sobre o setting analítico

Refletindo sobre o Setting Analítico nos nossos dias

Posted on Posted in Teoria Psicanalítica

O objetivo do presente ensaio é dialogar sobre o setting analítico, refletir, provocar reflexões sobre o setting no contexto psicanalítico e uma aproximação da necessidade de existirem settings no dia a dia do indivíduo, o que no mínimo aprimoraria as relações.

A aproximação mencionada considerará a aplicação do conceito do setting em situações cotidianas, onde, embora não haja o papel psicanalítico, há a presença de outras características, como por exemplo, a plena escuta.

Sobre o setting no contexto analítico

Repleto de neutralidade, o ambiente onde se constrói o setting, ao mesmo tempo que não deve prender a atenção a qualquer destaque ou ponto de fuga, é de forma imprescindível destinado ao encontro e construção do par analítico, sendo esse alvo o destaque.

No formato presencial, o ambiente costuma ter uma decoração simples e neutra. Cores claras nas paredes, sem estátuas, quadros, objetos, ou qualquer coisa que desperte um vínculo com o analisando durante as sessões.

O mesmo se aplica a evitar a exposição de fotos, diplomas, premiações do analista, evitando um processo de idealização ou até mesmo um quadro obsessivo, retirando do centro o analisando e incluindo o analista.

Sobre o setting analítico: ambiente físico

As considerações do ambiente físico também devem alcançar o analista, que deverá ter o cuidado desde fatores simples como ‘se vestir’, ‘recepcionar o analisando’, ‘cumprimentar o analisando’, até fatores mais complexos ao se comportar como um malabarista de emoções durante a sessão, evitando cair ao chão qualquer palavra que seja, mas também preparado para lidar com o que eventualmente sair do roteiro.

O setting, a cada sessão, com cada analisando, é um fragmento particular do universo construído entre o par analítico. São minutos, horas eternizados numa intimidade de avanços, pulsões, ataques, frustrações, duelando para não atravessar a linha tênue e ao mesmo tempo invisível, que representa o limite da fluidez da análise e/ou da capacidade do par analítico.

Outros aspectos poderiam ser abordados a respeito do setting, como o momento do pagamento, manejo analítico, alterações de horário, resistência, transferência, mas, para fins desse ensaio, o foco será dado ao que envolve a construção do par analítico. Ou seja, a presença, a escuta, e a atenção plena do analista a tudo que ocorre ao longo da sessão.

Sobre a presença e escuta

Sobre a presença, por mais que seja intuitivo, é necessário destacar que esse conceito deve refletir um desapego do mundo que ficou da porta para fora do consultório. Não será produtivo, ou melhor, nem se construirá um setting, se o analisando ou o analista estiverem atentos ao celular ou no mínimo preocupados com as questões externas ao universo ali presente na sessão.

De certo, que os gestos ou desejos que levam a necessidade de uso e apego ao celular podem por si só representar um tema a ser explorado na sessão, mas pensando em regra de convivência ou contrato, a exceção de um dia não poderá ser regra em toda sessão.

Sobre a escuta, aqui se tem um relevante e indispensável habilidade do analista, pois cada palavra, entonação, gesto, pode ser um fio condutor da sessão. Desprezar ou deixar de lado, pode reduzir significativamente a riqueza daquele universo, podendo inclusive afetar a motivação e percepção de necessidade do analisando.

Abri mão de si próprio

O analista deve abrir mão de si próprio, sem relatar suas estórias pessoais, pois a ‘escuta’ seria sufocada pelo aconselhamento, que não é o propósito da análise. Abrir mão de si próprio não é se deixar vulnerável, acessível sem limite, mas permitir que o setting seja preenchido pelo analisando nas dosagens guiadas pelo analista.

Sobre a atenção plena, a escuta está de mãos dadas com a observação, e aqui a observação será ampliada para o conceito de atenção plena. Observar pode parecer algo inerte, sem sair do seu lugar, como se estivesse assistindo. A plena atenção é a observação ativa que leva ao processamento e atitudes ao longo da sessão.

A forma como maneja mãos, pernas, cabelos. O jeito como fala, se expressa. A ansiedade ao se pronunciar, e até a roupa que se veste. Tudo isso deve ser rapidamente capturado, processado pelo analista e devolvido ao setting para construção da análise. Cada instante ou movimento é importante e pode ser diferencial no alcance do objetivo do par analítico.

Situações cotidianas

Assim, de forma bem resumida, algumas características do setting analítico foram abordadas, construindo um contexto para em seguida extrapolar esse mesmo setting em situações cotidianas, ou seja, provocando algumas reflexões sobre como pode ser útil instaurar o setting em outras situações.

Sobre o setting analítico no cotidiano

Conservando as três características destacadas “Presença, Escuta, e Plena atenção”, e admitindo que o setting é um ambiente onde se constrói um diálogo particular, singular, o presente ensaio vem despertar a aplicação desse conceito em situações cotidianas.

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    Atualmente, já se tornou natural (ou ao menos socialmente natural) que iniciando nas próprias casas, os diálogos são frágeis, pobres, isto é, quando ocorrem, já que as distrações tecnológicas e de entretenimento ocupam a maior parte do tempo. Mas, por que pobre e frágil?

    Se na sessão psicanalítica, se prevê um ambiente neutro, calmo para construção do diálogo, o barulho (da música, da TV, etc) é o primeiro obstáculo, que afeta a construção do setting, pois a presença não está garantida por nenhum dos participantes.

    Atenção pelena

    Em seguida, a escuta se mostra como um grande desafio, uma vez que sequer as pessoas se olham (na atualidade) ou se colocam próximas, agravando o uso cada vez mais frequente de um fone de ouvido sem fio, pois se está com a mente em outro lugar. Alterar a hora de se estabelecer um diálogo não adianta, pois esse quadro não mudaria.

    Daí, resta aos indivíduos trocar palavras que são geralmente só ouvidas, superficialmente. Sem presença, sem uma eficaz escuta, pouco sobre para se abordar a atenção plena.

    O terceiro elemento do setting analítico abordado no presente ensaio, praticamente não deixa vestígio na situação contextualizada, pois não havendo a presença (desconexão para conexão presencial) e escuta (disponibilidade da atenção), dificilmente haverá um grau de observação que leve ao estágio de atenção plena.

    Sobre o setting analítico: as emoções

    Observar emoções, gestos, ou seja, cada detalhe que poderia auxiliar na condução do diálogo, tudo ficará reduzido a algum flash percebido.

    Ao abordar o exemplo de um diálogo no ambiente familiar, é importante destacar que ambos os participantes são ao mesmo tempo analista e analisando, ou seja, um par múltiplo, já que se busca refletir sobre a carência do diálogo concreto nas relações em função dos desvios e distrações que preenchem os hábitos na sociedade há alguns anos.

    A aplicação dos elementos que compõem o setting analítico poderia também se aplicar na relação conjugal, pais e filhos, trabalho, amigos, ou seja, em toda situação em que há o vínculo mínimo de coletividade.

    Considerações Finais: sobre o setting analítico

    O presente ensaio teve por objetivo proporcionar algumas reflexões sobre o setting nos dias atuais, rompendo o contexto analítico e trazendo-o para aplicação em situações cotidianas. Para tanto, realizou-se uma conceituação sobre o setting analítico, deixando em destaque três características: Presença, Escuta e Atenção Plena, ambos imprescindíveis para construção do par analítico.

    A partir desses três elementos foi esboçada uma aplicação em um quadro familiar para realização de um diálogo qualquer, mostrando como seria benéfico observar as características do setting para construção de um ambiente favorável para o diálogo. Situações conjugais, relação entre irmãos, pais e filhos, equipes em organizações, toda coletividade passa pelo caminho do diálogo, e explorar o conceito de setting corporativo poderia enriquecer a discussão e contribuir para o desenvolvimento desses temas.

    De certo que o presente ensaio não teve a pretensão de esgotar o tema, mas provocar, convidar, estimular os debates que podem enriquecer não somente a análise psicanalítica, mas beneficiar as relações sociais que inevitavelmente todo indivíduo está sujeito.

    Até a próxima.

    Este artigo sobre o setting analítico foi escrito por Franklin dos Santos Moura (e-mail: [email protected]), doutorando em Ciências Empresariais e Sociais, filósofo, 30 anos de carreira atuando em várias funções, incluindo professor universitário. Pesquisador e palestrante sobre o sentido do trabalho, comportamento organizacional, gestão do tempo, e similares. Um contínuo aprendente e ensinante, transformando pessoas para transformar o mundo.

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