Neste artigo falaremos sobre somatizar. Não é difícil ouvir relatos, ou mesmo ser o protagonista em situações em que um indivíduo sentiu um mal estar, com dores no peito, tontura, oscilação de pressão arterial, dores musculares, náuseas, dores estomacais, insônia, dores de cabeça, desmaios e muitos outros sintomas, e após a realização de exames clínicos, nenhuma causa física é identificada.
Algumas pessoas acreditam na existência de alguma doença apenas mediante algum sintoma físico, ou seja, algo tangível, e muitas vezes ignoram que o sintoma físico é oriundo de uma disfunção psíquica. O que muitos realmente não esperam é que o corpo “comece a falar”, e acredite, “o corpo fala”, se expressa por meio da somatização, ou das doenças psicossomáticas.
Desse modo, essa pesquisa objetiva entender como aquilo que é recalcado no inconsciente se manifesta por meio de sintomas e doenças. Para isso, a pesquisa trará como problemática norteadora a seguinte questão: Como aquilo que é recalcado no inconsciente se manifesta por meio de sintomas e doenças?
Entendendo sobre somatizar
Na primeira parte do trabalho, será abordado um contexto histórico no que tange ao entendimento de corpo e mente, bem como as conceituações e controvérsias relacionados à definição de doença e saúde. Na segunda parte ainda sobre corpo e mente, mas com embasamento em Freud e na Psicanálise, enfatizado a perspectiva Freudiana para a estruturação da psique, e como a mente interage com o corpo.
A terceira parte apresenta a contextualização sobre somatização e psicossomática, e as contribuições psicanalíticas para o entendimento desses fenômenos que trazem o inconsciente como protagonista.
Para a consecução do objetivo proposto, foi realizado um levantamento bibliográfico, com vistas a embasar o referencial teórico, bem como pesquisas que tragam estudos e dados relacionados à somatização e doenças psicossomáticas.
Corpo e mente dualidade, integração e somatizar
Desde a antiguidade existem discussões sobre o entendimento do corpo e da mente, buscando a compreensão acerca do funcionamento, uma dualidade entre corpo e mente, ou a integração entre ambos. O funcionamento da mente humana é um fenômeno que desperta o interesse de estudiosos e curiosos. Entender e desbravar as complexidades do processo de funcionamento da mente humana, e a formação do pensamento representa uma contínua busca para pesquisadores e indivíduos interessados no funcionamento do cérebro à somatizar.
Em somatizar, entender por exemplo, como o cérebro aprende, e como são estabelecidas as redes neurais no ato do pensamento e da aprendizagem, é um desafio constante. A Neurociência investiga o sistema nervoso central, e busca estudar as capacidades mentais do ser humano. Pensar que existe toda uma estrutura que funciona a partir de um órgão relativamente pequeno, que ocupa de 1% a 2% do peso de nossos corpos, é algo estimulante.
O cérebro é o responsável pelo que percebemos à nossa volta. Nosso cérebro atua fundamentando, dando e significado aos sinais recebidos interna e externamente por meio dos nossos sentidos. Na Grécia antiga, Hipócrates (460 a.C. – 370 d.C.), representa a primeira corrente que defende a integração corpo e mente, tratar o indivíduo em toda sua totalidade, uma perspectiva holística em somatizar.
Hipócrates e o somatizar
Tentando explicar como estavam caracterizadas a saúde e a enfermidade, Hipócrates (460 a.C.), declara a existência de quatro fluidos (humores) principais no corpo: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue, condicionando a saúde ao equilíbrio desses elementos. Desse modo, o homem era visto como uma unidade organizada, e a doença era a desorganização desse estado.
Em somatizar, o médico grego Galeno resgata a teoria humoral de Hipócrates, enfatizando a relevância dos quatro temperamentos para a condição de saúde. Galeno acreditava que a doença era intrínseca ao próprio homem, ou seja, sua constituição física, ou rotina de vida, poderia levar ao desequilíbrio. Essa concepção prevaleceu por séculos, até o médico suíço Paracelsus (1493-1541), postular que os agentes externos eram os responsáveis pelas doenças.
Paracelsus propõe o princípio da cura pelos semelhantes, considerando que remédios químicos seriam indicados para combater as doenças, que conforme sua concepção também eram oriundas de agentes químicos, para tal, era prescrito para os doentes doses de minerais e metais (CASTRO et al. 2006). O filósofo René Descartes (1596-1650) fundou a ciência moderna, postulando a alma e o corpo como categorias distintas em somatizar.
Pensamentos de Descartes
Após seus estudos e reflexões Descartes conclui: “O fato de que posso clara e distintamente entender uma coisa separadamente de outra é o suficiente para me certificar de que duas coisas são distintas, já que são capazes de ser separadas, por Deus, pelo menos” (DESCARTES, 1649/1989, p.134). E com base nesta constatação que o filósofo formulou a distinção entre corpo e mente em somatizar.
Contudo, Descartes lança questionamentos em sua concepção de dualismo, pois identificou a integração entre os dois pólos, corpo e alma: “há tal ligação entre nossa alma e corpo que, uma vez unida uma ação corporal a um pensamento, nenhum dos dois pode apresentar-se-nos em seguida sem que o outro também não se apresente” (DESCARTES, 1649/1983, p. 256). Durante a Idade Média, a Igreja Católica postulava o conceito da vida após a morte, prevalecendo a soberania da alma, nesse contexto a doença aparecia em um corpo menosprezado.
Ainda no período da Idade Média, a doença estava relacionada ao pecado (VOLICH 2001; CASTRO et al. 2006). Em somatizar, o conceito de saúde passa ainda por várias concepções, gerando discussão e sofrendo ajustes ao longo da história, pois existe uma tentativa de adaptação ao contexto histórico, social e político.
Um estado de bem-estar em somatizar
A Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1946 definiu saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. Essa definição sofre críticas e é ajustada com o passar do tempo, para: “um estado de bem-estar no qual um indivíduo percebe suas próprias habilidades, pode lidar com os estresses cotidianos, pode trabalhar produtivamente e é capaz de contribuir para sua comunidade”.
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Atualmente, mesmo esse conceito ajustado é alvo de críticas e discussões, principalmente em uma era dominada pelo discurso do DSM-Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), e excesso de medicamentos. Nessa era existe a necessidade de identificar, patologizar e muitas vezes medicar, mesmo sem real necessidade.
Freud e a concepção psíquica e somática
Ainda no que tange ao entendimento da estruturação do corpo e da mente, bem como dos aspectos relacionados à saúde e a doença, a contribuição Freudiana é basilar para as questões relacionadas à integração entre mente e corpo, ou entre psique e somática. Mesmo sem explorar as questões ligadas à somatização, por meio dos estudos sobre a histeria, Freud destaca a influência dos aspectos psíquicos em manifestações somáticas.
Desse modo, vale destacar de forma um pouco mais detalhada a perspectiva Freudiana para a estruturação da psique, e como a mente interage com o corpo. Freud postula a existência de duas formas de estruturação da mente humana, essas formas são denominadas Primeira Tópica, ou Modelo Topográfico, e Segunda Tópica, ou Modelo Estrutural. No período de 1900 a 1914, Freud realiza estudos e apresenta o aparelho psíquico dividido em três instâncias: o inconsciente, o pré-consciente e o consciente, e esse conceito é tratado como a Primeira Tópica.
Em suma, por meio da Primeira Tópica, é possível identificar o inconsciente, que é formado por conteúdos camuflados e que não acessam o pré-consciente e o consciente. O pré-consciente é um canal entre o inconsciente e o consciente, estabelecendo uma ligação entre os dois níveis, contudo sem pertencer a nenhum deles. E o consciente, que cria a ligação direta do indivíduo com o meio externo, com as pessoas e o ambiente com os quais ocorre interação.
Estímulos internos e externos
Em somatizar, o consciente absorve sensações e estímulos internos e externos, sendo o responsável pela percepção, atenção e raciocínio do indivíduo. Aprofundando suas pesquisas sobre a psique humana, Freud identifica limitações na Primeira Tópica, e no período de 1914 a 1939, e desse modo, apresenta a Segunda Tópica, que traz à luz um Modelo Estrutural do aparelho psíquico, com três estruturas que são identificadas como: ID, Ego e Superego. Seguindo o exposto na Segunda Tópica, o ID representa o nível psíquico mais profundo e primitivo da mente humana, o nível inconsciente que armazena as energias e os impulsos mais primitivos, a eterna criança.
Para o ID não existe o conceito de certo ou errado, dia ou noite, existe a busca pela satisfação do desejo independente da realidade ou aspectos morais. O ID não sabe lidar com frustrações. O Ego atua como um filtro para o ID, pois o Ego é regido pelo princípio da realidade. O Ego tenta equilibrar e até impedir os desejos e impulsos do ID, criando mecanismos de defesa. Por sua vez, o Superego segue como um juiz impondo condições impeditivas por meio de regras e moral que são assimiladas pelo indivíduo, desde o contato com os primeiros cuidadores do indivíduo (pais ou responsáveis) e aprimoradas por meio do convívio social.
Assim, o Superego trava uma luta por perfeição, o Ego busca a adequação a realidade e o ID age em seu esforço para obter prazer independente dos meios ou possíveis consequências. Desse modo, é possível observar por meio dos estudos apresentados na Primeira e na Segunda Tópica mencionam refúgios da mente, espaços que escondem sentimentos, lembranças, sensações e questões que muitas vezes causam desconforto ao indivíduo, e mesmo sem saber, tudo o que causa dor, tende a ficar recalcado no inconsciente.
As doenças psicossomáticas
Todavia, a dor e o desconforto seguem afetando o indivíduo, pois o que as pessoas realmente não esperam é que o corpo “comece a falar”, e acredite, “o corpo fala”, se expressa por meio da somatização, ou das doenças psicossomáticas. Freud (1905 p.78), no caso Dora, menciona que “nenhum mortal pode guardar um segredo; se sua boca permanece em silêncio, falarão as pontas de seus dedos”.
Laplanche e Pontalis (1996) resumem “se fosse possível concentrar numa só palavra a descoberta freudiana, essa palavra seria incontestavelmente o inconsciente”. Por sua vez Zimerman (1999) descreve que “a mente é como um universo de objetos internos que estão relacionados entre si através das fantasias inconscientes, constituindo a realidade psíquica”.
O somatizar, a Psicossomática e Psicanálise
A Psicossomática pode ser compreendida como uma ciência interdisciplinar que abrange a condição de saúde humana como um todo. A psicossomática é representada por duas palavras, psique (mente) e soma (corpo), o que indica que a doença que atinge o corpo é oriunda da mente. A psicossomática é uma ciência interdisciplinar que integra diversas especialidades da medicina e da psicologia para estudar os efeitos de fatores sociais e psicológicos sobre processos orgânicos do corpo e sobre o bem-estar das pessoas (SEAWARD, 2009, p. 38).
A somatização faz menção aos sintomas corporais que são manifestados pelo indivíduo em situações de conflitos, angústias e estresse emocional. A somatização e a psicossomática são temáticas que estimulam a discussão, em decorrência das várias vertentes de estudiosos e opiniões, que geram categorizações distintas para assuntos relacionados à saúde, doenças e sintomas. O termo psicossomático é mencionado pela primeira vez em 1818, na literatura médica por meio de um texto do psiquiatra alemão Heinroth, que apresentava a descrição de uma forma específica de insônia (ZIMERMAN, 1999).
George Walter Groddeck (1866-1934) médico alemão foi defensor da psicologização do biológico, considerado o pai da psicossomática, postula em seu livro (Estudos psicanalíticos sobre psicossomática) que “doença e saúde são formas de expressão de uma só vida. A doença não vem de fora, não é um inimigo, mas sim uma criação do organismo, do Isso” (Groddeck, 1992/1920, p. 97). Ainda para o autor: “a doença física é também sempre uma doença psíquica e que a doença psíquica é também sempre uma doença física”.
Sobre a teoria freudiana
Contemporâneo de Freud, Groddeck, foi membro da Associação Psicanalítica de Berlim, contudo rejeitou a teoria Freudiana, com intuito de embasar uma teoria própria. A doença não provém do exterior, o próprio ser humano a produz; o homem só se serve do mundo exterior como instrumento para ficar doente, escolhendo em seu inesgotável arsenal de acessórios ora a espiroqueta da sífilis, ora uma casca de banana, depois uma bala de fuzil ou um resfriado (Groddeck, 1923, p. 219).
Contudo, mesmo com todos os conflitos, Groddeck atribuiu ao “Isso” o mesmo patamar que o “inconsciente” protagonizado nos estudos Freudianos. Desse modo, para Groddeck, toda doença orgânica era psicossomática, pois por ser uma formação do inconsciente, são estudadas por meio de análise. Morais e Nicolau (2020) destacam o protagonismo de Freud, ressaltando que por meio de suas formulações para sobre o inconsciente e o aparelho psíquico, possibilitou a autores como George Groddeck, Sándor Ferenczi, Franz Alexander, Helen Dunbar, Pierre Marty e Michel de M’Uzan, teorizarem sobre as enfermidades que apareciam no corpo sem etiopatogenia determinada.
Os autores ainda destacam que em uma era dominada pelo discurso do DSM-Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), se faz necessário um resgate dos estudos da psicossomática, com base nas contribuições desses autores. Considerando as instâncias psíquicas da linha Freudiana, tanto na Primeira como na Segunda Tópica, existe uma abordagem a um campo oculto, camuflado da psique humana, ou seja, o inconsciente e o ID. E esses campos, mesmo não sendo tangíveis, exercem grande poder sobre a mente humana.
As barreiras do superego
Mesmo com os filtros criados pelo Ego, as barreiras do Superego, a ponte do Pré-consciente e o raciocínio do Consciente, aquilo que está oculto pulsa por liberdade, o retorno do recalcado, pode surgir por meio de sintomas. Para Freud, “esses pacientes […] gozaram de boa saúde mental até o momento em que houve uma ocorrência de incompatibilidade em sua vida representativa – isto é, até que seu eu confrontou com uma experiência, uma representação ou um sentimento que suscitaram um afeto tão aflitivo que o sujeito decidiu esquecê-lo, pois não confiava em sua capacidade de resolver a contradição entre a representação incompatível e seu eu por meio da atividade do pensamento” (FREUD, 1906, p. 55).
Zimerman (1999) corrobora que Freud postulou vários conceitos que embasam os estudos sobre os pacientes psicossomáticos. Destacando-se as Representações, onde no desenvolvimento psíquico da “representação-coisa” para “representação-palavra” permite a consciência emoções caóticas; Complacência Somática(1905), trazendo como exemplo o caso Dora onde nos mecanismos defensivos das estruturas acontecem somatizações; Fenômeno das Conversões no qual os conflitos sexuais inconscientes tem o corpo como uma forma de linguagem; A perspectiva Freudiana acerca dos fenômenos histéricos de conversão, que trazem à tona o inconsciente, ressalta a comunicação entre a psique e o somático.
Observando a diferenciação entre o fenômeno psicossomático e o sintoma de conversão dos neuróticos. Na conversão o sintoma ocorre no corpo pulsional, e no caso psicossomático ocorre no corpo biológico. Na histeria de conversão, o sintoma é aquilo que foi recalcado (psiconeuroses), e na somatização (neuroses atuais), os sintomas são desprovidos de sentido, uma tensão afastada do aparelho psíquico, transbordando no corpo.
As psiconeuroses e os traumas
Nas psiconeuroses remetem a traumas/situações originárias da infância do indivíduo, por exemplo, a histeria, a obsessão (ou neurose obsessiva), e as fobias. E as neuroses atuais, tem origem no atual momento do aparecimento do seu sintoma. Muitas disfunções atingem a mente humana, e a neurose pode ser um exemplo.
Para Freud, “toda neurose representa uma defesa da mente contra ideias insuportáveis”. Seriam exemplos de estados neuróticos as fobias, as obsessões, as compulsões, a depressão e a amnésia.
Em um contexto atual, o termo neurose foi substituído por “transtorno de ansiedade”. Destacando a diferença entre a neurose e a psicose. Nas duas situações existem conflitos psíquicos e dificuldade em aceitar a realidade, porém o neurótico recalca aquilo que incomoda, enquanto o psicótico cria uma nova realidade, que é entendida como verdadeira. Pontalis e Laplanche (2001, p.21) definem a neurose como uma “afecção (doença) psicogênica em que os sintomas são a expressão simbólica de um conflito psíquico que tem raízes na história infantil do sujeito, e constitui compromissos entre o desejo e a defesa”.
Ainda sobre a neurose
“(…) algum grau de sofrimento e de desadaptação em alguma, ou mais de uma área importante de sua vida: sexual, familiar, profissional ou social” (ZIMERMAN, 1999, p. 197-198).
Desse modo, “o sintoma, no campo das neuroses, obedece a uma estrutura de linguagem subjacente, que opera através dos processos da metáfora e do deslocamento, sendo, portanto, carregado de significados inconscientes, o que, segundo ele, não ocorre nos fenômenos psicossomáticos” (MILLER, 1987).
Memórias, sentimentos, situações, pessoas, sonhos, afetos, desejos e uma infinidade percepções que podem causar sofrimento e desprazer, tendem a ser bloqueados de alguma forma pelo Ego, causando mal estar, e emergir por meio de sintomas, e assim comprometer o Ego na autonomia de suas funções.
Ocorrência de sintomas e doenças psicossomáticas
Em uma pesquisa realizada por Milhorim e Costa Neto (2019) foi possível observar pacientes que dão entrada em um pronto socorro, e nesse estudo foi identificado à presença de aspectos psicológicos e sua relação com os sintomas físicos de pacientes internados na unidade investigada, ou seja, vários indivíduos tinham questões relacionadas à saúde psíquica que eram refletidas em sintomas físicos. Outro estudo apresenta uma amostra com 10 pacientes adultos e idosos, sendo um homem e nove mulheres, que foram atendidos no pronto-socorro de um hospital particular em Brasília, entre fevereiro e junho de 2011, e que apresentaram sintomas psicossomáticos.
“Muitas vezes, nem a equipe de saúde e nem o paciente conseguem relacionar as suas dores no corpo com o estado emocional” (ARRAIS et al. 2012 p 77 – 84). É possível observar que os sintomas de somatização mais frequentemente apresentados nas emergências hospitalares são: dor no peito, fadiga, tonturas, dores de cabeça, inchaço, dores nas costas, falta de ar, insônia, dormência e dor abdominal, e após a realização de exames clínicos, nenhuma causa orgânica é identificada.
Em somatizar, de acordo com o IBPC – Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica (2021), o quadro 1 apresenta relação de doenças ou incômodo psicossomáticos. Quadro 1 – doenças ou incômodo psicossomáticos Dor e queimação no estômago, associado ou não à náuseas e vômitos; Alergias alimentares, respiratórias ou de pele; Constipação ou diarreia; Impotência sexual; Sensação de falta de ar. Além disso, pode ter dor torácica; Infertilidade; Dores musculares e de cabeça; Anemia; Aumento da pressão arterial; Doenças respiratórias e do fígado; Aceleração dos batimentos cardíacos; Asma; Alterações na visão; Problemas na bexiga; Coceira, ardência ou formigamento; Bulimia; Queda excessiva de cabelo; Câncer; Insônia; Doenças do coração; Dor ou dificuldade para urinar; Problemas digestivos, dentários, na garganta e na coluna; Mudanças na libido; Dor nas costas, pescoço e nuca; Dificuldade de engravidar. Além disso, podem ter alterações do ciclo menstrual; Gastrite; Enxaqueca; Problemas no joelho e nas pernas; Síndrome do Intestino Irritado; Obesidade. Fonte: IBPC (2021)
O IBPC
Ainda para o IBPC, “O surgimento de doenças psicossomáticas vem de um distúrbio mental que afeta o estado físico. Portanto, trata-se de doenças em que fatores emocionais, ansiedade, depressão ou choque (luto) podem afetar um órgão ou sistema fisiológico”. Ambientes e situações estressantes também contribuem para sintomas de somatização, e doenças psicossomáticas. O cenário atual é globalizado, industrializado e informatizado.
Esse cenário tem suas vantagens no que tange a modernidade, facilidade de acesso à informação, recursos tecnológicos que facilitam a execução de várias atividades, e uma possibilidade de comunicação que não é intimidada pela distância física. Contudo, todas essas vantagens podem ser facilmente transformadas em desvantagens, se o indivíduo utilizar esses recursos como fins para sua sobrevivência e não os meios para sua rotina. A mente entra em um turbilhão de atividades, o que dificulta a concentração, e causa um desgaste mental e físico ao indivíduo.
A pessoa realiza uma atividade sem realmente conseguir focar no que está fazendo, pois sua mente está pensando na próxima, ou nas próximas atividades. Enquanto conversa, está olhando o celular, enquanto dirige seu automóvel, está ouvindo, estudando ou falando ao telefone. Em um contexto no qual tudo é urgente, todos têm pressa, adultos e crianças têm sobrecarga de atividades visando atender a um cenário competitivo, é cada vez mais comum a exposição do indivíduo às situações estressantes.
O somatizar e a ansiedade
Ocorre uma distorção entre produtividade, proatividade, quantidade e qualidade. Sem perceber, os pais transmitem esse ritmo agitado aos filhos, e é possível observar crianças com o pensamento acelerado, fruto do cenário imposto pelos pais e adultos que as cercam. Todos buscam atender expectativas próprias e de terceiros. Todo esse contexto acentua a ansiedade, e consequentemente compromete a saúde mental.
Eventos estressantes colaboram para a ocorrência dos transtornos de ansiedade. O estresse pode ser definido como uma condição gerada por estímulos provocados por excitação emocional, impondo ao indivíduo um processo de adaptação, com isso produzindo diversas manifestações sistêmicas aumentando a secreção de adrenalina, gerando distúrbios fisiológicos e psicológicos (MARGIS, et al. 2003).
Em somatizar, ainda para os autores, se esse manejo fisiológico for frequente e intenso, terá um impacto no organismo, predispondo o indivíduo ao aparecimento de transtorno de ansiedade, entre outros transtornos mentais. Essa predisposição ao surgimento de transtorno de ansiedade e outros transtornos mentais, é corroborada pela publicação do TST (2021) “No caso do auxílio-doença, os afastamentos por motivos como depressão e ansiedade registraram a maior alta entre as principais doenças indicadas como razão para o pedido do benefício em somatizar.
Doenças psicológicas
O número de concessões passou de 213,2 mil, em 2019, para 285,2 mil, em 2020, com aumento de 33,7%”. Em uma análise feita pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), em 2020 as chamadas doenças psicológicas ocupam destaque, dentre elas depressão e ansiedade estão entre as 20 mais citadas para a requisição de auxílio doença, um total de quase 90 mil benefícios concedidos. Tabela 1 – Doença responsável por afastar o trabalhador Doença responsável por afastar o trabalhador Auxílios-doença concedidos em 2020 1 – Transtornos de discos lombares e de outros discos intervertebrais com radiculopatia (hérnia de disco, artrose da coluna e outros) 49.321 2 – Síndrome do manguito rotador (bursite e outras lesões na articulação do ombro)
37.311 3 – Infecção por coronavírus (Covid-19) 37.045 4- Dor lombar baixa (dor nas costas) 36.931 5- Lumbago com ciática (dor na parte inferior da lombar com inflamação do nervo ciático) 31.875 6 – Fraturas da extremidade distal do rádio (fratura do punho) 30.721 7 – Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos (depressão) 26.327 8 – Transtorno misto ansioso e depressivo (ansiedade e depressão) 20.986 9 – Fratura da clavícula (osso que liga o braço ao tronco) 19.413 10 – Fratura do maléolo lateral (fratura do tornozelo) 19.104 11- Fratura de outros dedos 18.739 12 – Fratura de ossos do metatarso (fratura do pé) 18.515 13- Síndrome do túnel do carpo (causada pela compressão do nervo entre a mão e o antebraço) 17.355 14 – Transtorno depressivo recorrente, sendo o episódio atual grave, sem sintomas psicóticos 16.101 15 – Fratura de outros ossos do metacarpo (fratura da mão)
15.081 16 – Ansiedade generalizada (preocupação excessiva e de difícil controle durante meses) 13.646 17 – Fratura da diáfise da tíbia (fratura da parte longa do osso da canela) 13.413 18- Episódio depressivo moderado 12.778 19 – Fratura da extremidade proximal da tíbia (ponta do osso da canela próxima ao joelho) 12.597 20 – Dor articular (dores nas articulações ou juntas) 12.303 Fonte: INSS (2021) A tabela 1 destaca que entre as doenças que mais afastam pessoas do trabalho, cinco dessas doenças estão relacionadas a causas psíquicas.
Somatizar e a Psicanálise
Vale lembrar que a Psicanálise não enfatiza diagnósticos, rótulos e nomenclaturas, e que os números citados na tabela acima são embasados conforme critérios do Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), e da Classificação Internacional de Doenças (CID), mas independente da classificação, os número indicam pessoas que sofrem sintomas somáticos ou doenças psicossomáticas. Alguns sintomas comuns em situações de estresse: dor no peito, fadiga, tonturas, dor de cabeça, inchaço, dores nas costas, falta de ar, ataque de asma, alergias, gripes, resfriados, diarreia, irritações na pele, câimbras, suor excessivo, oscilação de pressão arterial, dores musculares, náuseas, insônia, desmaios, dormência e dor abdominal.
“A resposta ao estresse é resultado da interação entre as características da pessoa e as demandas do meio, ou seja, as discrepâncias entre o meio externo e interno e a percepção do indivíduo quanto a sua capacidade de resposta” (MARGIS, et al. 2003 p 65). Em somatizar, a resposta aos eventos estressores será de forma singular, pois cada indivíduo responderá de forma diferenciada, dependerá de quão fortalecido estará o Ego, e essa forma de resposta é temática em outros estudos, que buscam compreender como os fatores genéticos, hereditários, ambientais e traços de personalidade, impactam nos conflitos psíquicos e consequentemente nos sintomas psicossomáticos.
Assim, a psicanálise procura entender aquilo que o indivíduo relata como o sintoma, não se atendo a classificações diagnósticas. O sintoma não é o mesmo no campo psiquiátrico e no psicanalítico. Em somatizar, o psiquiátrico é constituído pelo psiquiatra, que o observa, o descreve, o classifica e lhe dá nome. Trata-se de uma clínica de observação […]. Quanto ao sintoma psicanalítico, só existe se for falado pelo paciente, pois a clínica psicanalítica é feita pelo paciente, oriunda de seu próprio discurso. (MILLER, 1997, p. 123).
A mente humana e a associação livre
A psicanálise tem como premissa desbravar os recantos ocultos na mente humana, tentando derrubar as paredes por meio da fala, durante as sessões o indivíduo tem a liberdade de trazer seus conteúdos, sem restrições ou julgamentos, o que é chamado de associação livre. Desse modo, o processo analítico busca auxiliar o indivíduo na caminhada por túneis ocultos na mente, a psicanálise especificamente, “constitui uma combinação notável, pois abrange não apenas um método de pesquisas das neuroses, mas também um método de tratamento baseado na etiologia assim descoberta.
Posso começar dizendo que a psicanálise não é fruto da especulação mas sim o resultado da experiência” (FREUD, 1996, p. 227). Nesse contexto, o setting analítico é um espaço que se oferece para propiciar a estruturação simbólica dos processos subjetivos inconscientes, reunindo as condições técnicas básicas para a intervenção psicanalítica. “Nesse campo são englobados todos os elementos organizadores do setting: o espaço físico de atuação, o contrato estabelecido para seu desenvolvimento, assim como os princípios da própria relação, transferencial e contratransferencial, estabelecida entre analisando e analista” (BARROS, 2013, p. 1-2).
Vale lembrar, que mesmo no decorrer do tratamento psicanalítico, as percepções que podem causar sofrimento e desprazer, tendem a ser bloqueadas de alguma forma pelo Ego por meio dos mecanismos de defesa. Exemplificando, o indivíduo pode racionalizar aquele sentimento que o incomoda, ou seja, buscar uma justificativa, o que culminaria também em uma negação para o sentimento.
O mecanismo da racionalização
O mecanismo da racionalização ocorre por meio da oratória, ou seja, o indivíduo utiliza a fala para justificar aquilo que está recalcado. Quanto mais intelectualizado for o indivíduo, mais ele tende a racionalizar. Desse modo, a ajuda especializada, é relevante para auxiliar no fortalecimento do Ego para que tenha autonomia para realizar as suas funções. Por meio da própria fala, o analisando terá os insights que trarão o inconsciente à consciência, trazendo à luz aquilo que causa o sofrimento. Assim a psicanálise atua como uma forma de ajudar as pessoas que sofrem.
Considerações finais
A busca pelo entendimento entre corpo e mente desperta o interesse desde o início dos tempos, e ainda na atualidade estimula a curiosidade, a pesquisa e gera discussões e conflitos. Existiu a crença de que corpo e mente eram esferas distintas, bem como a crença na integração. O entendimento acerca do conceito de saúde também apresenta aspectos conflitantes ao longo das épocas, inclusive pela dificuldade da compreensão da constituição do indivíduo. Mesmo com o avanço nas pesquisas, ainda nos dias atuais existem opiniões divergentes.
Porém esse estudo de somatizar buscou apresentar um referencial teórico que expusesse os principais conceitos e fundamentações sobre as doenças psicossomáticas, sintomas relacionados à somatização, e o estresse afetando a saúde psíquica. Esse estudo foi embasado pela perspectiva Freudiana, que protagonizou as pesquisas relacionadas à integração entre mente e corpo, ou entre psique e somática. Mesmo sem explorar as questões ligadas à somatização, por meio dos estudos sobre a histeria, Freud destaca a influência dos aspectos psíquicos em manifestações somáticas.
Em somatizar, observa-se que existe uma falta de consenso para a utilização dos termos relacionados a doenças psicossomáticas e somatização, e para algumas situações uma preocupação com o enquadramento no Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), e na Classificação Internacional de Doenças (CID). Inclusive nas últimas edições do DSM o termo “histeria” foi excluído. Contudo para a perspectiva psicanalítica, a busca é pelo entendimento daquilo que o indivíduo relata como o sintoma, não as classificações diagnósticas.
O fenômeno psicossomático e a somatizar
Vale ressaltar a diferenciação entre o fenômeno psicossomático e o sintoma de conversão dos neuróticos. Na conversão o sintoma ocorre no corpo pulsional, e no caso psicossomático ocorre no corpo biológico. Por meio da narrativa detalhada considerando as instâncias psíquicas da linha Freudiana, tanto na Primeira como na Segunda Tópica, e também o entendimento acerca dos fenômenos histéricos de conversão, que trazem a tona o inconsciente, e possibilitam a comunicação entre a psique e o somático, e possível responder a questão norteadora deste estudo, que objetivava entender “Como aquilo que é recalcado no inconsciente se manifesta por meio de sintomas e doenças?”
Em somatizar, é possível um entendimento considerando que as doenças psicossomáticas são oriundas de uma disfunção mental que afeta o estado físico. Doenças emocionais que afetam o corpo físico. Muito ainda existe a ser compreendido e pesquisado, pois entender a complexidade da realidade psíquica de cada indivíduo é um desafio, que exige estudo e observação constante.
Foi possível observar em somatizar que a temática relacionada à somatização e doenças psicossomáticas, desperta interesse por sua constância e interdisciplinaridade. Sem o intuito de um estudo bibliométrico, mas apenas com vistas a corroborar a relevância do tema, foi realizado um levantamento em três bases de dados considerando o período de 2012 a 2021, a partir dos descritores: “somatização” e “doença psicossomática”, e os achados foram:
- Na base de dados da Web of Science (WOS) 252 resultados – Período de 2012 a 2021 (Psychosomatic and somatization).
- Na base de dados Scopus 312 resultados – Período de 2012 a 2021 (Psychosomatic and somatization).
- E no Google acadêmico – Aproximadamente 2.210 resultados – Período de 2012 a 2021 (Psicossomática + somatização).
Gatilhos estressores
Dessa forma, em somatizar os resultados indicam a relevância do estudo, bem como a expectativa de pesquisas futuras, que possam explorar outros aspectos da temática, inclusive embasando com a perspectiva de outros autores.
Todavia, entender e cuidar da psique, identificar quais são os gatilhos estressores, buscar uma rotina e atividades que colaborem para o bem estar físico e mental, e principalmente compreender que precisa de ajuda especializada para tratar de forma assertiva e segura às questões relacionadas à saúde mental, é o melhor caminho que cada um poderá percorrer para o alcance do equilíbrio e qualidade de vida.
Nesse contexto sobre somatizar, a psicanálise é um marco, pois auxilia no entendimento da mente e da realidade psíquica de cada indivíduo, contribuindo para o fortalecimento do Ego para o desempenho de suas funções. “É mais importante conhecer a pessoa que tem a doença do que conhecer a doença que a pessoa tem”. Hipócrates (460 a.C.)
Referências bibliográficas
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Este artigo sobre somatizar e converter foi escrito por TÂNIA SANTOS P. DE OLIVEIRA, concluinte do Curso de Formação Psicanálise Clínica.
2 thoughts on “Somatizar: significado em psicologia e psicanálise”
Parabéns pelo artigo! Um trabalho com riquezas de detalhes, que com certeza ajudará bastante em nossa caminhada psicanalítica!
Conteúdo riquíssimo! Achei a leitura prazerosa e bem didática. Gratidão