Religiosidade e Psicanálise

Moralidade, Religiosidade e Psicanálise: relações

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O presente artigo tem como objetivo propor uma reflexão de retorno da Religiosidade e Psicanálise e ao rádice psicanalítico, no qual temos como imperativo a incontestável necessidade de uma fundamentação amoral do setting analítico assim como de seus desdobramentos nos quais se encontrem assumidos o semblante de psicanalista por parte dos que autorizem-se a tal posição.

Religiosidade e Psicanálise

“O organismo humano é, a princípio, incapaz de promover essa ação específica. Ela se efetua por ajuda alheia, quando a atenção de uma pessoa experiente é voltada para um estado infantil por descarga através da via de alteração interna. Essa via de descarga adquire, assim, a importantíssima função secundária da comunicação, e o desamparo inicial dos seres humanos é a fonte primordial de todos os motivos morais” (FREUD, [1950/1895] 1996, p. 422, grifos do autor).

Podemos categoricamente afirmar que toda manifestação de valores alicerçados em bordas culturais referentes a um período histórico, grupo social ou qualquer faculdade condicionada por alguma influência geográfica, faz-se meramente ecos comportamentais de conceitos não mais que relativos, o que de forma literalmente radical (que concerne ao rádice), reduz todas as afirmativas oriundas de tais condições aos conceitos de moralidade e cultura, tornando no mínimo inadequado o vislumbrar da aplicação de alguma alcunha relativa a “verdade absoluta” a qualquer um de tais conceitos.

“Essa estranha afinidade do “Ideal do eu” com o supereu indica um caminho importante de pesquisa na teoria, na clínica e no mal-estar na cultura. A encarnação do Ideal sempre oscila entre a exaltação e a opressão. Apesar da primazia simbólico-imaginária do Ideal, que promove o lado amável das insígnias, a captura da imagem não deixa de coagir: Deves ser assim para te tornares amável!, mandato que, paradoxalmente, acaba por oprimir/dividir o sujeito contra si mesmo e mostra a passagem de uma primazia simbólico-imaginária para o real do gozo.” (Gerez-Ambertín, 2009, p. 250)

Reflexão sobre Religiosidade e Psicanálise

Proponho então uma breve reflexão; se uma verdade não é absoluta, consequentemente tem seu teor fundamentado na auto confirmação do grupo que a elabora e sustenta, fundamento esse que, mediante a um pequeno deslocamento histórico ou geográfico por exemplo, teria suas bases e aplicabilidades sociais diluídas, tonando claro que, manifestações culturais são expressões bem elaboradas de necessidades arcaicas individuais e coletivas do grupo que as incorpora, portanto, manifestações também culturais como religiões, valores morais ou posicionamentos políticos, fazem-se por excelência formas de compensação de demandas específicas, forjadas em contraponto às carências e angústias latentes em cada grupo, sendo esse mal estar o vetor fundamental de suas elaborações, formas de sustentação, auto confirmação e propagação.

“Nós o conhecemos bem, acreditamos conhecê-lo bem, a pretexto de conhecermos seus dejetos, as folhas mortas, sob a forma das vozes perdidas da psicose, e seu caráter parasitário, sob a forma dos imperativos interrompidos do supereu”. (Lacan, 1962-63/2005, p. 275)

Podemos afirmar então que, tais valores e conceitos são fundamentalmente mantidos como supostas verdades pelo período no qual as correspondentes demandas assim exigirem, do mesmo modo que toda invenção elaborada em prol do sanar de alguma necessidade torna-se obsoleta com o sessar ou transforma da mesma demanda em questão, sendo por esse motivo, tão constante o surgimento de novas “verdades” afim de anestesiar ou solucionar algum mal estar oriundo de uma ou de um grupo de condições que venham a acometer seus “seguidores”.

Religiosidade e Psicanálise para Lacan

“Para Lacan, não é possível instituir o Je sem o tu do supereu. Tu que se precipita sobre o sujeito infantil, corpo estranho, invasor e intimidatório, “tu que tomba” e toma posse da intimidade – como patrão da estância subjetiva. Transfiguração total em que um externo se faz íntimo. Extimidade: “algo que está incluído em seu núcleo”. Extimidade que é a Coisa excluída em seu interior: supereu real.” (Gerez-Ambertín, 2003, p. 227; grifos do autor)

Entendendo então a prática psicanalítica como mantida pelos princípios da associação livre, da atenção flutuante e do manejo transferencial, seria de extrema equivocidade que, em um suposto setting analítico, fosse proposto pelo suposto analista qualquer forma de direcionamento ou aconselhamento baseado em fenômenos manifestos em suas experiências pessoais ou vivências, em detrimento da “verdade psicanalítica fundamental”, que por qualquer ótica atuante genuinamente sob alcunha de psicanálise, forja-se apenas no setting analítico exclusivamente a partir do discurso do paciente e seus desdobramentos, sendo o analista mero objeto de transferência, para que possa o paciente reconhecer a si próprio e tornar-se senhor de suas escolhas a partir do processo de elaboração de sua história, formas de sofrer e manifestações sintomáticas.

Considerações finais

Se conselhos e verdades de outrem fossem soluções possíveis para ressignificação de sintomas inconscientes, seriam ineficazes e completamente irrelevantes quaisquer tipos de práticas psicoterápicas.

Sendo assim, ou defende-se um suposto senso pessoal de “moral e bons costumes” ou pratica-se psicanálise, pois que psicanalisar é um ato “amor” em prol das emergências do sujeito que sofre da não elaboração de sua trajetória, devendo o analista manter a si próprio sempre em segundo plano.

“certamente não fazemos parte daqueles que tentam amortecê-lo, embotá-lo, é porque estamos insistentemente referenciados, referidos por nossa experiência cotidiana (…)entendemos que não poderia ser de forma diferente a práxis em Psicanálise, pois ela nos ensina que sua Ética esta calcada na ‘ética do bem dizer’, do bem-falar. Então, o bem é realizado por outra via que difere da questão moral”. (Lacan 1997, p.11)

O presente artigo foi escrito por Daniel S. Psicanalista Clínico, autor, colunista, coordenador do espaço MinhaTerapia.org e colaborador literário em Psicanálise, Filosofia e Cultura. Perfil no Instagram dedicado à exposição de conteúdos Psicanalíticos autorais e clássicos: @psicanalise.br

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