A intersecção entre o Espelho de Machado de Assis e o conceito do Estágio do Espelho de Jacques Lacan oferece um terreno fértil para a análise psicanalítica.
No conto de Assis, somos apresentados a uma narrativa que explora a dualidade da alma humana, onde o protagonista, Jacobina, propõe a existência de duas almas: uma que olha de dentro para fora e outra que olha de fora para dentro.
Entendendo sobre o Espelho
Esta ideia ressoa com a teoria lacaniana do Estágio do Espelho, que descreve um momento crucial no desenvolvimento psíquico infantil, quando a criança reconhece sua imagem no espelho e, através dessa identificação, começa a formar o Eu, ou seja, uma identidade separada do outro.
A narrativa de Assis, rica em simbolismo, pode ser vista como uma antecipação da teoria de Lacan, apesar de ter sido escrita muito antes. O espelho, em ambos os contextos, serve como uma metáfora para a reflexão e o reconhecimento de si mesmo.
No conto, o espelho é também um objeto que reflete não apenas a imagem, mas a percepção de identidade e valor social do indivíduo. Quando Jacobina se vê sem a farda, ele experimenta uma crise de identidade, sugerindo que a alma exterior depende da percepção dos outros e do contexto social para se afirmar.
O Espelho para Lacan
Lacan, por sua vez, enfatiza que o Estágio do Espelho não é apenas um momento de reconhecimento, mas também um estágio de alienação, onde o indivíduo se identifica com uma imagem que é tanto si mesmo quanto outro. Essa alienação é fundamental para o desenvolvimento do Eu, pois é através dela que a criança começa a se diferenciar do mundo externo e a formar sua própria identidade.
A convergência dessas duas obras nos permite refletir sobre a complexidade da construção da identidade humana. Enquanto Assis usa o espelho para discutir a natureza fragmentada do ser, Lacan o utiliza para explicar a formação do Eu como um processo contínuo de identificação e alienação.
Ambos, no entanto, destacam a importância da imagem e da percepção externa na definição de quem somos. A discussão filosófica no conto de Assis, onde os personagens debatem sobre a alma e a identidade, ecoa as sessões psicanalíticas onde o analisando é convidado a explorar as profundezas de seu inconsciente.
O Espelho de Machado de Assis
Assim como no conto, na psicanálise, é frequentemente através da narrativa – seja ela verbal ou simbólica – que emergem as verdades sobre o self.
Portanto, O Espelho de Machado de Assis, em diálogo com o Estágio do Espelho de Lacan, nos convida a considerar a psicanálise não apenas como uma prática clínica, mas como uma lente através da qual podemos examinar a literatura e a arte, revelando as camadas ocultas de significado que residem na interação entre o self e a sociedade.
A literatura, assim como a psicanálise, oferece um espelho no qual podemos nos ver refletidos, não apenas como somos, mas como somos percebidos e como percebemos a nós mesmos no mundo.
A Psicanálise e a Literatura
Em uma jornada literária que entrelaça a psicanálise e a literatura, meu livro Pequenos Contos no Espelho https://encurtador.com.br/sAFUI oferece um convite à reflexão sobre o eu e o outro, um tema que ressoa profundamente com O Espelho de Machado de Assis e o conceito do Estágio no Espelho de Lacan.
Graduada em Arquitetura e atualmente estudando Psicanálise Clínica, procurei tecer narrativas que refletem não apenas a imagem do indivíduo, mas também a complexidade de sua alma, um eco da teoria lacaniana que vê no espelho não apenas um reflexo, mas uma representação da formação da identidade.
Assim como Machado de Assis explora em seu conto a dualidade da alma humana, eu convido a olhar além da superfície, sugerindo que dentro de cada reflexo há uma história, uma verdade oculta que aguarda ser descoberta, um convite para explorar as profundezas do self.
O Espelho: relação com o ego
Lacan postula que o estágio do espelho é um momento crucial no desenvolvimento psíquico de uma criança, onde ela reconhece sua imagem refletida como sendo ela mesma, um precursor da formação do ego. Este momento de reconhecimento, embora seja uma ilusão de unidade e autonomia, é fundamental para o desenvolvimento da identidade.
Da mesma forma, Pequenos Contos no Espelho pode ser visto como uma série de momentos de reconhecimento, onde os personagens se deparam com suas próprias imagens refletidas e são confrontados com as realidades de suas identidades fragmentadas. Eles, como os leitores, são convidados a questionar o que é visto e o que é conhecido, a considerar a possibilidade de múltiplas verdades e realidades coexistindo.
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Machado de Assis, por sua vez, com sua habilidade de tecer tramas com pretensões filosóficas, oferece em O Espelho uma meditação sobre a natureza da alma humana.
O senso de self
O conto, publicado pela primeira vez em 1882, apresenta um protagonista que, através de uma experiência com um espelho, chega à conclusão de que há duas almas dentro de cada ser humano: uma que olha de dentro para fora e outra que olha de fora para dentro.
Esta ideia ressoa com a teoria de Lacan, que sugere que a imagem no espelho serve como um outro com quem o sujeito se identifica, formando assim a base para o seu senso de self.
Ao ler Pequenos Contos no Espelho, os leitores são convidados a mergulhar em um mundo onde o espelho serve como um portal para o subconsciente, onde as narrativas suspensas revelam as complexidades da psique humana.
Conclusão
Cada conto é uma peça do quebra-cabeça que compõe o eu, refletindo não apenas a individualidade dos personagens, mas também a universalidade da experiência humana, desafiando o leitor a ver além da imagem refletida, a reconhecer as camadas de significado que se escondem por trás da aparência.
A intersecção dessas três perspectivas – a literária, a psicanalítica e a filosófica – oferece um espaço rico para o diálogo e a descoberta. Ao considerar Pequenos Contos no Espelho ao lado de O Espelho e do Estágio do Espelho de Lacan, o leitor pode começar a entender como a literatura reflete e informa nossa compreensão da psique humana.
Cada história, cada teoria, é um convite para olhar no espelho e ver algo mais do que a superfície, para explorar as profundezas do que significa ser humano.
Artigo escrito por Julieta. Analista em formação. Graduada em Arquitetura e Urbanismo/UFRJ. Pós-graduada em Análise e Avaliação de Projetos/FGV. Formada em Gemologia e CAD/CAM pelo GIA-Gemological Institute of America, com diversos cursos nacionais e internacionais na área da Joalheria. Designer de joias no Julie Joias Brasileiras Atelier. Escritora, professora de História da Joalheria e de Gemologia. Livro: Pequenos Contos no Espelho, disponível na Amazon https://encurtador.com.br/
One thought on “A Correlação Entre O Espelho de Machado de Assis, O Estágio do Espelho de Lacan e Pequenos Contos no Espelho”
Uma conexão muito interessante entre perspectivas sobre o “espelho”. O estágio do espelho é a fase do desenvolvimento que mais me gera curiosidade. Parabéns pela reflexão e pelo livro.