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Literatura e Psicanálise: Freud e Lacan

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Muitos escritores relacionaram literatura e psicanálise na elaboração de suas obras. Psicanalistas como Freud e Lacan não só influenciaram as gerações futuras de escritores, como também se basearam em escritores do passado para criar a Psicanálise.

Leitura e Psicanálise no fim do século XIX e início do século XX

O século é XIX. O cenário é de mudanças. A roupagem é de transformações. Ou seriam de-formações?

Fato é que, na virada do século XIX para o século XX, o mundo já contava com inovações tão revolucionárias quanto a Revolução Industrial. Era um tempo de rápidas mudanças e avanços exponenciais. Mas certamente não se imaginava que uma dessas revoluções mudaria para sempre nossa forma de entender a mente humana: a psicanálise!

Por isso, quem senta hoje no “divã” é as relação que se estabeleceu entre literatura e psicanálise.

Fernando Pessoa e a evidência da relação da Literatura e Psicanálise

Através deste artigo, não pretendemos “diagnosticar” os autores da era moderna das artes. Longe disso! No entanto, intentamos compartilhar alguns dos “insights” que temos arquivado em nosso repertório de paixões literárias.

Nós nos pegamos tentando desvendar, ou seja, tirar as vendas, do que pode estar por trás da forma com que poetas se comunicam com seus públicos. Sendo assim, colocando em palco suas emoções ou sentimentos mais íntimos, digamos assim.

O que estaria por detrás das cortinas desse espetáculo que é a Literatura? Mais especificamente, o que estaria por trás de autores tão enigmáticos quanto Fernando Pessoa, ou seria Fernando “Pessoas”? Como poeta do início do século XX, Pessoa é tão contemporâneo às transformações que divide eras como o próprio Freud, Jung e Lacan.

Imagine-se como psicanalista de Fernando Pessoa. Sim, isso mesmo! Psicanalista de um ser tão excêntrico que subdividiu-se ou multiplicou-se em muitos. Sendo assim, o poeta dos heterônimos, das múltiplas “personas”, dos muitos “eus”, está agora no seu divã.

O primeiro poeta

Um dia ele entra lânguido, ameno, fleumático, para utilizar a teoria dos temperamentos de Hipócrates.

Ele olha de forma serena. Nas suas mãos, a rudeza de um camponês. Em seu coração, a tranquilidade de um “pastor de rebanhos”.

Sua alma? Bucólica. Lema de vida? Carpe Diem. Seu nome: Alberto Caeiro, o camponês.

Com esse, Freud chegaria a passear em um jardim florido e conversaria sobre a brevidade da vida, apesar da calmaria. Além disso, discutiriam o quanto o “contraste aguça a percepção”.

O segundo poeta

Mas, na outra semana ele volta. Chega ao divã em um misto de melancolia e fleumatismo. Existe uma altivez em seu pensar. Isto é, tem uma mente concentrada.
A alma está elevada. Sua posição: como O Pensador, de Rodin. Seu nome: Ricardo Reis, o filósofo.

A última personalidade

Passa-se mais uma semana e ele retorna agitado. Senta no divã, mas se levanta de tempo em tempo. Olha para o relógio. E consulta sua agenda.

Tão solta e confusa quanto o seu tempo: tão apressado quanto a entrada ao século XX.
Mente perturbada. Alma confusa. Seu nome: Álvaro de Campos, o engenheiro.

Mas, afinal, quem seria, de fato o seu analisando? Quem é a pessoa “norteadora” de Pessoa.

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    Passagem da Horas

    Em seu poema “Passagem das Horas” ele parece desabafar:

    “ À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica
    Tenho febre e escrevo.
    (….)
    Oh, rodas, engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
    Forte espasmo dos maquinismos retidos, dos maquinismos em fúria
    Em fúria fora e dentro de mim.” (Ode triunfal, Álvaro de Campos, FP)

    Por outro lado, sua alma se derrama:

    “Multipliquei-me para me sentir,
    Para me sentir, precisei ser tudo,
    transbordei, não fiz senão extravasar-me,
    Despi-me, entreguei-me,
    e há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.”
    (Sentir tudo, de todas as maneiras, Álvaro de Campos, FP)

    Um período de mudanças

    Não lhe parece tão paradoxal quanto os contra sensos da arte barroca, citada pelos seguidores de Lacan? De um lado, transborda a expressão de uma alma tentando se reconhecer diante do novo. E, de outro, ele parecia “enlouquecer” mediante o ruído ensurdecedor da Revolução Industria.

    De fato, a chegada ao mundo moderno trouxe sentimentos de ansiedade. E isso, as Vanguardas Europeias pareciam expressar muito bem. Através de seus movimentos, ela parecia refletir a alma confusa desse indivíduo perdido em seu próprio tempo e espaço.

    Além do mais, entre estes havia aquele movimento que traduz o que vamos arriscar chamar de “neuroses” sociais: o cubismo.

    Este movimento era a própria representação da disformia de identidade do ser humano. Através de suas imagens geométricas e multifacetadas, o cubismo parecia ser o próprio retrato da sociedade. Uma sociedade que passaria a existir a partir do século XX:

    • complexa
    • difusa
    • fragmentada
    • inovadora

    Uma tentativa de desvendar a identidade do poeta Português

    Mas porque, afinal, Fernando Pessoa parecia “delirar” dessa forma? Autoafirmação? Auto-negação? Ou alter egos?

    Máscaras? Era como a hipócrités, a grega que substituía o figurino ou a personalização na dramaturgia? Era apenas por trás das máscaras que residia o verdadeiro eu de um ator. Ou seja, um ator que se despia para viver o outro.

    Apesar de estarmos diante de um poeta e tenhamos o imaginado em um divã, quantas pessoas você já analisou que traga para o centro da análise a sua verdadeira identidade? Quem deixa em casa a máscara e a “censura”, e deleta a existência total do Superego? Quem, simplesmente, deixa o ID aflorar livremente, sem resistência?

    A cura pela fala

    Freud já havia percebido, em seus primeiros estudos, que a hipnose camuflava a resistência ou a censura. Para as palavras fluírem e a livre associação acontecer, era preciso criar com esse analisado uma afinidade em relacionamento íntimo.

    Tal que o analisado pudesse tirar suas máscaras de censura, a hipócrités. Assim, deixar de interpretar o personagem cheio de censura do superego que ele mesmo editou.

    Era preciso ouvir, promover a cura pela fala, deixar arte da escuta acontecer.

    Ouvir, para Freud, tornou-se mais do que uma arte. Tornou-se um método, uma via privilegiada para o conhecimento. Esta é aquela os pacientes lhe davam acesso.

    A busca pelo autoentendimento

    Era preciso deixar o analisado tentar entender seus próprios:

    • signos
    • metáforas
    • símbolos
    • arquétipos

    O próprio Freud iniciou essa interpretação dos relatos simbólicos de seus analisandos, fazendo, antes, uma auto-análise, empreendida por ele a partir do caso da paciente Anna O. Ela era paciente de Breuer, cujo caso clínico foi publicado em 1895, na obra Estudos sobre a Histeria.

    Um encontro entre Fernando Pessoa e Freud, seria no mínimo, revelador. E colocaria ainda mais em evidência a ligação de literatura e psicanálise. A psicanálise vem ressaltar que o Eu não é senão a fachada de nós mesmos.

    Os paradoxos da vida vida moderna

    Embora uma análise dessa natureza pareça um tanto quanto “excêntrica”, na verdade, isso não é novo. O próprio Lacan e alguns de seus seguidores já haviam feito isso. Em “Para que serve a Psicanálise”, Maurano dedica um capítulo todo à relação existente entre a psicanálise, a história e a arte.

    Assim, esses autores mostram que a expressão artística é a representação das ansiedades e paradoxos humanos, frente aos próprios contextos e momentos históricos em que se vive.

    Desde a expressão artística barroca que espelha uma visão de mundo, baseada em paradoxos tão contrastantes quanto a fé e razão, o pecado e a santidade, o corpo e a alma, o sagrado e o profano, a vida e morte, céu e inferno, são as própria configuração de uma crise, e que, para nós, muita lembra já debatida “força antagônica”. Isto é Superego versus ID de Freud.

    Os instintos, ímpetos e material reprimido, em constante alternância ou competição com a voz moral e social ditada pelo Superego.

    Conclusão

    Sendo assim, acreditamos que a alma do artista espelha alma da coletividade. Portanto, houve motivos suficientes para se estabelecer uma relação entre literatura e psicanálise. Enquanto houver paradoxos, haverá psicanálise.

    Texto escrito por Jaqueline Mendes, exclusivo para o blog do Curso de Psicanálise Clínica (inscrições abertas).

    4 thoughts on “Literatura e Psicanálise: Freud e Lacan

    1. Mara Sueli P.C.Nascimento disse:

      E como ficaria o psicanalista diante da resposta dada pelo analisado à pergunta (quem é você poeta? )”o poeta é um fingidor /finge tão completamente/ que chega a fingir que é dor/ a dor que deveras sente. . .”?

    2. Fátima Regina Quagliani disse:

      Sugestão: Percebo uma necessidade de revisão ortográfica nos textos. Conteúdo muito bom; porém precisava passar por uma correção antes da publicação.

    3. Carlos Pedro França Pinto disse:

      Também concordo: é preciso uma revisão ortográfica no texto, pois do contrário os pequenos erros prejudicam o entendimento, principalmente para os iniciantes no assunto tratado.

    4. “A expressão artística é a representação das ansiedades e paradoxos humanos, frente aos próprios contextos e momentos históricos em que se vive”.

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