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Transexualidade: o que é segundo a psicologia

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Nascer no corpo errado é a sensação de inadequação ao sexo biológico com o qual nasceu é a principal queixa levantada na transexualidade pelos transexuais.

Porém, dentro dessa queixa se desdobram outros sentimentos angustiantes: de não pertencimento, de não localização, de falta de identificação… É como se no terreno da sexualidade e das diferenças entre homem e mulher os corpos transexuais estivessem “em lugar nenhum”, ou seja, não ocupassem um espaço bem definido, já que sua existência se inscreveria como uma “falha no registro do ser” e o seu modo de desejar como uma “fantasia” que procura suprir uma “realidade insatisfatória”.

Entendendo a transexualidade

O transexual vive em busca de uma autenticação do seu sexo. Faz isso por querer tornar legítima e possível uma forma de existência que se encontra continuadamente negada. Diante da fixidez constitutiva dos corpos cis, é como se o corpo trans denunciasse uma ficção: falta-lhe algo da realidade.

O Falo, significante maior da ordem simbólica da sexualidade, que encarna as características, desejos e significações do “ser homem” e do “ser mulher”, acaba funcionando como uma “matriz de corporização” que isola o corpo em uma definição específica: ou você tem e é ou não tem e não é.

Dessa forma, a sexuação do indivíduo só é possível a partir da sua inscrição dentro do condicionante fálico, o que faz do pênis o grande baluarte da diferença entre os seres. O problema é que essa primazia do Falo como enunciação do “ser homem” ou “ser mulher” coloca na anatomia dos corpos toda uma carga de significados que faz com que a pessoa trans se sinta deslocada da realidade.

A transexualidade e a redesignação sexual

E é justamente essa oposição à realidade anatômica “normal” que evoca a terrível falta que aflige a pessoa trans e que a coloca na urgência inquietante de adequar seu corpo à qualquer custo ao sexo que ela sente pertencer. Daí a busca, por meio das cirurgias de redesignação sexual e tratamentos hormonais, dessa “adequação” que reafirmaria a sua existência e confirmaria a sua identidade dentro do gênero que a pessoa sente pertencer.

Essa busca por identificação foi durante muito tempo classificada como um tipo de transtorno mental. Foi a recente modificação advinda do lançamento do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) que promoveu uma mudança na forma de classificar a transexualidade, que deixou de ser nomeada como Transtorno de Identidade de Gênero e passou a ser denominada como Disforia de Gênero, com disforia se referindo à intensa incongruência entre a identidade de gênero do individuo e o sexo biológico com o qual nasceu, condição esta que pode lhe gerar, entre outros sentimentos, angústia, desconforto, estresse, ansiedade, irritabilidade e até depressão.

A Psicanálise em relação à transexualidade

A Psicanálise, como campo de investigação sobre a sexualidade humana, embora não tenha conseguido extirpar esse fator patologicizante da transexualidade, ao menos contribuiu para fomentar discussões que ampliaram esta esfera da vida humana para muito além do seu fator meramente biológico.

Apesar de ser acusada de reduzir a sexualidade à modelos nucleares baseados na primazia do Falo, como o Complexo de Édipo e o Complexo de Castração, a Psicanálise, ao buscar compreender os meandros das diferenças sexuais investigando a ordenação simbólica dos seus significantes para além da anatomia dos corpos, foi responsável pelo surgimento de grandes e importantes interrogações sobre identidade, imaginário e subjetividade, questões que revolucionaram o campo de estudo sobre a sexualidade humana.

Em uma de suas palestras sobre sexualidade Freud ressaltou como esta estava para muito além do fator meramente biológico: “[…] aquilo que constitui a masculinidade ou a feminilidade é uma característica desconhecida que foge do alcance da anatomia.”

Dentro da teoria psicanalítica

Dessa forma, dentro da teoria psicanalítica, por mais que a presença ou ausência do Falo seja uma referência comum quanto à diferenciação entre homem e mulher, esse não é o fator determinante da sexualidade do indivíduo, pois quando se trata de identificação, a “feminilidade” ou a “masculinidade” são questões que se sustentam muito mais pelo imaginário do corpo e pela subjetividade do ser do que por um elemento limitado e localizado como o pênis ou a vagina, afinal, a questão não é apenas ter um corpo, mas também ser um corpo.

Lacan, por sua vez, embora também desvincule a questão da diferença sexual da materialidade da diferença anatômica, ainda incorre no discurso da diferenciação entre os sexos que se ordena a partir da significação fálica, portanto acaba por relançar essa materialidade da diferença no campo da linguagem.

A dimensão imaginária da Lei da Interdição Paterna, as questões concernentes ao Complexo de Castração e da resolução do Complexo de Édipo que dão o tom das configurações sexuais possíveis, o que naturalmente exclui as formas de identificação sexual que fogem da “matriz heteronormativa” nas relações humanas. E por ser a palavra portadora de valor de referência, tal discurso deixa de fora toda concepção de diferença que não seja atravessada pela oposição homem/mulher, o que coloca a transexualidade como uma “impossibilidade”, como um “não ser” e, portanto, como uma posição sem lugar específico dentro da sexualidade humana.

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Consideração final

Essa visão restrita de algumas vertentes da Psicanálise em relação às demais produções de desejo e sobre as outras configurações sexuais possíveis acaba por oferecer uma perspectiva rígida demais sobre a transexualidade, fato que, pela falta de identificação com o discurso, mais afasta do que atrai os indivíduos transexuais do tratamento por sua via, já que, colocando a transexualidade como um “desvio” da ordem natural das coisas (quase como um delírio psicótico), faz sentir que a identificação de gênero, ou seja, a forma como nós, pessoas trans, edificamos o edifício simbólico da nossa sexualidade, não passa de uma mera “fantasia transgressora”.

Talvez a saída, para além dos limites da anatomia dos corpos e das normas e regras da teoria, seja considerar as soluções singulares de cada sujeito, suas construções subjetivas sobre a própria sexualidade e suas formas de identificação.

Se a Psicanálise se destaca pela sensibilidade da escuta, pela atenção aos desejos, sonhos e fantasias do sujeito, então seria preciso, como afirma Laplanche, criar modelos de simbolização mais flexíveis, que lidem melhor com as ambivalências do terreno da sexualidade humana e que, desse modo, permitam um trânsito mais fluido entre as diferentes categorias de identidade existentes, oferecendo um lugar possível no mundo real aos corpos e também às mentes trans.

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    O presente artigo foi escrito por Pedro Costa Santos. Historiador, escritor e estudante de Psicanálise Clínica. https://www.instagram.com/___pedro.costa/

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