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Primeira e Segunda Tópicas de Freud

Publicado em Publicado em Psicanálise

Na obra de Freud, há duas grandes formas de ver a organização da mente: a primeira tópica e a segunda tópica. Portanto, neste artigo vamos apresentar uma síntese dessas concepções freudianas.

Além disso, vamos também nos aprofundar nas duas tópicas ou fases teóricas de Freud, reconhecendo os três elementos que compõem a divisão da mente humana em cada uma dessas construções.

 

Primeira tópica e Segunda tópica de Freud, teoria estrutural, teoria topográfica

A Primeira Tópica de Freud: teoria topográfica

Na primeira parte da obra de Freud, chamada de Primeira Tópica ou Teoria Topográfica, o Aparelho Psíquico é visto como dividido em três instâncias (classes), sendo elas:

  • o inconsciente (Ics)
  • o pré-consciente(Pcs)
  • consciente(Cs)

Vale frisar que a expressão “tópica” vem de “topos”, que em grego significa “lugar”, daí a ideia de que esses elementos ocupariam lugar (topos) virtual e funções específicas. Portanto, cada elemento da mente tem uma função específica dentro do sistema psíquico.

1. O inconsciente (Ics)

Esta instância é o ponto de entrada do aparelho psíquico. Ela possui uma forma de funcionamento regida por leis próprias, ou seja, que fogem aos entendimentos da razão do consciente. Além disso,  é considerado a parte mais arcaica da psique construídas também de traços mnêmicos (lembranças primitivas), desde o surgimento do “ser”.

Para ficar claro, é no inconsciente (Ics), de natureza misteriosa, obscura, que podem brotar as paixões, o medo, a criatividade e os próprios impulsos de vida e morte. Nele também é regido o princípio do prazer.

Para finalizar, o Ics não apresenta uma “lógica racional”. Nele, não existem modo, tempo, espaço, incerteza, negação ou dúvida.

O papel dos sonhos no entendimento do aparelho freudiano

Os sonhos têm o papel fundamental no entendimento do aparelho freudiano, pois a “comunicação” nos sonhos se daria graças ao processo primário e seus mecanismos de:

  • condensação;
  • deslocamento;
  • e representação.

2. O Pré-consciente (Pcs)

Essa instância, considerada por Freud uma “barreira de contato”, serve como uma espécie de filtro para que determinados conteúdos possam (ou não) chegar a nível consciente.

Entendemos que os conteúdos presentes no Pcs estão disponíveis ao Consciente. É nessa instância que a linguagem se estrutura e, dessa forma, é capaz de conter a ‘representações da palavra”, que consiste num conjunto de lembranças de palavras oriundas e de como foram significadas pela criança.

Portanto, o pré-consciente é a parte que se encontra no meio do caminho entre o inconsciente e o consciente. Ou seja, é a parte da mente que junta informação em busca de alcançar a parte consciente.

Juntando os dois elementos que vimos até agora, pense nos seguintes exemplos, para fins didáticos:

  • no inconsciente, estariam ideias ou fragmentos de ideias que foram interditados (por sua natureza inexprimível, ou por uma ação repressora), que estão em um nível inalcançável à expressão consciente;
  • no pré-consciente, estariam ideias que não estão interditadas, apenas não nos lembramos delas agora, mas podemos retomá-las se houver o devido estímulo (por exemplo, algum fragmento de sua vida escolar que não estava na sua consciência, mas que veio à tona ao ler esta frase).

3. O Consciente (Cs)

Ao Cs é atribuído tudo aquilo que está disponível de forma imediata à mente, por exemplo aquilo em que você está pensando agora.

Dessa forma, podemos entender que a formação do consciente se daria pela junção “da representação da coisa” e da “representação da palavra”. Ou seja, há um investimento de energia em determinado objeto e, então, seu escoamento adequado para a satisfação.

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A energia psíquica

A energia psíquica não está direcionada pelas representações, ela está vinculada a uma representação específica. Ou seja, processos primários (Ics) formam sua comunicação por meio da organização dessas representações.

Desse modo, é possível:

  • estabelecer linhas de raciocínios;
  • apresentar percepções e ponderações;
  • respeito ao princípio da realidade.

Consciente e Realidade

Portanto, o consciente é a parte da nossa psique que tem a noção da realidade do nosso meio ambiente imediato. Ela é a zona responsável pelo contato com o mundo exterior. Também, é o que você responde às perguntas sobre aquilo que você sabe de você mesmo: quem sou, de onde vim, quais fatos pessoais e familiares me formaram etc.?

Além disso, aqui governa o princípio da realidade, porque a mente consciente procura um comportamento adaptado à realidade social, uma vez que esta não se rege pelo princípio do prazer.

Sendo que o princípio do prazer pode ser suspenso de forma parcial, para que o princípio da realidade torne a existência do “eu” em vida social seja viável.

A Segunda Tópica de Freud: teoria estrutural

Compreendendo que seu modelo antigo possuia limitações que impediam um entendimento mais expressivo dos achados psicanalíticos, Freud propôs uma novo modelo para o aparelho psíquico.

Nesse novo modelo, Freud amplia seu entendimento sobre a dinâmica das instâncias psíquicas e diz uma nova forma de compreensão, chamado de Modelo estrutural do aparelho psíquico (ou segunda tópica).

Neste modelo, Freud vai sugerir a formulação de uma organização por estruturas que interagem de forma constante para que ocorra o funcionamento da psique, que são:

  • Id;
  • Ego;
  • e Superego.

O ID

Dentre as estruturas apresentadas por Freud, o ID é a mais arcaica ou primitiva, pois:

  • é a mais “selvagem” e
  • é a que se desenvolve primeiro, com o nascimento do bebê.

O id é uma espécie de reservatório de impulsos caóticos e irracionais, construtivos e destrutivos e não harmonizados entre si ou com a realidade exterior. Ou seja, é um aglomerado de pulsões que poderíamos dizer “instintivas” e “selvagens”, sem organização e sem direção.

No id, estão as energias psíquicas e as pulsões cujo intuito seja a obtenção do prazer. É como se o id fosse o reservatório de energia da nossa vida psíquica, enquanto que as outras instâncias organizariam esta energia da forma melhor possível.

Portanto, o ID tem as seguintes características:

  • não faz planos e não espera;
  • não tem cronologia (passado ou futuro), é sempre presente;
  • por ser presente, busca uma satisfação imediata para impulsos e tensões;
  • não aceita frustrações e não conhece inibição;
  • não tem contato com os limites impostos pela realidade;
  • busca satisfação na fantasia;
  • pode ter o mesmo efeito de uma ação concreta para atingir um objetivo;
  • é todo inconsciente.

SUPEREGO

Instância psíquica que é chamada pelo Ego para controlar o Id. Ou seja, o SUPEREGO é uma modificação ou especialização do EGO que visa a impedir que os impulsos do id se concretizem da forma como são. O superego é responsável por imposição de sanções, normas, padrões e idealizações, e tem sua formação pela introjeção dos conteúdos que vêm dos pais.

Dizer que o superego é uma especialização do ego significa que:

  • ao nascer, o bebê é todo id, não consegue sequer entender a separação entre si e sua mãe;
  • depois, o bebê passa a se entender como “um ser distinto”, percebe que sua pelo o delimita de sua mãe e do mundo, daí haveria um desenvolvimento do ego, que limita um pouco a atuação pura do id;
  • já numa fase mais desenvolvida, o ego terá parte de si convertida para regular o sujeito perante à vida em sociedade, ou seja, o ego tem parte de si especializada em superego, para elaborar inibições e proibições que lhe são impostas.

Não quer dizer amadurecimento de um órgão específico do ego, mas sim um amadurecimento psíquico (biológico e social) que organiza o trabalho mental nesta direção.

Será uma função do ego oferecer certo prazer e impulso (demandados pelo id) e atender às regras e ideais impostos pela vida social (demandados pelo superego).

O superego é parte consciente, parte inconsciente.

  • Exemplo de consciência: quando você expressa “é proibido matar”.
  • Exemplo de inconsciência: padrões de conduta e vestimenta que você julga serem uma escolha “natural” e sobre as quais você nunca pensou que foram determinadas de fora.

Além disso, o SUPEREGO busca a perfeição moral reguladora e tende a reprimir toda e qualquer infração que possa causar prejuízo a mente.

O superego é relacionado ao Complexo de Édipo porque seu mecanismo de funcionamento desenvolve sobretudo a partir da idade do Édipo (em torno de 3 anos de idade até início da adolescência). É uma idade em que o filho precisa:

  • entender o pai (ou quem exerça a função de pai) como garantidor das regras (limites, horários, disciplina etc.) refreadoras de sua pulsão;
  • adotar um respeito reverencial pelo pai (ou pela “função pai”), como exemplo de herói, não mais um rival; e
  • introjetar a proibição do incesto (desistir da mãe ou quem faça a função de mãe como objeto sexual).

Até que, depois, a criança vai crescendo e, na passagem para a adolescência, descubra que a sociedade tem muitas outras regras morais e fontes de admiração, diferentes do que vivia no ambiente familiar, mas com mecanismo simular, ao qual o superego já está habituado.

A importância do Édipo para o desenvolvimento psicossocial é muito grande, porque será a primeira experiência do sujeito com seu superego: as interdições e os ideais legitimados.

Depois, este adolescente já terá um superego mais complexo, com interdições e heróis vindos de outras partes, de modo a poder se afastar da mãe e do pai.

Esta autonomização em relação à família e a introjeção de um superego complexo são bem típicos da adolescência: os pais costumam não gostar do afatamento do adolescente do berço, mas isso é um sinal de um Édipo bem resolvido e de uma maturação psíquica do filho.

Podemos dizer que o superego tem três objetivos:

  • inibir (através de punição ou sentimento de culpa) qualquer impulso contrário às regras e ideais por ele ditados (consciência moral);
  • forçar o ego a se comportar de maneira moral (mesmo que irracional);
  • conduzir o indivíduo à perfeição, representada por padrões, pensamentos, ídolos, heróis.

Muito importante dizermos que um superego rígido causa adoecimento e é uma das principais causas das neuroses, angústias, ansiedades. A terapia psicanalítica vai trabalhar contra um superego rígido.

Isso é feito permitindo:

  • condições para que o analisando conheça a si mesmo;
  • ceda um pouco mais aos seus próprios desejos, firmando uma personalidade menos conflituosa consigo mesmo;
  • mesmo que isso contrarie os ideias e padrões sugeridos pela família e pela sociedade.

Com isso, queremos dizer que entender a existência de um superego não significa aceitar todas as regras, leis, crenças e padrões de uma determinada sociedade.

Pelo contrário, significa sim entender que a vida social demanda convenções para evitar a barbárie (isto é, o domínio do mais forte), mesmo quando essas convenções não estejam expressas ou escritas, mas que estas convenções não são sempiternas, imutáveis.

EGO

Para Freud, o nascimento do Ego vem da primeira infância, quando o bebê começa a se diferenciar da mãe e do mundo, percebendo-se como um ser distinto do resto. Por haver “eu”, haverá “os outros”. Os laços afetivos e emocionais com os “pais” costumam ser intensos.

Essas experiências, como vimos no superego, depois se especializam na forma de orientações, sanções, ordens, modelos, ideais e proibições, que vão fazer com que a criança registre no inconsciente essas emoções subjetivas. Emoções essas que vão dar ”corpo” à sua estrutura psíquica e egoica.

O ego está no meio do caminho entre os outros dois elementos. O ego é o meio da gangorra entre:

  • o lado da satisfação individual do desejo (id) e
  • o lado da satisfação social que a vida social pode trazer se você estiver disposto a seguir certos padrões (superego).

Assim como o superego, o ego também é:

  • parte consciente: quando raciocinamos ao falar em público ou organizar uma exposição de ideias de maneira encadeada, por exemplo;
  • parte inconsciente: como os mecanismos de defesa do ego.

A função mediadora do Ego

Constituído de traços mnêmicos antigos (lembranças afetivas da infância) e formas “presentes” de relacionar com nosso corpo e o meio ambiente (o ambiente externo), o Ego possui sua maior parte consciente, mas também ocupa um espaço no inconsciente.

Ele é, portanto, a principal instância psíquica e que tem por função de mediar, integrar e harmonizar:

  • as constantes pulsões do ID;
  • as exigências e ameaças do SUPEREGO;
  • as representações do “eu” (ou seja, o que o sujeito sabe sobre ou afirma sobre si);
  • além das demandas vindas do mundo externo.

O princípio da realidade

O Ego se desenvolve a partir do ID com o objetivo de permitir que seus impulsos sejam eficientes, ou seja, levando em conta o mundo externo: é o chamado princípio da realidade. É esse princípio que introduz a razão, o planejamento e a espera no comportamento humano.

Portanto, a satisfação das pulsões é retardada até o momento em que a realidade permita satisfazê-las com um máximo de prazer e um mínimo de consequências negativas.

Comparando a primeira e a segunda tópicas freudianas

A teoria topográfica de Freud (consciente, pré-consciente e inconsciente) distingue-se da teoria estrutural (ego, id, superego).

Não são teorias incompatíveis; Freud não abandonou uma em detrimento de outra. Mesmo depois que Freud elaborou a teoria estrutural (segunda tópica), continuou adotando em seus trabalhos os conceitos de consciente e inconsciente (primeira tópica).

Justapondo a primeira e a segunda tópicas freudianas em uma única imagem, e considerando a metáfora (ou alegoria) do iceberg em Freud (isto é, apenas uma parte para fora d’água representa a mente acessível ao consciente, todo o resto está submerso em pré-consciência e, principalmente, inconsciência), teríamos:

iceberg psicanálise, primeira e segunda tópicas de Freud

Da análise da imagem acima, é importante notar que, se quisermos relacionar um teoria freudiana com a outra:

  • O id é TODO inconsciente (todo submerso),
  • mas o inconsciente não é inteiro Id (uma parte do que está submerso é também ego e superego);
  • O inconsciente engloba o Id todo e partes do superego e do ego.

Então:

  • Não pense que apenas o id é inconsciente: se assim o fosse, por que Freud criaria uma outra teoria? Ele só diria que são as mesmas coisas, com outros nomes.
  • Também não pense que o Inconsciente seja um “lugar” no cérebro, precisamente delimitado (embora existam estudos na neurologia que apontem regiões cerebrais mais “conscientes” e outras mais “inconscientes”).

Considerações finais: primeira tópica e segunda tópica freudiana

Da perspectiva do desenvolvimento psíquico humano:

  • O id (todo inconsciente) é a parte mais primitiva e selvagem, é a fonte de energia psíquica, tem uma linguagem própria e é todo inconsciente. No começo de nossas vidas, somos apenas impulsos e desejos impelidos a uma uma satisfação imediata.
  • O ego (parte consciente, parte inconsciente) desenvolve-se como uma parte do id, a partir do momento em que o sujeito inicia sua personalização como um “eu” (ego), como uma unidade mente-corpo e como distinto das outras pessoas e coisas. Uma tarefa talvez mais tardia do ego será ser um mediador entre os impulsos do id e as interdições e idealizações do superego.
  • O superego (parte consciente, parte inconsciente) é uma especialização do ego para os padrões morais e idealizados. Desenvolve-se principalmente a partir do advento do Édipo, quando o sujeito começa a confrontar-se com as interdições e a idealizar padrões e heróis.

Então, se tivermos de comparar as teorias das duas tópicas de Freud, diríamos que:

  • o Id é TODO inconsciente.
  • O ego é parte consciente (da lógica racional e do que estamos pensando agora, por exemplo) e parte inconsciente (dos mecanismos de defesa do ego, por ex.).
  • O superego é parte consciente (das regras morais que estamos cientes que existem, como “não matar”) e parte inconsciente (das crenças e valores que temos e que acreditamos serem naturais, por exemplo contidos na linguagem, no discurso, na religião, na forma de vestir, na forma de diferenciar os gêneros etc.).

Então, é possível dizer que ego e superego tenham parte consciente e parte inconsciente, sendo o Id inteiro inconsciente.

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Este artigo foi criado, revisto e ampliado por Paulo Vieira e equipe de conteúdos do Curso de Formação em Psicanálise Clínica, a partir de contribuições do texto inicial da aluna Cinzia Clarice.

 

17 thoughts on “Primeira e Segunda Tópicas de Freud

    1. Excelente texto que contempla nossa mente e seus desdobramentos

  1. Flaviana Leila Lopes disse:

    Parabéns! Texto muito bom!! Muito bem explicado.

  2. Nossa quanto conhecimento que adquirir lendo esse texto. Gostei muito e será muito aproveitoso em minha vida..
    Excelente

    1. Neideguimarães disse:

      Excelente explicação!
      Adorei!
      Parabéns!

  3. Maria de Fátima Pereira disse:

    Texto claro, objetivo e esclarecedor. Parabéns!

  4. David Ferreira da Silva disse:

    Excelente exposição esquemática!
    Muito obrigado por mais este artigo!

  5. Mizael Carvalho disse:

    Muito boa explicação! Obrigado!

  6. Lucas Castilho disse:

    Excelente! Supriu minhas dúvidas.

  7. David Ferreira da Silva disse:

    Didático, bem escrito!
    Obrigado, Paulo e IBPC!

  8. Romulo Caixa Ferreira disse:

    O ego é o mediador entre as exigências do superego e os impulsos do id. Belo artigo!!!

  9. PAULO AFONSO PEREIRA disse:

    Muito bom e bem didático.

  10. José Carlos P Cardoso disse:

    Muito bom! bem didático!

  11. Gostaria de referenciar o artigo de vocês no meu trabalho de faculdade, mas não localizei o nome do autor, data, cidade. Se puderem me passar a informação, ficarei agradecido. Fui recomendando a esse artigo através dos conteúdos da Universidade Cruzeiro do Sul.

    1. Psicanálise Clínica disse:

      Bom dia, Silas, tudo bem? Quando há autor, o nome está ao final do artigo. Quando não há autor, você pode referenciar apenas o site PSICANÁLISE CLÍNICA.

  12. Maria Aparecida de Oliveira disse:

    Texto simplesmente fantástico. Aliás, todos os textos que tenho recebido e lido, de vocês, têm sido de ótima qualidade e didática expressiva. Gratidão.

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