Neste artigo, exploramos a hipótese repressiva e a hipótese depressiva a partir da psicanálise, investigando como o contexto social influencia o sofrimento psíquico. Com base nas contribuições de Michel Foucault e Christian Dunker, analisamos a transição da histeria para a depressão como sintoma de diferentes eras culturais — da repressão sexual à exigência de gozo e sucesso.
Introdução: repressão, gozo e sofrimento psíquico
Um ponto central na teoria psicanalítica é a “repressão”, também traduzida por “recalque”, pois é como resposta a ela que o psiquismo, já na infância, desenvolve o ego e, posteriormente, o superego, dando-nos a estrutura básica da psicanálise. Foucault vai localizar historicamente o surgimento da teoria de Freud no período vitoriano, época muito repressiva do ponto de vista sexual e moral.
Segundo Foucault, seria essa forte repressão moral o grande gerador da histeria, que é definida pelo próprio Freud como uma saída inadequada da energia psíquica reprimida. Segundo Foucault, que escrevia no momento da contracultura e do questionamento da moral rígida dos anos 1960-70, o combate à repressão seria capaz de resolver vários dos transtornos de fundo repressivo.
Hipótese repressiva vs. hipótese depressiva: o que mudou entre os séculos XX e XXI
Um indicativo da validade da hipótese de Foucault é a observação de que os transtornos de origem repressiva, como a histeria, tiveram uma grande redução de casos clínicos a partir dos anos 1960.
No entanto, é curioso observar que, na época que se seguiu, o avanço na liberdade sexual foi acompanhado de um forte crescimento dos casos de depressão. Para o psicanalista Christian Dunker, se Foucault lançou a “hipótese repressiva” para explicar a psicanálise tal como formulada na época de Freud, talvez a época atual precise de uma “hipótese depressiva”.
A resposta dos grupos dominantes ao movimento de contracultura foi o estímulo ao individualismo e ao hedonismo, a busca pelo gozo imediato, o que, se por um lado satisfaz as pulsões do indivíduo, por outro coloca-o como responsável pelo seu próprio sucesso ou fracasso.
Essa responsabilização do indivíduo abrange também a esfera do mercado, da sua sustentação material, e isso justamente num período de baixo crescimento econômico e de baixas oportunidades para a maior parte da população.
O resultado desse “fracasso” individual é um ressentimento que o indivíduo não mais direciona para fora, mas para si mesmo — e essa é exatamente a definição de depressão.
A repressão na era vitoriana e o surgimento da psicanálise
A psicanálise, assim como qualquer corrente filosófica existente, deve seu surgimento à necessidade de responder às tensões sociais estabelecidas em seu tempo.
Ela é formulada no auge da era vitoriana, marcada por uma moral sexualmente repressora. Essa moral rígida surge como uma resposta das classes dominantes à agitação política do período revolucionário, visando garantir uma estabilidade social na Europa.
Os avanços científicos do período, notadamente no campo biológico, serviram como importantes agentes na sustentação teórica desse discurso moral. Foram instrumentalizados por autores como Auguste Comte e Herbert Spencer, que justificaram as desigualdades sociais por meios morais ou naturais.
Essa associação entre ciência e controle social criou espaço para o surgimento de pseudociências voltadas à repressão da sexualidade.
É nesse cenário que Freud propõe que a histeria tem origem na repressão da energia sexual, e não em causas biológicas.
Michel Foucault e a hipótese repressiva
Michel Foucault (1999 [1977]), ao observar essa trajetória teórica de Freud, levanta a “hipótese repressiva”. Para ele, as psicopatologias da época surgiram da repressão sexual específica da era vitoriana — e não de um fenômeno universal.
Com isso, a teoria de Freud seria “datada”: explicaria apenas o sofrimento de uma época específica. A psicanálise, mesmo libertadora, seria limitada por seu viés burguês e individualizante.
O otimismo de Foucault em relação aos anos 1960 e 70 é compreensível. De fato, a repressão sexual diminuiu. Mas, em vez de reduzir as psicopatologias, o que ocorreu foi uma transição: saímos da histeria e entramos na era da depressão.
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Hipótese repressiva vs. hipótese depressiva: o que revelam as novas formas de sofrimento psíquico
Christian Dunker (2021) propõe uma leitura complementar: a da “hipótese depressiva”.
Na sociedade do gozo, o sujeito se vê obrigado a buscar prazer e sucesso, mesmo quando não encontra meios reais para isso. Slavoj Žižek observa que a queixa atual não é mais “gozo demais”, mas a incapacidade de gozar o suficiente.
A repressão cede lugar à cobrança: o fracasso deixa de ser atribuído ao sistema e passa a ser sentido como culpa pessoal. É nesse deslocamento que a depressão se instala.
Na lógica da performance e do mérito, o reconhecimento só vem se houver produtividade e sucesso visível. A liberdade sexual, nesse cenário, torna-se mais uma exigência: não basta ser livre, é preciso “gostar” e “gozar” corretamente.
Esse novo modelo alimenta ansiedade, frustração e um senso de inadequação permanente.
Conclusão: hipótese repressiva e hipótese depressiva
Foucault acerta ao contextualizar a histeria como um produto do excesso de repressão. Mas foi otimista ao pensar que a liberdade sexual bastaria para resolver o sofrimento psíquico.
Dunker amplia a análise ao mostrar como o sofrimento contemporâneo nasce da cobrança constante por desempenho, prazer e sucesso — e da culpa individualizada quando isso falha.
A psicanálise, portanto, continua essencial: seja para compreender os efeitos da repressão, seja para refletir sobre a angústia gerada por um gozo que virou obrigação.
Este artigo sobre hipótese repressiva e hipótese depressiva foi escrito por Rodrigo Delpupo Monfardini, para o blog do curso de formação em Psicanálise Clínica.