cura pela fala

Cura pela Fala: significado, história e funcionamento em psicanálise

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Na presente obra sobre a cura pela fala nos dispomos a contemplar, ainda que singelamente, o que se entende nos círculos psicanalíticos por “a cura pela fala”, termo cunhado para designar a iniciativa do paciente (analisando) em falar, e do terapeuta (analista) em ouvir, em buscas de se alcançar, senão a eliminação dos sintomas que afligem o indivíduo, a sua compreensão.

Tal tema é de grande monta e motivo de colóquios acentuados e frutíferos não apenas entre os profissionais da psicanálise, mas também entre o senso comum que por vezes insiste em colocar a eficácia da terapêutica psicanalítica em xeque nos seus quase 200 anos de funcionamento.

A cura pela fala é a mesma coisa que Associação Livre?

Entendemos que não. O método da associação livre é essencialmente baseado na fala livre do paciente e na atenção flutuante da escuta do analista. Então, é um método que se baseia na ideia de “cura pela fala”.

A questão sobre “cura” é trabalhada em outro artigo. Em psicanálise, existe a ideia de que a fala do paciente pode lhe proporcionar uma cura, ou ao menos uma significativa melhora de um mal-estar psíquico do paciente.

Já o método catártico, contribuição de Freud e Breuer (em “Estudos sobre a histeria”, 1895) que antecedeu a associação livre, baseia-se numa escuta cada vez maior do paciente. Foi o ponto de partida para Freud entender que o paciente deveria “falar mais” (e falar livremente) em comparação com o analista, bem como que o tratamento poderia ser feito em estado de vigília, sem estado hipnótico.

Então:

  • apesar de “cura pela fala” ser um sinônimo para “psicanálise”,
  • cura pela fala pode ser algo mais amplo (dependendo do contexto em que a expressão é usada), pode ter relação com o método catártico (Freud e Breuer), com a associação livre (o método definitivo da psicanálise, usado até hoje) e até mesmo outras terapias que usam a escuta do paciente como foco.

Entendendo sobre a cura pela fala

Desta feita, consideramos conveniente trazer à baila uma apresentação, mesmo que resumida, do que vem a ser a cura pela fala, perpassando por sua construção histórica, com personagens importantes para o alicerce psicanalítico, e destrinchando conceitos basilares para o entendimento complexo da proposta.

Objetivamente, é precípuo neste trabalho a apresentação, argumentação e demonstração da magnitude do que vem a ser a cura no setting analítico, que se dá, como se verá adiante, através da aplicação do método da Associação Livre criado por Sigmund Freud.

Em um primeiro momento, fizemos uma breve apresentação histórica, alcançando o percurso desde o método da Sugestão Hipnótica com Charcot, até o método da Associação Livre, criada por Freud e sendo instrumento exclusivo na prática psicanalítica até os dias atuais.

Ato contínuo, nos lançamos à difícil tarefa de conceituar a “cura”. Após, entendemos por bem trazer à discussão as duas Tópicas Freudianas para preparação de uma detalhada apresentação do que vem a ser o método da Associação Livre e, por fim, a cura pela fala.

Para o alcance do objetivo proposto, a metodologia empregada deu-se, exclusivamente, por revisão bibliográfica através da leitura de livros, apostilas e artigos científicos.

Uma breve história: Da Sugestão Hipnótica ao método da Associação Livre

É de salutar importância que nos dediquemos, ao menos neste início, a prestar cordial lembrança aos primórdios da ciência psicanalítica, enfocando nos momentos e personagens basilares (profissionais ou pacientes) que fizeram germinar um novo instrumento terapêutico de compreensão do comportamento humano nas suas mais variadas manifestações, mostrando-se como valiosa contribuição científica há quase dois séculos.

Para tanto, forcemo-nos a lembrar quem foi Sigmund Schlomo Freud, qual recebeu a alcunha de “pai” da psicanálise, e percorrer, ainda que brevemente, novamente os caminhos por ele trilhados e as pessoas que por sua vida passaram e que tanto contribuíram, direta ou indiretamente, para o nascimento e fortalecimento da psicanálise.

Nascido aos seis de maio de 1856 na cidade de Freiberg, região da Morávia, território até então pertencente ao Império Austro-Húngaro, Freud era filho do segundo casamento de um comerciante de lãs com uma jovem mulher.

O infortúnio financeiro e a cura pela fala

Com o infortúnio financeiro pelo qual passava a família Freud na segunda metade do século XIX, não obtendo seu pai sucesso nos negócios, mudam-se todos para Viena, capital do Império, alocando-se em um gueto judeu na periferia da cidade.

De origem judaica e parcos recursos financeiros e intelectuais, a família depositava toda a sua fé no pequeno Sigmund, para que este restaurasse o nome e prestígio que um dia o sobrenome Freud pouco usufruiu. Inclinado aos estudos, Sigmund Freud parecia não ter a intenção de desapontar a sua família.

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    Conta-se até mesmo que nos momentos de estudos, todos da casa permaneciam no mais absoluto silêncio e reclusão, tudo para que a jovem esperança daquela desgraçada família não se desconcentrasse.

    Em sua infância pobre, Freud nutria desejos de cursar Direito para que um dia pudesse vir a ser General ou Ministro de Estado. No entanto, no ano de 1873 ingressa na Universidade de Viena para o curso de Medicina, não tanto para aliviar as dores do próximo, mas sim para adquirir conhecimento.

    A prática clínica

    Já no ano de 1881, o que para Freud foi considerado tardio, forma-se ele em seus exames na faculdade de Medicina. Sigmund não tinha como interesse primevo o trabalho de prática clínica, tão apenas um apresso em dedicar seus esforços ao ensino e pesquisa. Porém, por sua condição financeira ainda limitante, não pode ele seguir o caminho escolhido.

    No ano seguinte, 1882, Freud conhece Martha Bernays, a qual viria a ser sua futura esposa e grande sustentáculo de sua vida profissional e, pela primeira vez, vê-se em contato com o caso Anna O., o qual foi descrito pelo grande médico vienense Josef Breuer.

    Desencantado com a clínica geral, Freud buscou dedicar-se à pesquisa especializada, estudando desde órgãos sexuais das enguias até as propriedades anestésicas e analgésicas da cocaína. É importante frisar que Sigmund guardava dentro de si um íntimo desejo de ser grandemente reconhecido por uma descoberta. Foi neste período que Freud entrelaçou-se no trabalho de tratamento de “doenças nervosas”.

    Insucessos financeiros

    Ainda descontente com seus insucessos profissionais, decide Freud que o ano de 1885 seria o ano de sua grande virada. É importante trazer à baila um manuscrito que Freud endereçou à Martha Bernays citando o assunto:

    “Estou quase acabando de realizar um de meus projetos. É algo que certos infelizes que ainda não nasceram hão de lamentar um dia. Como você não vai adivinhar a quem estou me referindo, vou lhe contar: são meus biógrafos. Destruí todos os meus diários dos últimos quatorze anos, além das cartas, anotações científicas e dos originais de meus trabalhos… Todas as minhas reflexões e os sentimentos que me haviam inspirado o mundo em geral, e eu mesmo em particular foram declarados indignos de sobreviver. Será preciso repensar tudo isso de novo; e eu não tinha rabiscado pouco… Quanto a meus biógrafos, que se enfureçam! Não temos nenhuma intenção de facilitar-lhes a tarefa: cada um deles terá razão em sua maneira pessoal de explicar o desenvolvimento do herói.” (MANNONI, 1994, p. 21).

    Assim sendo, foi ainda no ano de 1885 que Freud recebeu uma bolsa de estudos para desenvolver um trabalho de pesquisa em Paris, estando a serviço do brilhante neurologista francês Jean-Martin Charcot que realizava estudos sobre manifestações histéricas e quais seriam os efeitos da sugestão em estado hipnótico. Neste ínterim, Freud aproximava-se cada vez mais das psicopatologias.

    A Sugestão Hipnótica e a cura pela fala

    Desempenhando a função de assistente de Charcot, Freud tirou três grandes lições que marcariam o início de sua jornada psicanalítica:

    • A negação por parte de Charcot do entendimento da histeria como sendo uma doença atribuída à “imaginação” ou a uma irritação do útero (do grego “hystera”), como se acreditava até então. E, ironicamente, foi graças ao pensamento do médico de Paris que atribuía à histeria uma relação com um distúrbio nervoso, que Freud, durante muito tempo, se colocou contra a qualquer etiologia ou origem sexual para as neuroses (etiologia: estudo das causas das doenças).
    • A descoberta de Charcot que, nas pessoas histéricas, os sintomas não eram delimitados de acordo com a anatomia do sistema nervoso, ou seja, quando se paralisava uma perna, toda a estrutura ficava impossibilitada, mesmo que não fizesse parte do mesmo agrupamento neurofisiológico.
    • A revelação de Charcot quanto à existência de uma relação entre histeria e hipnotismo, na medida em que os sintomas poderiam ser simulados aos pacientes por meio da sugestão hipnótica, os sintomas histéricos também poderiam ser removidos ou modificados através da hipnose. Ou seja, a mesma região do cérebro que gerava os movimentos histéricos involuntários gerava os movimentos de pessoas sob efeito da hipnose.” (Módulo 2: Conceitos de teoria e clínica em Freud – I)

    Charcot e a cura pela fala

    Após um ano de sua estada em Paris aos serviços de Charcot, e depois da absorção de muito conteúdo teórico e prático, ao voltar para Viena Freud dá início à sua clínica para tratamento de doenças nervosas, tendo a histeria posição de destaque entre as doenças tratadas. No mesmo ano, Sigmund e Martha se casam.

    Nos primeiros anos de clínica, Freud se vale de variados recursos terapêuticos para o tratamento de suas pacientes, tais como as massagens, hidroterapia, eletroterapia, etc. Contudo, foi apenas em 1887 que Freud confidencia, em carta, o uso do hipnotismo e os resultados promissores por ele alcançados. Vejamos: “mergulhei no hipnotismo e tenho tido toda a espécie de pequenos, mas peculiares êxitos.” (WOLLHEIN, 1971, p. 26.)

    É imperioso destacar que Freud, principalmente em atendimento às pacientes histéricas, fazia uso da sugestão hipnótica como meio para remover os sintomas que as perturbavam, tal qual aprendido com Charcot na França.

    Todavia, também relata Freud em “Estudo autobiográfico”:

    “(…) desde o início fiz uso da hipnose de outra maneira independentemente da sugestão hipnótica. Empreguei-a para fazer perguntas ao paciente sobre a origem de seus sintomas, que em seu estado de vigília ele podia descrever só muito imperfeitamente, ou de modo algum. Não somente esse método pareceu mais eficaz do que meras ordens ou proibições sugestivas, como também satisfazia a curiosidade do médico, que, afinal de contas, tinha o direito de aprender algo sobre a origem da manifestação que ele vinha lutando para eliminar pelo processo monótono da sugestão” (FREUD, 1925, p. 11).

    Da citação alhures, depreende-se o germe do método da Associação Livre, terceiro e definitivo.

    Método Catártico

    Sigmund Freud e Josef Breuer já haviam anteriormente conversado, momento em que o Dr. Breuer apresentou àquele o caso Anna O., paciente histérica. Passados alguns anos de clínica, Freud e Breuer retomam seus colóquios e tornam-se grandes colaboradores, principalmente no que tange à histeria.

    Foi entre os anos de 1893 a 1896 que os dois médicos vienenses dão vida a diversos escritos referentes à sua prática clínica. Dentre eles, destaca-se “Estudos sobre a Histeria”, de 1895, de fundamental peso dentre os estudos psicanalíticos até os dias hodiernos, sendo por muitos considerado a obra inicial da ciência psicanalítica.

    No método catártico, apresentado por Josef Breuer, o qual apresenta-se como uma variação da sugestão hipnótica, o que se busca é trazer à tona emoções reprimidas de forma intensa, de modo que o paciente se recorde e supere suas dores psíquicas. Pela aplicação do método, podia-se também utilizar a técnica da pressão, tal qual Freud o fez, contraindo seu polegar contra a testa do paciente.

    A Psicologia e a cura pela fala

    Em psicologia, “catarse” significa liberação de emoções ou tensões reprimidas, comparável a uma “ab-reação”. Ab-reação, termo cunhado principalmente durante o uso do método catártico, significa alívio e eliminação do sintoma. É uma descarga emocional. No método catártico, a ab-reação traduz-se como um alívio decorrente da rememoração emocional de eventos traumáticos, podendo ser utilizada, inclusive, a hipnose.

    A parceria Freud-Breuer não durou muito. Por divergências teóricas entre os dois estudiosos, Sigmund e Josef rompem. Tem-se que a principal diferença de opinião entre eles “dizia respeito ao papel desempenhado pelos impulsos sexuais na causação da histeria.” (Freud, 1893, p. 14)

    Outro ponto de embate entre os dois era a opinião forte de Freud no que dizia respeito à sexualidade infantil, sendo repreendido por Josef. Rompendo com o Dr. Breuer e abandonando o método catártico, Freud lança mão de seu último e definitivo método: a Associação Livre.

    A Associação Livre

    Alocada na chamada “fase psicanalítica da obra de Freud” que tem início a partir do rompimento com Charcot e Breuer (fase pré-psicanalítica), Freud passa a aperfeiçoar seu terceiro e último método: a Associação Livre. Esta consiste basicamente em se recomendar que o analisando (paciente) fale, de forma espontânea, tudo o quanto lhe vier à mente, para que o terapeuta o ajude a criar correlações (associações) entre as diversas ideias que possam, ou não, acessar as causas inconscientes.

    O método da Associação Livre será melhor detalhado.

    Conceito de cura pela fala

    Seria imprudente de nossa parte, ao abordar tema de tão sublime importância tal como a “cura pela fala”, que não nos debruçássemos no conceito (ou conceitos) próprio de cura. Porém, tal tarefa não se mostra nada confortável nem simples. O conceito de “cura” nos mais variados segmentos a qual ela é pretendida não é claro de ser entendido, ou mesmo tratado.

    Dentro das ciências médicas e de saúde, a cura pode ser entendida de modo diverso nas suas mais diferentes especializações; um pneumologista pode entender de um modo, e um ortopedista de outro: o primeiro a alcançou e o segundo não? O paciente considerou-se curado? Parece-nos que conceituar “cura” cabe à subjetividade de cada um.

    Não obstante, lancemos um olhar formalístico para o que os dicionários chamam de “cura”: “Tratamento da saúde, restabelecimento da saúde, melhora, regeneração. No sentido popular, entende-se como cura a resolução final, definitiva e irrevogável do problema, por exemplo, para uma infecção bacteriana a cura é o antibiótico”. (MOURA, 2022)1

    A ciência psicanalítica

    Tal como visto alhures, a palavra “cura”, de origem latina, tem como significado primordial: administração, cuidado. Dentro da ciência psicanalítica, a cura alcança novos entendimentos, dependente da cabeça que a pensa. Para Freud:

    “(…)ainda que o sintoma não desapareça, a psicanálise ajudará o sujeito a passar por um processo em que não se estigmatize nem se incapacite como alguém definido pelo sintoma (reduzido ao sintoma). E isso, ainda que não seja uma cura em termos absolutos, será uma melhora possível, uma cura prática ou uma cura relativa que será possível alcançar e que melhorará a vida do sujeito”.

    Ainda para Freud, as mais importantes tarefas da psicanálise seria esta ideia de melhora, que passaria principalmente por:

    • Fortalecimento do ego: para que o ego consiga cumprir suas funções de identidade, da ordem desejante nos conflitos entre id e superego e das demandas da realidade externa.
    • Recuperação das capacidades de amar (gozar) e realizar (trabalhar, agir sobre o mundo).” (VIEIRA, 2022)

    Já para o psicanalista francês Jacques Lacan a cura pode ser assim definida:

    “(…) para Lacan, a cura em psicanálise é uma melhora que passa também por um fortalecimento do ego, que pode ser expresso principalmente por dois termos lacanianos:

    • Travessia da fantasia: percurso sobre a significância e autodefinição do próprio ser, com o sujeito sendo capaz de se afirmar como ser desejante (“eu sou…”).
    • Destituição subjetiva: no setting analítico, significa que o analisando vai “destronar” (retirar do trono) o lugar do sujeito suposto-saber do analista; este lugar em que, de início, o analisando colocou o analista para o bem da análise e para a formação dos laços transferenciais.

    A cura pela fala e a destituição subjetiva

    De forma similar à destituição subjetiva, a cura ou melhora passará com um movimento do analisando em destituir o sujeito suposto-saber fora do setting (fora da terapia). Isso implica deixar de reverenciar todos os outros Grandes Outros e o desejo dos outros, colocando no lugar o desejo do próprio analisando.” (VIEIRA, 2022)

    Definido que a conceituação de cura cabe a cada mente pensante, tal qual nomes foram dados às partículas subatômicas e também à grandes galáxias, ficamos com os dizeres reconfortantes do psicanalista argentino Juan David Nasio:

    “(…) como saber se um paciente está realmente curado? É claro que nenhum paciente consegue se curar por completo e que a psicanálise, como qualquer remédio, não cura todos os pacientes e tampouco cura de maneira definitiva. Sempre restará uma parte de sofrimento, um sofrimento irredutível, inerente à vida, necessário à vida. Viver sem sofrimento não é viver.” (NASIO, 2017, p. 101)

    As Tópicas Freudianas e a cura pela fala

    O inconsciente pode ser definido como o mais precioso achado psicanalítico, revolucionando o entendimento sobre a mente humana. De acordo com Laplanche e Pontalis (1996), “se fosse possível concentrar numa só palavra a descoberta freudiana, essa palavra seria incontestavelmente o inconsciente.”

    Não por menos, Freud considerava a psicanálise como a “terceira ferida narcísica da humanidade”3, vez que, devido ao inconsciente, o homem não tem pleno controle de si mesmo, sugerindo que as suas ações são fortemente influenciadas por “uma instância que foge ao controle do entendimento racional”.

    Assim sendo, foi em 1900 que Sigmund Freud lançou a obra “A interpretação dos sonhos”, obra essa considerada por ele como a fundadora da psicanálise. Em “A interpretação dos sonhos” o autor descreve todo o seu entendimento sobre o funcionamento psíquico, naquilo que ele chamou de Primeira Tópica ou Modelo Topográfico.

    Etimologicamente falando, o termo topos vem do grego, e significa lugar

    Neste momento, Freud concebe a estrutura mental humana como dividida em três instâncias psíquicas distintas que trabalham em cooperação, compreendendo o Inconsciente (Ics), o Pré-Consciente (Pcs) e o Consciente (Cs):

    • “Inconsciente (Ics): Constituído por conteúdos reprimidos e que não têm acesso direto ao sistema Pcs/Cs. É a maior parte de nossa mente, a parte submersa do nosso iceberg mental. Para a maioria dos autores, o inconsciente só alcança a consciência por representações distorcidas, como por sonhos, chistes, atos falhos e sintomas. Daí, a importância da terapia psicanalítica que, pelo diálogo da livre associação, permite idas e vindas que ajudam a entender potenciais padrões mentais e fatos pregressos da vida do analisando que afetam sua psique atual.
    • Pré-consciente (Pcs): instância que mantém conteúdos acessíveis ao nível consciente, ou seja, disponibiliza os conteúdos, mas não pertence à consciência no atual momento. Mantém parte de sua estrutura ligada tanto ao Ics quanto ao Cs. O Pré-consciente é o lar de tudo o que podemos lembrar ou recuperar de nossa memória. São informações em que não estamos pensando agora, mas que sobre elas não houve a barreira da repressão ou recalque (barreira característica do inconsciente). Então, são informações que podem ser recuperadas. Por exemplo, se perguntarmos a você o significado de “indigestão”, esta informação não estava no seu consciente no exato momento antes de fazermos a pergunta. Estava no pré-consciente, foi trazida ao consciente após nossa pergunta.
    • Consciente (Cs): Instância que se relaciona aos estímulos e informações provenientes do mundo externo e do mundo interno. É responsável pela percepção, atenção e raciocínio. Responde pelo lado racional, pela nossa mente atenta, por aquilo que estamos pensando agora, pelas representações que construímos sobre nós mesmos e sobre o mundo. Então, conteúdos recalcados no inconsciente podem ter representantes manifestos no consciente: sonhos, sintomas, chistes e atos falhos. A terapia psicanalítica baseia-se na interpretação destes representantes, que é o ponto de partida que a terapia tem à mão para, depois, elaborar compreensões sobre o que possa estar na origem inconsciente desses representantes. Uma diferenciação importante: no inconsciente, os conteúdos estariam interditados pelo recalque e não poderiam emergir à consciência de forma direta. Já sobre o pré-consciente, não haveria esta interdição severa.” (Módulo 1: História e conceitos fundamentais)

    O modelo estrutural

    Passados os anos e tendo Freud maturado e retificado muitos de seus conceitos, foi entre as décadas de 1920 e 1930 que ele dá vida à sua Segunda Tópica ou Modelo Estrutural. Nesta nova estrutura mental, a psique humana era divida em três novas bases dinâmicas: o Id, o Ego e o Superego.

    Há que se ressaltar, porém, que o advento de uma nova tópica não significou uma substituição da anterior pela mais moderna, uma vez que Freud ainda continuará se utilizando e ressignificando os conceitos advindos do Modelo Topográfico (Ics, Pcs e Cs).

    Vejamos, detalhadamente, a estruturação desta Segunda Tópica Freudiana:

    • “ID: instância psíquica mais profunda e vasta, a qual contém reservada a energia psíquica, ou seja, as pulsões que, aqui, se configuram regidas pelo princípio do prazer, em busca da satisfação do desejo, alheios à realidade e à moral.
    • EGO: instância psíquica que tem como principal função buscar um equilíbrio entre as descargas de excitações. Dentre as funções do Ego, está ser um organizador dos processos psíquicos, do pensamento lógico, da auto-identificação do sujeito (“quem sou eu”), das respostas às tarefas do mundo e de mediação com as outras instâncias psíquicas. Orientado pelo princípio da realidade, o ego é um regulador que busca atender os desejos, considerando as condições objetivas da realidade. Portanto, situa-se entre a satisfação do id e as impossibilidades advindas do superego. Além disso, atua como um supervisor dos processos psíquicos, evitando um sofrimento psíquico exacerbado que leve à desorganização, a exemplo das censuras presentes nos sonhos.
    • SUPEREGO: instância psíquica que busca a regulação moral condicionada pelas exigências sociais e culturais. Surge com a internalização de conteúdos como limitações, proibições e autoridade, em geral a partir da relação com os pais. O superego impõe tanto interdições (proibições) de natureza moral quanto ideais externos (ou seja, referências de pessoas, heróis). O superego determina também o “ideal de eu”: o que eu quero/devo ser, como eu quero que os outros me vejam etc. Não entenda esses processos como sendo apenas conscientes; afinal, muitos ideais e interdições são realizados ou almejados por nós sem que deles tenhamos clareza. Diz-se que “o Superego é herdeiro do Complexo de Édipo”. Isso porque a proibição do incesto, o complexo de castração e a idealização do pai são aspectos do Édipo e relacionam-se com o Superego (primeiros ideais e interdições altamente relevantes, no âmbito familiar).” (Módulo 1: História e conceitos fundamentais. p. 62)

    A cura pela fala e o funcionamento mental

    As diferentes instâncias da primeira e segunda tópicas, ressalta-se, não são pedaços ou partes palpáveis do cérebro, as quais podem ser observadas ou expostas às intervenções científicas em um laboratório. São elas formas dispostas de se entender o funcionamento mental: “é uma única mente, que se especializa para funções diferentes.” (idem. p.64)

    Podemos ainda relacionar ambas as tópicas, da seguinte maneira:

    • “Id: é todo inconsciente (está todo submerso na figura abaixo);
    • Ego: é parte consciente (ex.: as coisas que você sabe que está pensando agora) e parte inconsciente (ex.: os mecanismos de defesa do ego, que via de regra agem sem que o saibamos);
    • Superego: é parte consciente (ex.: quando você vai a um evento e reflete sobre o que pode ou não fazer) e parte inconsciente (ex.: os discursos introjetados na forma de interdições e ideias e que muitas vezes de tão “naturais” nem supomos que foram socialmente aprendidos).

    Retiramos desta correlação o pré-consciente, para facilitar a reflexão e por entendermos que, na segunda tópica (isto é, depois de ter elaborado a divisão id – ego – superego), Freud continuou usando bastante os termos “consciente” e “inconsciente” originários na primeira tópica, mas passou a fazer pouquíssimas menções ao “pré-consciente”.” (Idem. p. 64)

    A Associação Livre

    Após o abandono dos antigos métodos até então utilizados por Freud, Sugestão Hipnótica (Charcot) e Método Catártico (Breuer), muito mais pela dificuldade enfrentada e falta de tato de Sigmund para acessar o conteúdo reprimido de seus pacientes, dá ele vida a uma nova e revolucionária técnica terapêutica, sua última e definitiva, sendo usada de modo exclusivo até os dias atuais: a Associação Livre.

    Para Freud, a Associação Livre aumentaria consideravelmente as chances de identificação dos conteúdos recalcados, sem a necessidade de manter o paciente em estado hipnótico, tal como era com a sugestão hipnótica e o método catártico. Seu desenvolvimento é tão notável, que alguns autores costumam dividir as obras de Freud em “fase pré-psicanalítica” (antes da Associação Livre), e “fase psicanalítica” (a partir da Associação Livre).

    A transição dos antigos métodos que utilizavam a hipnose como base, para a Associação Livre, ocorreu de modo gradual e constante. Segundo Freud, muitos de seus pacientes não se sujeitavam ao estado hipnótico, e os que se deixavam hipnotizar sofriam do regresso de suas neuroses.

    Desta feita, Sigmund foi dando cada vez mais atenção às palavras de seus analisandos, estando estes em estado de vigília. Buscando provocar a fala de seus pacientes, Freud procurava identificar significações (associações) que estariam potencialmente relacionadas com o inconsciente daquelas pessoas.

    Freud e a cura pela fala

    De maneira gradual, Freud permitia que seus analisandos falassem cada vez mais no setting. Deste modo, a clínica psicanalítica passa a ter dois grandes instrumentos de análise:

    • “associação livre: o paciente livre-associa, trazendo de forma livre as ideias que lhe vêm à cabeça, reduzindo ao menos a parte consciente da repressão,
    • atenção flutante: o analista mantém uma atenção flutuante, propondo correlações e evitando se prender ao superficial ou literal das palavras, bem como evitando prender-se às crenças do próprio analista.” (VIEIRA, 2018).

    Salutar fazer-se entender que a “atenção flutuante” não é um novo método de análise, mas tão só um agregador, que se vale o psicanalista, para fazer valer a livre associação de seu paciente. Em suma, podemos dizer que a existência de um depende do outro. Não deve o psicanalista prender-se em atenção a um único ponto verbalizado pelo seu analisando, mas, assim como deve o paciente falar tudo o que lhe vier à mente, também deve o terapeuta ouvir a tudo, estando apto a captar conteúdos relevantes à interpretação.

    A livre fala

    Nos dizeres próprios de Freud, podemos assim entender a Associação Livre:

    “Diga, pois, tudo que lhe passa pela mente. Comporte-se como faria, por exemplo, um passageiro sentado no trem ao lado da janela que descreve para seu vizinho de passeio como cambia a paisagem em sua vista. Por último, nunca se esqueça que prometeu sinceridade absoluta, e nunca omita algo alegando que, por algum motivo, você ache desagradável comunicá-lo” (Freud, “Sobre o Início do Tratamento”, 1913, p.136)

    Não podemos afirmar, sob pena de desonestidade, que a Associação Livre permitirá a derrubada de todas as censuras promovidas pelo Ego, mas deve o par-analítico (analista e analisando), através da livre fala, elaborar padrões mentais e de comportamento que ajudarão a atender a mente do paciente.

    A cura pela fala e o inconsciente

    Imputa-se ao método da Associação Livre a alcunha recebida pela psicanálise de “a cura pela fala”.

    Para Freud, o simples ato de verbalizar o que lhe vier à mente já denotava uma pequena melhora na condição patológica do paciente. Ainda, ao despejar conteúdos em estado de vigília, ou seja, consciente, já daria ao analista indícios do que estaria recalcado no inconsciente da pessoa.

    Podemos atribuir a uma das pacientes de Freud, quando este ainda ministrava o método catártico, papel de grande ajuda na germinação da Associação Livre. Vejamos o que o próprio Freud relata sobre o caso: “As palavras que [Emmy] me dirige (…) não são tão inintencionais como parecem; reproduzem antes com fidelidade as recordações e as novas impressões que agiram sobre ela desde a nossa última conversa e emanam muitas vezes, de modo inteiramente inesperado, de reminiscências patogênicas de que ela se liberta espontaneamente pela palavra.” (VIEIRA, 2018)

    A neuroses

    A paciente em questão disse a Freud que ele não deveria ficar a todo momento perguntando-a qual a origem de suas neuroses, mas sim deixá-la falar livremente. Vejamos mais:

    “Quando peço a um paciente que disponha toda reflexão e me conte tudo o que lhe passa pela cabeça, (…) me considero fundamentado para inferir que isso que ele me conta, de aparência mais inofensiva e arbitrária que seja, tem relação com seu estado patológico”. (Freud, “A interpretação dos sonhos”, 1900, p.525).

    Para um último e melhor entendimento quanto à compreensão do que vem a ser a Associação Livre e sua importância dentro do setting, entendemo-la como uma forma de eliminar a seleção voluntária de pensamentos, o que se pode entender como uma resistência do paciente que assim o fizer. Entende-se por seleção voluntária, por exemplo, quando nos dirigimos a alguém e escolhemos as palavras a serem ditas, antes mesmo de verbalizá-las.

    O livre associar

    Esse controle, ou seja, essa seleção não pode ocorrer dentro de uma sessão analítica, sob pena de não se alcançar o fim pretendido. Em segundo ponto, ao livre associar, o paciente coloca em destaque uma ordem determinada do inconsciente.

    No decorrer do setting analítico, ao livre associar e receber as interpretações elaboradas pelo analista, o paciente passa a compreender seus conteúdos até então inconscientes, eliminando desse modo os sintomas e abrindo caminho para a “cura”.

    A Cura pela Fala

    O método psicanalítico hodierno baseia-se na fala, sendo uma forma de tratamento em que o ato de falar, verbalizar o sofrimento, permite ao paciente, senão a cura do mal que lhe aflige, sua compreensão, fazendo com que o indivíduo possa aprender a conviver com a sua dor. Não obstante os novos desafios que a psicanálise enfrenta, a Associação Livre ainda se mostra, ao lado da escuta flutuante, o melhor e mais eficaz meio terapêutico de vislumbre do inconsciente.

    Ao permitir que a emoção recalcada ache, enfim, uma saída pela fala do paciente, essa emoção, ou afeto, é novamente submetido a uma nova cadeia de associação. Desta feita, o que se pode entender por cura, diz respeito a uma emoção que se desassocia da ideia original, que foi recalcada.

    Consideramos, por fim, trazer à discussão apontamentos de Melanie Klein e Jacques Lacan, dois dos quais possibilitaram, com sua teoria e prática, ressignificar muitos dos conceitos psicanalíticos.

    A fantasia inconsciente

    “Klein expandiu o conceito de fantasia inconsciente com ênfase no mundo interno do paciente, escutou a fantasia como o representante psíquico da pulsão. Também postulou que a análise de crianças era possível, inaugurando a técnica do brincar como ferramenta de escuta do inconsciente infantil.

    Segal (1975) coloca que, na escuta kleiniana, é importante analisar as relações do ego com os objetos internos (submetidos às fantasias Ics) e externos, e que, com essa compreensão, o analista pode vislumbrar o ponto de urgência traduzido na angústia e no sadismo voltado para si mesmo ou para o objeto. Ao compreender essas fantasias, pode-se interpretar, de maneira substancial, as operações defensivas do ego em termos de emoções e comportamentos.

    Para Klein, a fantasia não é, simplesmente, uma fuga da realidade, mas uma constante e inevitável interação entre experiências reais e mundo interno, um modo de conceber as demandas pulsionais inconscientes.

    O modelo bológico

    Lacan, segundo Roudinesco (1998), para escutar o inconsciente, apoiou-se não mais num modelo biológico (darwinista), mas num modelo linguístico. Além disso, Lacan reformulou a metapsicologia freudiana, articulando a teoria do sujeito com conceitos como o real, o imaginário, o estádio do espelho na constituição do eu e o simbólico. O real designa uma realidade fenomênica que é imanente à representação e impossível de simbolizar.

    Utilizado no contexto de uma tópica, o real é inseparável dos outros dois componentes, o imaginário e o simbólico. Ainda segundo Roudinesco (1998), o imaginário, no sentido lacaniano, define-se como o lugar do eu por excelência.

    O simbólico nos fala de um sistema de representação baseado na linguagem, ou seja, signos e significações que determinam o sujeito, permitindo-lhe referir-se a ele, consciente ou inconscientemente, ao exercer sua faculdade de simbolização. Resumidamente, para Lacan,

    “o simbólico foi definido como o lugar do significante e da função paterna; o imaginário, como o lugar das ilusões do eu, da alienação e da fusão com o corpo da mãe; e o real como um resto impossível de simbolizar.” (Fochesatto, 2011)

    Conclusão

    A cura, que no setting analítico se dá através da fala do paciente, é o grande objetivo pretendido por analistas e analisandos. Dando-se a partir da aplicação do método da Associação Livre, instrumento exclusivo até os dias de hoje, o seu alcance é motivo de inúmeras discussões. Parafraseando Juan David Nasio, a cura, em si, continua a ser um enigma.

    Mesmo forjados no tripé psicanalítico (teoria, análise e supervisão), ao chegar no fim de um tratamento, o analista não cansa de se surpreender e se emocionar ao ver o seu paciente livre de seus males. Tanto é difícil conceituá-la como é difícil compreendê-la. Como já dito, deixemos tal tarefa para a subjetividade de cada um.

    Referências bibliográficas

    FOCHESATTO, WPF. A cura pela fala. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-34372011000300016. Acesso em mai. 2023.

    LAPLANCHE, J; PONTALIS, J. B. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

    MANNONI, O. Freud: uma biografia ilustrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994

    MOURA, Eleomar R. Não existe cura na medicina. Disponível em: https://academiamedica.com.br/blog/nao-existe-cura-na-medicina. Acesso em mai. 2023.

    NASIO, Juan David. Sim, a psicanálise cura. Buenos Aires: Editora Paidós, 2017.

    VIEIRA, Paulo. Conceito em Freud e Lacan: O que é cura em psicanálise? Disponível em: https://www.psicanaliseclinica.com/cura-em-psicanalise/. Acesso em mai. 2023.

    ____________. O que é o método da associação livre. Disponível em: https://www.psicanaliseclinica.com/metodo-da-associacao-livre-em-psicanalise/. Acesso em mai. 2023.

    WOLLHEIN, R. As ideias de Freud. São Paulo: Círculo do Livro. 1971.

    Este artigo sobre o significado, história e técnicas da cura pela fala em Psicanálise foi escrito por Danilo Neves ([email protected]).

    One thought on “Cura pela Fala: significado, história e funcionamento em psicanálise

    1. Gleison Silva Nascimento presente disse:

      Materiais de extrema importância grades aulas

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