rêverie

Rêverie e Continência segundo Wilfred Bion

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Este texto tem a intenção de discutir as noções de rêverie e de continência a partir das contribuições de Wilfred Bion. Destacaremos as suas funções no trabalho psicanalítico, bem como o alcance delas junto à elaboração de um ethos para o analista

Significado de Rêverie

Essa noção foi elaborada por Bion e está relacionada com a sua etimologia em língua francesa, quer dizer, sonho. De algum modo, a noção proposta pelo psicanalista possui certa dimensão poética, ou um horizonte metalinguístico.

Mas, por outro lado, dialoga muito com a ideia de pontos de fixação elaborada por Freud. Porque esse processo descreve a mãe (ou o analista) em estado de sonho ante as demandas dos seus filhos (os analisandos). Seria uma atenção plena, uma intuição, que a mãe teria acerca do que a criança necessita.

Essa sutileza, de saber o que se passa com o Outro, é o que Bion concebe como tarefa do psicanalista no processo de manejamento da transferência. É uma elaboração de saber que requer, então, sensibilidade profunda. A rêverie é tomada, em um processo de metaforização, como uma função, como um modo de voltar-se ao Outro.

Rêverie:  proximidade com a atenção flutuante

Essa disposição da função rêverie, que se performa como um estado onírico, também parece importante por oferece ao psicanalista a chance de uma melhor comunicação, pois ao decodificar as demandas do analisando ele pode devolvê-las de forma significativa, o que implica na atenção para o processo da contratransferência.

É aquele estado que Bion diz que analisando e analista se comunicam de forma aberta, sem a ânsia de compreensão e até mesmo sem memória e sem desejo.

De uma maneira ou de outra, o conceito de rêverie apresenta-se como uma atualização da noção de atenção flutuante.

A função rêverie da clínica

Bion vai se dedicar ao estudo da função rêverie na clínica psicanalítica. A função do analista, guardada as linhas de especificidade, seria aquela que outrora fora desempenhada pela mãe.

A sua mobilização decorreria da capacidade do analista de elaborar a identificação introjetiva das identificações de natureza projetiva do analisando. Percebam que é, em todo caso, aquele mesmo movimento arcaico entre mãe e criança.

Para que essa função seja bem desempenhada, o analista precisa devolver o conteúdo psíquico projetado a partir de uma linguagem acessível e com um conteúdo significativo.

Continente

A noção de continente responde etimologicamente à sua raiz latina, isto é, conter. Essa noção é derivada da rêverie, na medida em que implica na capacidade mesmo de retenção.

Contudo, ela indica que esse material psíquico contido deve ser transformado e devolvido através de uma linguagem acessível. Deve fazer, pois, sentido para o analisando.

De uma forma ou de outra, deve-se operar um exercício capaz de aplacar o sofrimento psíquico daquele. É um manejamento da transferência, condição para uma boa terapia. Experiências, inicialmente, insuportáveis passam a ser mais assimiláveis.

Aprofundando o entendimento da noção de continente

Continente pode ser entendido como um gesto de abertura, um gesto de disponibilidade para a recepção do conteúdo psíquico em estado de carga projetiva. E isso inclui uma miríade de aspectos psicológicos, tais como: angústias, desejos, repressões, fobias em geral, entre outros.

A noção indica um processo de elaboração. Ela sugere, então, a incorporação da projeção. Conter é uma assimilação, uma comunicação amparada na atenção plena. É uma perspectiva que percebe o analisando de maneira integral.

Continente é diferente de recipiente

Deve ser dito que esse processo, essa elaboração, mostra-se como um movimento ativo. Há a participação dialógica e interacional do analista. São vários os processos psico-cognitivos: acolhimento, interpretação, decodificação, devolução significativa de conteúdos, nomeação, entre outros.

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    Recipiente daria uma dimensão de passividade. Não. A operação de continência é um movimento comunicativo.

    A auto-continência no processo de contratransferência

    Acreditamos, na maior parte das vezes, que o processo de continência é algo que deve ser movimentado apenas pelo analisando. Mas não: uma boa terapia implica nesse gesto também por parte do psicanalista.

    Ou seja, ele deve conter as suas próprias angústias e os seus próprios sofrimentos na medida do possível. Obviamente que não estamos falando da obsoleta noção de neutralidade absoluta.

    Mas implica na necessidade de não inversão de papéis. Por isso é tão importante para o analista ter uma rede de apoio formativa e passar pela supervisão de maneira continuada. Isso impede a emergência dos seus conteúdos negativos no trabalho analítico. Negativo não em seu sentido ordinário, mas no de Bion, quer dizer, sentimentos considerados difíceis.

    Função de sobrevivência e a rêverie

    O trabalho psicanalítico demanda muito do analista que se envolve com conteúdos psíquicos difíceis de serem elaborados. Na função de continência devemos levar em consideração a boa saúde psíquica dele, ou como David Zimerman diz: a sua sobrevivência.

    Muitas vezes existe, por parte do analisando, até mesmo como um mecanismo de defesa, uma dimensão de sabotagem da análise.

    A atenção plena se torna, nesse sentido, fundamental para que as delimitações sejam feitas sutilmente no manejo da economia pulsional.

    Referências bibliográficas

    ZIMERMAN, David. Uma ampliação da aplicação, na prática clínica, da noção de continente, em Bion. Interações, n. 13, 2007.

    Este artigo sobre Rêverie e de Continência segundo Wilfred Bion foi escrito por Piero Detoni ([email protected]), Professor de História, graduado e mestre em História pela UFOP; doutor em História Social pela USP; PD Júnior na UNICAMP.

    One thought on “Rêverie e Continência segundo Wilfred Bion

    1. Maria+Auxiliadora+Carvalho+Roma disse:

      Maravilhoso esse texto !!! Muito conhecimento de um assunto tão importante na psicanálise!! Parabéns ao autor.

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