No intuito de refletir sobre para que serve a Psicanálise, ou quais os usos da Psicanálise, buscaremos apresentar sua definição, sua origem nos estudos de Freud, seu papel como ferramenta política, para, então problematizar sua serventia social.
Definição e usos da Psicanálise
A Psicanálise pode ser definida a partir de três eixos explicativos:
- Um método investigativo.
- Um método terapêutico.
- Um campo de conhecimento teórico e prático.
Estes eixos são indissociáveis pois eles se correlacionam, se sobrepõem e se produzem diretamente.
Assim, podemos dizer que a Psicanálise é um método de investigação, um método terapêutico e um campo de conhecimento sobre os aspectos inconscientes que determinam a subjetividade humana e sobre os desejos enquanto operadores deste inconsciente.
Método investigativo e os usos da Psicanálise
O primeiro eixo que explica a Psicanálise, propõe que ela seja um método de investigação, de compreensão e de explicação dos fenômenos inconscientes da subjetividade, da vida psíquica.
Método esse que também busca investigar como os desejos do indivíduo influenciam em seu funcionamento na sociedade.
Método terapêutico
O segundo eixo trata da Psicanálise como um método psicoterapêutico para as afecções inconscientes do desejo.
A terapia ocorre por meio de um processo construtivo de análise, onde o psicanalista e o analisando empreendem um esforço conjunto para entender os mecanismos inconscientes que estejam gerando sofrimento, transtorno ou impedindo uma vida social saudável.
O Campo de conhecimento
O terceiro eixo explica que a Psicanálise é um conjunto de teorias, autores e escolas de pensamento, que se formou com Sigmund Freud entre os séculos XIX e XX, continuou com seus discípulos, e que se estende até os dias atuais.
Um conjunto de perspectivas teóricas e práticas que se aproximam ou disputam entre si, produzindo um verdadeiro campo de conhecimento acerca do inconsciente e do desejo humano.
Freud e o desenvolvimento dos usos da Psicanálise
A Psicanálise surgiu com os trabalhos de Sigmund Freud (1856-1939), um neurologista, nascido no antigo Império Austríaco, formado pela Universidade de Viena. Freud estagiou com Jean-Martin Charcot, um renomado médico da época, onde pôde analisar o efeito do método da Hipnose na indução de um estado de consciência específico.
Nesta época percebeu que havia uma forte conexão entre os sintomas e os comportamentos de seus pacientes. Freud também desenvolveu estudos junto a Josef Breuer acerca da Histeria e do Método Catártico, onde o paciente falava de suas fantasias, permitindo que a lembrança de traumas passados liberasse afetos e emoções reprimidas.
Neste percurso, Freud se questionou acerca dos processos neurológicos e da limitação dos tratamentos disponíveis até então. Consequentemente, ele desenvolveu a Psicanálise: uma abordagem pela qual o conteúdo psíquico recalcado inconscientemente é levado até à consciência, para que possa, então, ser trabalhado.
O funcionamento psíquico
Freud propôs uma teoria acerca do funcionamento psíquico. Para ele a psique humana funciona através do modelo topográfico e do modelo estrutural. O modelo topográfico diz respeito à divisão da vida psíquica em:
- Consciente: conteúdo mental que está ativo para nós, nossa percepção, atenção e raciocínio.
- Pré-Consciente: conteúdo mental que não está ativo em nossa consciência, mas que pode ser acessado facilmente, como algumas memórias ou lembranças.
- Inconsciente: conteúdo mental reprimido, que não pode ser acessado mas que possui forte influência no nosso comportamento sem que percebamos, como traumas, conflitos, sofrimentos.
O modelo estrutural divide o funcionamento psíquico em:
- Id: estrutura mais primitiva do ser humano, que orienta os comportamentos pelo princípio do prazer, visa satisfazer os desejos a qualquer custo.
- Ego: estrutura que tem a função de mediar os impulsos internos e as regras sociais externas, agindo como um filtro orientado pelo princípio da realidade.
- Superego: estrutura que impede os desejos inadequados, os nossos códigos de conduta, que funcionam a partir das regras sociais, da moral.
Neurose e os usos da Psicanálise
Ao longo de seus estudos, Freud percebeu uma correlação entre a vivência de conflitos psíquicos e os sintomas físicos corporais. A este processo de adoecimento psíquico Freud deu o nome de Neurose.
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Na Neurose o sujeito tem um sofrimento patológico por não conseguir realizar desejos considerados socialmente inadequados. Para que não causem mais dor ao indivíduo, estes conflitos são reprimidos inconscientemente.
O tipo clássico de Neurose estudada por Freud é a Histeria, onde o conflito psíquico se converte em sintomas físicos sem qualquer origem neurológica (paralisia, cegueira, etc.).
O desenvolvimento psicossexual
Freud também desenvolveu uma teoria do desenvolvimento infantil, que liga os comportamentos da criança às suas pulsões internas para satisfação dos desejos. Por isso a ideia de um “desenvolvimento psicossexual”, dividido por ele em:
Fase Oral (nascimento aos 2 anos): na qual a criança busca satisfazer seus desejos através da boca, levando os objetos à boca, mamando no seio da mãe.
- Fase Anal (2 a 3 anos): na qual a criança começa a explorar o ambiente de forma mais autônoma, dando os primeiros passos e emitindo suas primeiras palavras, satisfazendo seus desejos pelo controle das fezes e urina através dos esfíncteres.
- Fase Fálica (3 a 6 anos): na qual a criança tem curiosidades sobre o mundo, sobre a criança do sexo oposto e busca se identificar no modelo do pai ou da mãe, sendo o pênis a principal zona de referência para essa comparação (ou a “falta” dele, no caso do sexo feminino).
- Fase de Latência (6 e 12 anos): na qual a criança percebe que não pode alcançar o desejo de se igualar ao pai ou a mãe, e por isso começa a direcionar seus prazeres a outras coisas do meio sociocultural como outras crianças e esportes.
- Fase Genital (a partir dos 12 anos): na qual o sujeito se encontra na puberdade, atravessando mudanças fisiológicas e anatômicas, havendo a formação da própria identidade nos grupos sociais, buscando prazeres fora do corpo ou concentrados na região genital.
Associação livre
Para acessar os fenômenos inconscientes em sua estreita relação com o desenvolvimento psicossexual do indivíduo, Freud propôs um método clínico denominado como Associação Livre.
Pela Associação Livre, o analisando fala livremente sem restrições ou julgamentos sobre sua vida, história infantil, relações sociais e desejos. E o analista utiliza a atenção flutuante para interpretar o significado dos conteúdos trazidos pelo paciente.
Por isso, a Associação Livre constitui uma experiência terapêutica que visa dar sentido e ressignificar o sofrimento do sujeito.
Psicanálise como ferramenta micropolítica
A Psicanálise tem o mérito de perceber os regimes dominantes na cultura que delimitam e aprisionam a subjetividade dos indivíduos.
Tal como Freud percebeu o modo como uma patologia cultural (a Histeria) reprimiu a vida psíquica das mulheres, que naquela época, entre os séculos XIX e XX, vivenciavam o processo de industrialização e a passagem da vida doméstica para a vida de trabalho.
Para além disso, Freud desenvolveu a Psicanálise enquanto um dispositivo político que auxiliava seus pacientes a denunciarem e transformarem qualquer tentativa de dominação sobre seus desejos e sobre a sua vida psicossocial.
Afinal, para que serve a Psicanálise?
Para o filósofo Deleuze, a pergunta “para que serve a Filosofia?” deve ser respondida de forma contundente, pois a Filosofia não serve a ninguém, nem ao Estado nem à Igreja, por exemplo. Segundo ele, a Filosofia serve para afligir e pôr em dúvida tudo o que já está preestabelecido.
Do mesmo modo, se traçarmos um paralelo entre a Filosofia e a Psicanálise, podemos pensar que ela questiona e problematiza todo conhecimento produzido pelo próprio indivíduo, pela sociedade ou por outras teorias acerca dos inconscientes e dos desejos.
Enfim, a Psicanálise é uma máquina crítica (teórica-clínica-política), que põe em xeque o modo pelo qual as pessoas constroem inconscientemente sua subjetividade. Uma máquina que pode operar dentro dos consultórios, em hospitais, nas universidades, mas também nos grupos de amigos e nas praças.
O presente artigo foi escrito por Raphael Aguiar([email protected]), Rio de Janeiro/RJ – formando em Psicanálise Clínica pelo IBPC, pós-graduando em Psicomotricidade pelo CBI of Miami/UCL, Terapeuta Ocupacional pela UFRJ.
One thought on “Conceitos principais e usos da psicanálise”
Claro que essa é só uma pontinha, de tudo o que vem a ser e de como usar a Psicanálise, mas consegui, mesmo sendo leiga, entender e ser atraída pelo assunto.
Da forma como o autor abordou, ao mesmo tempo em que se vê a complexidade, ele conseguiu trazer uma simplicidade, que faz perceber que é algo gostoso de aprender, que faz querer saber mais, achei bem interessante.
Muito bom mesmo, parabéns!