autossabotagem como funciona o que é

Autossabotagem: o que é, como funciona, como evitar?

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Você provavelmente já ouviu falar sobre autossabotagem! Contudo, você sabe o que essa palavra designa em psicologia e psicanálise?

Introdução à autossabotagem

A proposta deste trabalho é sugerir uma reflexão sobre as dificuldades nos relacionamentos devido ao crescente individualismo, fruto do comportamento narcisista, que atua na contemporaneidade. Essas dificuldades atingem os vínculos afetivos e sociais, favorecendo a incidência de suicídio e autossabotagem desde a infância à terceira idade. 

A relevância dessa reflexão ocorre por conta da busca pela compreensão de como se instaura o sofrimento narcísico. Ele é quem fomenta o comportamento suicida. Faremos essa investigação a fim de obter entendimento sobre como é o processo que conduz à desistência da vida.

Ademais, é um objetivo entende sobre as possíveis soluções para um problema social que tem crescido assustadoramente nos últimos dois séculos, revelando protagonistas diversificados: a autossabotagem. Essa questão afeta crianças, idosos, jovens e adultos, homens, mulheres, ricos e pobres, sãos e doentes, líderes e liderados, religiosos e céticos.

Nesse panorama, a psicanálise surge como uma luz que revela o modo operante do suicida e também a incompatibilidade com a sublimação, que seria a potencial saída criativa para qualquer situação de crise.  E aponta para outra saída eficaz: o investimento no desenvolvimento saudável dos vínculos.

Hipóteses e objetivos

Como hipótese, partimos do princípio de que o individualismo é uma característica narcísica. Ademais, assumimos que os vínculos afetivos e sociais atingidos por essa particularidade são a resposta para impedir que o ato suicida ou manifestações de autossabotagem ocorram.

Como objetivos, buscaremos neste trabalho demonstrar que o suicídio não é um ato solitário, individual. Trata-se  do resultado de fatores que influenciam a sociedade e a constituem. Esses mesmos fatores podem ser alterados a fim de que ocorra uma transformação social significativa a ponto de diminuir a incidência do suicídio na sociedade global e contemporânea.

Fundamentação bibliográfica

Kalina e Kovadloff apresentam um estudo profundo sobre o suicídio como uma questão social.

Para esses autores, o suicídio ocorre quando a proposta comunitária falha. Kehl reapresenta o funcionamento narcisista, facilitando a compreensão de como a pulsão de morte atua numa estrutura que por si só já tende a ser desconectada do outro.

Importantes autores dentro e fora da psicanálise compreenderam, em estudos posteriores à Freud, que o narcisismo é a característica fulcral que constitui a base do repertório do suicídio e não a depressão, como acredita o senso comum.

Na primeira parte do trabalho, abordaremos a importância da interação entre os seres humanos. Faremos isso nos concentrando em como o princípio da socialização ocorre e é imprescindível para que o indivíduo desenvolva os vínculos e o sentimento de pertencimento.

Na segunda parte, focaremos na constituição do sujeito suicida, na autossabotagem e na parcela de responsabilidade de um indivíduo na tomada de decisão para o ato final.

Para atingir esses objetivos, a metodologia empregada foi a pesquisa bibliográfica. A partir do estudo da bibliografia,  buscamos validar as hipóteses levantadas. Tudo com base no que autores de projeção em pesquisa e teoria das áreas da psicologia, da psicanálise, da neurociência e da sociologia, citados na composição do trabalho, concluíram com seus relevantes estudos.

A natureza humana exige vínculos

A interação entre os seres humanos é crucial para a sobrevivência e para o pleno desenvolvimento da espécie. Sem interação o psiquismo pode sofrer disfunções. Ademais, as funções cerebrais não alcançarão seu potencial de funcionalidade (MANES E NIRO, 2015). 

Diversos estudos identificam que pessoas que vivem isoladas têm os níveis de felicidade baixos. A busca pela felicidade faz parte do repertório humano desde a sua constituição, e é um elemento central que dá sentido à existência, posto que, desde o nascimento, o polo desejante é a base do aparato psíquico (MALDONATO, 2014). 

A felicidade

Embora não seja simples precisar o que é a felicidade, pois desde a Antiguidade já se procurava conceituar esse estado, ela guarda um vínculo com o bem-estar geral. Por sua vez, bem-estar é, sem dúvida, um sinônimo de satisfação.

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    Portanto, é possível dizer que a felicidade se constitui num conjunto de estados de bem-estar. Trata-se de satisfação com a vida que se tem, pelo sentido de vitalidade, e de realizações pessoais (ONS, 2018).

    Todos esses conceitos se ligam à interação social, cujo caráter dos vínculos se distinguem em:

    • afetivos, desenvolvidos geralmente na família ou com cuidadores,
    • sociais, desenvolvidos a partir das interações com outras pessoas fora do núcleo primário.

    A qualidade dos relacionamentos humanos

    A qualidade dos vínculos tem uma importante parcela que corresponde à formação dos estados sãos ou patológicos de um indivíduo. Um exemplo pertinente é a castração. Ou os pais exercem seus papéis adequadamente ou os filhos sofrerão anomalias em seu desenvolvimento psíquico. Esses são problemas que o acompanharão por toda a vida.

    Caso a mãe sinta-se completa com seu filho e não insira a ideia da castração como um corte entre ela e o filho, antes exclua o pai desse triângulo, cujo imprescindível papel é apontar a saída para o desejo da criança, estará favorecendo que esse filho permanece preso ao narcisismo primário e assim cresça incapaz de desenvolver autonomia. Será sempre dependente dela (KEHL, 1987). 

    O aparelho psíquico se constrói a partir das interações. A mãe que interage com seu bebê é a figura fundamental para que as instâncias sejam estabelecidas e seu filho cresça com um desenvolvimento adequado e apto para interações.

    O amadurecimento do ser humano

    Esse processo é o próprio desenrolar do amadurecimento. Portanto, consolida a identidade dos sujeitos (MANES E NIRO, 2015). Esse quadro serve como um norteador para a compreensão do que falta no sujeito que se direciona para o suicídio, como um retorno simbólico ao ambiente de quietude do qual o inconsciente se lembra: o útero materno (KEHL, 1987).

    Esse utópico retorno, o resultado da precariedade das interações e a deficiência dos vínculos afetivos e sociais, correspondendo a uma existência tóxica, que consiste num tipo de projeto, construído inconscientemente pelo próprio sujeito que possui características próprias de uma vida social disfuncional.

    Suicídio, autossabotagem e psicose

    Portanto, procede afirmar que o suicídio e autossabotagem são comportamentos induzido por um modo de viver a serviço da autodestruição. Sem dúvida, isso caracteriza uma conduta psicótica, embora nem todo suicida seja um psicótico.

    Contudo, certamente é um indivíduo plural que reflete o todo social, reflete que a comunidade falhou ao perder aquele membro (KALINA E KOVADLOFF, 1983). 

    O processo primário de socialização que ocorre na família dá o direcionamento para que ocorra o processo secundário, que ocorre na sociedade. Dessa forma, considera que o ser humano tem a necessidade intrínseca de pertencimento, um sentido gregário que é próprio da espécie (BOCK, FURTADO E TEIXEIRA 1989).

    Todo sujeito é um produto das relações mútuas e constantes com outros sujeitos. Sua finalidade é, além da identificação, a construção do seu conhecimento do mundo e a respeito de si mesmo, pois processa as interações que vêm de fora, desde a primeira infância, e as corresponde, interagindo.

    Isso ocorre à medida em que interações impactam o sujeito e o ajudam a construir uma crença que mais tarde irá compor um sistema. Por sua vez, o propósito do sistema será hierarquizar as suas estruturas de valores (BOCK, FURTADO E TEIXEIRA 1989).

    Deveras, a pessoa que tira a própria vida foi estimulada e condicionada, de maneira prévia e constante, baseando o seu comportamento em modelos acessíveis e impactantes na sociedade na qual está inserida.

    Suicídio

    O ego desse sujeito se constituiu suscetível, por meio das interações. Portanto, o suicídio ocorre como um desfecho do processo gradual de perda de significados o que favoreceu potencialmente a construção de fantasias suicidas, que em algum momento pareciam algo distante. Contudo, foram ganhando força, por consequência de uma práxis psicossocial que se alienou.

    Fundamentalmente as relações com a sociedade oferecem tal alternativa. Isso a partir da ocorrência do decréscimo do sentimento de pertencimento, cujos vínculos fracos, mal estabelecidos ou mal geridos, contribuem diretamente para que a margem de suicídio aumente. Sendo essa construção uma forte característica da contemporaneidade (KALINA E KOVADLOFF,1983).

    A sociedade em que vivemos

    Aceleração

    É importante salientar algumas características da sociedade contemporânea que favorecem o comportamento suicida. Uma das principais é, sem dúvida, um fenômeno muito comum, que faz parte do cotidiano de pessoas do mundo todo, graças a recursos tecnológicos, mecânicos e industriais: a aceleração. Um exemplo disso é que as novidades deixam de ser interessantes tão logo são conhecidas.

    Há muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, muito a se processar. Por isso, vemos um padrão de comportamento tem se estabelecendo: o afã pelas novidades, a inquietude pelo novo e a falta de um tempo hábil para a contemplação. Não conseguimos parar por tempo suficiente para fazer uma reflexão potencialmente produtiva (ONS, 2018).

    Na ânsia pelo novo, o sujeito contemporâneo infantiliza seus afetos. Demonstra pouca tolerância para frustrações. Com relação a isso, precisamos destacar um ponto fundamental: com a aceleração, não resta tempo disponível para desenvolver vínculos saudáveis e estáveis.

    Trata-se de pressa global que Dejours confirma em mais de 30 anos de estudo sobre o suicídio no trabalho.

    Trabalho, vínculos e o mundo que não para

    As transformações no modo de produção capitalista transcenderam o ambiente de trabalho. Assim, alcançaram a sociedade globalizada. Segundo Dejours, somente um evento se torna um impedimento para o suicídio: a força dos vínculos afetivos e sociais. Eles são imprescindíveis para a manutenção da saúde mental, pois se opõem à competitividade e fomentam a solidariedade.

    O trabalho surge como um termômetro da sociedade pois há uma correlação entre um e outro (DEJOUR E BÈGUE, 2010).

    A falta do sentimento de pertencimento, do sentido de grupo, de vizinhança, do coletivo, cresce à medida em que há o estado de aceleração. Não há tempo hábil para estabelecer os vínculos que são necessários e significativos.

    Ademais, o desejo de retorno rápido, em tudo na vida, torna as relações débeis e fugazes (SENNET, 2008). A sociedade contemporânea tem emitido sinais confusos, tudo muda rápido demais, de forma imprevisível e esse fenômeno social torna os vínculos frágeis e inócuos.

    O sentimento de insegurança, próprio dessa fragilidade, mantém os vínculos sem um significado satisfatório. Assim sendo, as relações não são consideradas plenas e verdadeiras. O mundo globalizado fomenta o individualismo, o isolamento subjetivo como uma forma de proteção do sujeito diante das demandas da sociedade (SENNET, 2008).

    Especificidades de um potencial suicida

    Obviamente o sujeito que se suicida é parcialmente responsável pelo seu ato extremo. Possui em seu repertório  possíveis saídas que ele desconsidera. Mesmo sofrendo a relevante influência da sociedade, núcleo sob o qual o sujeito constrói suas percepções, seu ato suicida não deixa de ser voluntário em prol de causa própria (KALINA E KOVADLOFF,1983).

    Para Durkheim, há certos grupos sociais que apresentam mais predisposições a um humor coletivo. É justamente por ter essa característica específica que as ideias suicidas facilmente germinam entre seus componentes. Há uma inegável natureza social do social do suicídio, pois o equilíbrio ou o desequilíbrio social produzem as suas consequências na subjetividade (DURKHEIM, 1978).

    Suicídio

    O suicídio é um ato onde o sujeito, ou a vítima, segundo Durkheim, sabe o resultado que seu ato vai gerar. Há uma renúncia da existência devido ao desespero pela falta de algo que lhe desperte o interesse em continuar vivendo. Nenhum outro animal, além da espécie humana, recorre ao suicídio. Nem mesmo o escorpião que, como popularmente se acredita, se pica de propósito. O que de fato procede é apenas uma reação irrefletida e automática do animal (DURKHEIM, 1978).

    Portanto, o suicídio é uma construção humana, subjetiva, e fruto da interiorização da realidade que circunda o sujeito (KALINA E KOVADLOFF). As particularidades das vítimas de suicídio não justificam a incidência. Se trata de um fenômeno social e não individual (DURKHEIM, 1978).

    Dejours apresenta um ponto de discordância com Durkheim, sobre a importância das circunstâncias. Para Durkheim, as circunstâncias são irrelevantes, como causa do suicídio. Tanto o rico quanto o pobre, o são e o doente podem recorrer a tal ato (DURKHEIM, 1978). Contudo, para Dejours, as circunstâncias participam da constituição das estruturas psíquicas do sujeito (DEJOURS E BÈGUE, 2010). 

    A importância do contexto social

    Notadamente, cada época produz suas questões emergentes. Na época de Freud, era a histeria que sinalizava a negação de um desejo. Nos anos seguintes, entre as grandes guerras e após elas, foi a vez da neurose obsessiva se destacar. Contudo, atualmente é o narcisismo que chama a atenção para que se compreenda o que está por trás de certos comportamentos patológicos. Esses comportamentos nos levam a analisar um desejo e uma falta.

    Autossabotagem ou sabotagem inconsciente

    Através dos sintomas, é possível notar que os sujeitos, na atualidade, produzem comportamentos que manifestam sabotagens inconscientes (autossabotagem), regidas pela pulsão de morte.

    O individualismo aqui é o sintoma mais pulsante na contemporaneidade, a marca mais evidente do narcisismo. Isso ainda que não se trate propriamente do sujeito narcisista, aquele que se suicida, mas de um sujeito fortemente influenciado por uma sociedade que tem seus valores narcisistas (KEHL, 1987).

    O narcisismo mantém a ilusão de um estado antigo, não permitindo que o desejo se mova. Assim, revela que há um desequilíbrio no controle das pulsões, prevalecendo a força e a direção da pulsão de morte, pois o produto dessa dinâmica é o individualismo. Ou seja, um modo operante que desconsidera outros indivíduos quanto à subjetividade e despreza o papel das interações.

    Há um rebaixamento dos instintos de sobrevivência e um crescente desejo pelo repouso definitivo. Ou seja, o oposto do que ocorre por conta da pulsão de vida, que impele a procura de contato com outro ser vivo, que põe em movimento o desejo (KEHL. 1987). 

    Mais sobre o narcisismo, sublimação e autossabotagem

    Um ponto relevante sobre o narcisismo é que ele impede que o indivíduo se beneficie do mecanismo da sublimação, pois narcisismo e sublimação são incompatíveis.

    A sublimação moveria o sujeito a criar caminhos que o desviassem do suicídio. Isso porque ela se origina de algum contato com o desejo. Assim, ela não é o caminho até a felicidade, mas procura sempre uma alternativa que seja feliz para o sujeito. Logo, evita os efeitos da autossabotagem.

    Porém sob o narcisismo o desejo fica circunscrito, à medida em que o sujeito fica mais isolado, mais sem contato com o outro. Onde a pulsão de vida não impera, a pulsão de morte prospera (KEHL. 1987).

    Resumo sobre o impacto da aceleração e do contexto social sobre o índice de autossabotagem e suicídio

    Um indivíduo que nasce numa sociedade se torna um membro dela através do importante processo de socialização. Porém, esse processo por vezes reflete no indivíduo o mal funcionamento da própria sociedade. Assim, a incidência de suicídio indica que existe uma disfuncionalidade vigente e que essa tem sido a marca da sociedade contemporânea que ora tem uma face psicótica, ora narcisista.

    Contudo, todas as sociedades possuem escalas de valores absorvidos pelos indivíduos que a compõem. Na sociedade contemporânea, a auto destruição é apenas uma nuance desses valores sociais que operam no indivíduo. Ela se reflete o tempo todo no descaso com o meio ambiente, pois se o planeta é a casa dos humanos, e eles o tratam com tanto menosprezo, o mesmo ocorre com o corpo, com a família e por fim com a própria vida.

    O suicídio é uma ruptura com a vida, uma solução do absurdo que é a existência para o sujeito. Ocorre porque o mesmo não possui nada que o segure diante dos impulsos destrutivos de se autossabotar. Contudo, existem possíveis saídas para que o sujeito não anule a sua capacidade auto defensiva e retroceda diante de pensamentos suicidas.

    Trata-se da criação e fortalecimento dos vínculos afetivos e sociais pois estes funcionam como uma reconexão com o outro. Ou seja, funcionam como se houvesse uma recarga de energia, capaz de pôr em movimento o desejo de ficar vivo.

    Comentários finais sobre autossabotagem e suicídio

    À medida em que o sentimento de pertencer a um contexto cresce, decresce a possibilidade de ocorrências de novos casos de suicídio.

    Não basta ter muitos amigos na timeline, nem ser famoso, pois há inúmeros casos de pessoas nessas condições que encerram bruscamente suas histórias nesse mundo. Esses estados são fugazes. O que importa é realmente ter laços significativos que resgatem o sentimento de fazer parte da história de vida do outro. Ademais, importa igualmente que outros façam parte da sua.

    No entanto, o narcisismo tem sido a característica principal da contemporaneidade. Ele tem mantido os sujeitos cada vez mais voltados para si mesmos, mais infantilizados em suas emoções, pois falta adquirir as experiências que surgem a partir do convívio reentrante com tantos outros que podem acrescentar ou polir, de certa forma, a vida do sujeito. Essa troca de experiências não é algo que soa bem ao narcisista, pois a característica que o distingue é a falta de empatia.

    Porém, nem todo que se suicida é potencialmente um narcisista, mas alguém que tem características do narcisismo que é produzido no contexto social. São abstrações que o sujeito internaliza da sociedade.

    A ciência disso possibilita um raio de esperança, pois se a sociedade perceber esse padrão e procurar coletivamente impregnar suas estruturas com o oposto ao narcisismo, isto é, a empatia, então, possivelmente, a margem de casos de suicídio tenderá a diminuir.

    Este conteúdo sobre autossabotagem foi escrito por Aline de Paula para o Curso de Formação em Psicanálise Clínica.

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