma criança ou adolescente. Assim, é válido questionar como fazer o diagnóstico correto de psicopatia infantil e identificar quando uma criança pode ser considerada perigosa. Falamos disso a seguir.
Diagnóstico
O histórico de relacionamento, desde o nascimento, pode ser o começo para um diagnóstico. Nesse caso, é importante prestar atenção a comportamentos da criança, como:
- Chorar muito enquanto bebê;
- Apresentar crises de birra quando contrariada;
- Mentir e incitar ou participar de intrigas frequentemente;
- Inventar histórias de forma caluniosa;
- Apresentar sintomas de hiperatividade ou amor por perigo e aventura.
Genética versus ambiente
Cientificamente falando, não se provou que crianças nasçam e sejam psicopatas. No nascimento, toda composição genética é herdada de nossos pais e antepassados. Um bebê não nasce psicopata, mas pode ter tendências e predisposições genéticas ao distúrbio, devido os genes que regulam a quantidade de neurotransmissores responsáveis por variadas sensações que se expressam no cérebro.
Contudo, é necessário ter em mente que nenhum gene age no vácuo, pois precisa interagir com o ambiente de alguma forma. Com relação a isso, Howard Friedman e Miriam Schustack, autores do livro “Teorias da personalidade” dizem que “Qualquer gene precisa, para haver a chamada expressão adequada, de determinadas circunstâncias externas, sejam bioquímicas, sejam físicas, sejam fisiológicas”.
Então, se uma criança se encontrar num ambiente hostil, violento, com carências afetivas e de recursos, o desenvolvimento da psicopatia infantil é provável. Ambientes problemáticos são um campo fértil para o transtorno de conduta.
Fatores causadores da psicopatia infantil
Genética
O neurologista Jorge Moll, coordenador da Unidade de Neurociência Cognitiva e Comportamental da Rede Labs-D´Or, no Rio de Janeiro, contesta a afirmação acima. Segundo ele, “diversos estudos com gêmeos idênticos crescidos em ambientes separados mostram que apresentaram os mesmos sintomas de psicopatia”.
Contudo, também há estudos, com gêmeos idênticos, que foram criados na mesma família, mesmo local, mesma cultura, mesma casa, mas em que só um exibiu esse transtorno. O assunto é complexo no ponto de vista da ciência, mas sabemos que parece haver uma predisposição genética para o desenvolvimento do transtorno.
Hormônios
Uma outra hipótese é a que faz alusão ao papel de hormônios no desenvolvimento da psicopatia infantil. É o caso da testosterona, por exemplo. Ou ainda, o estudo das anomalias nas estruturas cerebrais.
Traumas
Por outro lado, se destaca a importância das consequências que uma infância repleta de maus tratos pode ter. Sem contar ainda com o fator social, que também é uma teoria em voga. De acordo com essa perspectiva, quando os princípios éticos e morais são relaxados, fomentam também a inclinação psicopática.
Tendo tudo isso para considerar, é possível afirmar que os fatores biológicos e genéticos são os responsáveis pelas anomalias sofridas pelos psicopatas em relação a sua incapacidade de sentir empatia. Contudo, também devemos observar os fatores sociais, como o ambiente hostil, traumas e a atuação dos pais. Todos esses elementos influenciam o comportamento da criança.
Algumas crianças que sofreram com psicopatia na história
Beth Tomas
O caso mais famoso e que acabou transformando em filme é o caso de Beth, uma menina de rosto angelical, porém que demonstrava traços extremos de uma personalidade fria e cruel. Ela foi adotada em 1984 por um casal que não podia ter filhos, junto com seu irmão. Devido a alta agressividade com que a menina maltratava animais, tentava matar também seu próprio irmão.
Nesse contexto, foi descoberto que sua infância foi traumática, pois a mãe morreu no parto e ela e seu irmão foram cuidados pelo pai. Contudo, este cometeu diversos abusos contra as crianças. A menina também tentava matar os pais e dizia que queria que a família inteira morresse, pois não sentia nada por eles. Como um dia ela já havia sido machucada, teria entendido que deveria machucar as outras pessoas também.
Com todo o estudo sobre o distúrbio, ficou evidente que o problema tinha uma ligação direta com o trauma sofrido nos primeiros anos de sua infância. Atualmente, pouco sabe-se de sua vida adulta, mas não há nenhum relato de que ela cometeu algum assassinato e, até onde se sabe, ela vive uma vida normal hoje em dia.
Mary Bell
Vinda de um lar totalmente desfigurado, a mãe de Mary era uma prostituta que tentou por várias vezes assassinar a filha indesejada. Por esse motivo, despertou na filha o ódio e com ela a frieza. Em 1968, com 10 anos de idade, a menina assassinou duas crianças de 3 e 4 anos de idade. As duas foram encontradas estranguladas e Mary não demonstrou nenhum tipo de remorso . Nesse contexto, o mais curioso é que ela tinha a exata noção de suas atitudes.
Sua infância conturbada tornou Mary Bell uma criança violenta, fria e sem emoções. Ela torturava animais constantemente e quando aprendeu a ler e a escrever, pichava muros e incendiava objetos. Mary Bell ficou em uma instituição psiquiátrica por 11 anos. Hoje em dia ela leva uma vida normal, tem sua identidade protegida, mas sabe-se que ela também é mãe e avó.
Sakakibara Seito
Em 1997, no Japão, crianças estavam sendo encontradas mortas com características brutais em seus assassinatos.
Após o desaparecimento de um estudante de 11 anos em frente ao portão do colégio em que estudava, sua cabeça foi encontrada três dias depois com um bilhete escrito dentro de sua boca que dizia: “Isso é o começo do jogo…Policiais detenham-me se puderem… Desejo desesperadamente ver pessoas morrendo. É uma excitação para mim, assassinar’’.
Um mês depois, o assassino enviou uma carta ao jornal local que dizia: ‘’Estou pondo minha vida em risco por esse jogo. Se for pego, provavelmente serei enforcado. A polícia deveria ser mais tenaz e mais furiosa em minha busca. Só quando mato que sou liberado do ódio constante que sofro e posso alcançar a paz.’’ Em 28 de junho de 1997, a polícia conseguiu prender o suspeito em sua casa.
Ele tinha apenas 14 anos e ficou conhecido como Garoto A. Passou 6 anos em um hospital psiquiátrico e foi liberado.
Formas de assistência à criança psicopata
De acordo com o Código Penal, artigo 27, em caso de crimes cometidos por uma criança, para efeitos legais trata-se de algo imputável. No entanto, como proceder em casos onde crianças cometem crimes bárbaros, hediondos, sem nenhum sentimento ou remorso? Em entrevista informal com o M.M. Juiz de Direito Thiago Baldani Gomes de Filippo, este responde que não existe no Brasil formas de punição à criança criminosa.
Entretanto, há formas de proteção e assistência que se encontram elencadas no art. 112 do ECA. Tratando-se de psicopatia infantil, o objetivo do Estado não é punir a criança, mas sim protegê-la e tratá-la.
Medidas legais
Em casos de homicídio ou outros crimes cometidos, aplica-se o disposto no artigo 101 no que diz respeito ao acompanhamento psicológico da criança. Já nos casos de infratores com mais de 12 anos, já se é possível aplicar as medidas socioeducativas previstas em lei, tais como a internação na Fundação Casa.
O M.M Juiz também explica que em países com leis mais rigorosas, como em alguns estados dos E.U. A, os casos de psicopatia infantil podem ser punidos inclusive com a pena de morte. Ademais, o menor pode ser julgado como um adulto dependendo da gravidade do crime cometido.
Tratamento
Tendo em vista tudo que já discutimos, você pode se perguntar se existe tratamento para psicopatia infantil. A resposta é sim, existe. No entanto, por se tratar de um transtorno de personalidade, ficam limitadas as possibilidades de tratamento. Cada caso deve ser visto de uma maneira única, pois, uns são mais graves, outros leves e no geral, não tem como ter expectativas de uma cura total ou uma mudança radical na vida de uma criança.
Assim, podemos trabalhar para que ela seja controlada moderadamente. Segundo Garrido Genovés (2005), quanto mais cedo se detecta o problema, seja com 8 ou 9 anos, as expectativas de sucesso aumentam. Ao participar de um tratamento intensivo, a criança alcançará uma convivência razoável na sociedade.
Revisão do que vimos sobre psicopatia infantil
Podemos observar neste trabalho que crianças podem ser sim psicopatas. Na realidade, esse problema de psicopatia infantil deriva de um transtorno de personalidade. Para estudar essa questão tão delicada, diversas linhas de estudos surgiram. Vimos que uns apontam para o fator genético, mostrando que uma criança quando nasce já vem predisposto geneticamente, bastando o meio onde vive para que seja ativado os neurônios.
Contudo, outros estudos defendem que a grande causa é o fator social, o meio em que se vive, os traumas de infância, construindo assim uma criança distorcida em sua personalidade. Assim sendo, o assunto está longe de ter uma conclusão, pois o problema da psicopatia infantil pode derivar de uma causa ou da outra, ou das duas.
Esperamos ter deixado evidente que quando há em uma criança manifestações e sinais do transtorno de personalidade, esta deve ser acompanhada constantemente por psiquiatras para tratar o transtorno. Só assim será possível atenuar seu desenvolvimento.
Considerações finais
Com o relato de algumas crianças na história recente, envolvidas diretamente com mortes hediondas e satisfação dos mesmos, vemos com muito temor o crescimento, devido à forte violência que vivemos hoje, de crianças que matam, ferem e cometem todo tipo de crimes. Não podemos esquecer que o psicopata é um narcisista que só se preocupa consigo mesmo.
O código Penal, com o Estatuto da Criança e Adolescente, coloca a criança como imputável, cabendo algumas medidas protetivas em casos que envolvam crianças assassinas, proporcionando caminhas para que elas sejam assistidas de maneira coerente e profissional. O tratamento é muito difícil para alguém já em estágio avançado, mas não impossível quando se detecta precocemente.
Em casos extremos, a internação e remédios são utilizados, além da terapia levando o paciente a um mínimo de convivência com a sociedade. Consideramos então que a psicopatia infantil (transtorno de personalidade) é uma questão real e que, quanto mais cedo detectamos esse transtorno, mais fácil fica em tratar e acompanhar a criança. Isso é fundamental para que os adultos não cometam tantos crimes bárbaros que a mídia nos relata todos os dias.
Esperamos que tenha gostado desse artigo sobre a psicopatia infantil de acordo com uma abordagem psicanalítica. Para aprender a abordar temas espinhosos da teoria psicanalítica assim como nosso aluno José da Silva, matricule-se em nosso curso. A formação em Psicanálise Clínica EAD fará a diferença não só em termos de aprendizado, mas também de evolução profissional.
O trabalho original foi escrito pelo concluinte José da Silva, e os direitos do mesmo ficam reservados ao autor.