Havia uma pedra no meio do caminho (ou tinha uma pedra no meio do caminho) é a forma como nos lembramos do poema No Meio do Caminho, um dos poemas mais conhecidos do escritor brasileiro Carlos Drummond de Andrade.
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) foi um dos mais importantes poetas brasileiros do século XX. Ele foi um dos principais expoentes do Modernismo brasileiro, movimento que buscava renovar a literatura brasileira, rompendo com as formas tradicionais.
Drummond é conhecido por seu estilo simples e direto, mas também por sua profundidade e sensibilidade. Seus poemas abordam temas como a vida, a morte, o amor, a solidão e a sociedade.
O poema “No Meio do Caminho” é uma das obras mais conhecidas de Drummond. Ele foi publicado pela primeira vez em 1928 e rapidamente se tornou um clássico da literatura brasileira.
Esses versos ficaram tão famosos que até os dias de hoje há muitas análises sobre o assunto, apesar da aparente simplicidade deste texto poético. Então, confira o nosso post para saber mais!
Poema pedra no caminho de Drummond
Para entender melhor este texto de Drummond, vamos primeiro conferir na integra o poema.
No Meio do Caminho
Autor: Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987)
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
O significado de havia uma pedra no meio do caminho
O texto de Drummond usa o verbo “ter” neste sentido de “haver”. Entendemos que isso gere uma linguagem mais coloquial e oral, importante para o sentido criado pelo poema. Assim começa o poema:
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Veja que a pedra está ali, tanto na “ida” quanto na “volta” por este caminho. A pedra aparece também no meio de um verso e o outro: a forma textual reforça o conteúdo do poema, que também fala sobre uma “pedra no meio do caminho”.
Normalmente, o verbo ter é usado para designar uma relação entre possuidor e possuído: “eu tenho uma caneta”. Entretanto, aqui foi empregado no sentido de “haver” ou “existir”.
Na verdade, a poesia é o universo dos sentidos sobrepostos, não necessariamente sentidos excludentes. Assim, podemos entender o verbo “ter”:
- no sentido de haver ou existir: no meio do caminho havia uma pedra;
- e, também, no sentido de possuir: o meio do caminho possuía uma pedra.
Embora o verbo haver no sentido de existir seja impessoal, o segundo sentido (de possuir) também deixa tudo muito impessoal. O meio do caminho tem: como se ninguém fosse responsável por colocar a pedra ali. A pedra ter sido colocada ali teria sido um ato inconsciente?
O que esta pedra simboliza?
Em rápida síntese, entende-se essa pedra como uma metáfora de tudo que represente entraves em nossa vida. Pedras estas de natureza social/política, relacional/familiar e (principalmente) pessoal.
Pelo lado da psique humana, esta pedra poderia ser entendida como as resistências, as defesas e as forças inconscientes que atuam contra o nosso desejo racional.
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Porém, a remoção desta pedra não seria simples: o reforço (pela repetição) que faz o poeta é também uma informação da “força da gravidade” (gravidade tanto no sentido das leis da física, quanto a gravidade no sentido imaterial de “grave”, relevante) que fortemente mantém esta pedra naquele lugar.
Relação com o inconsciente
O inconsciente também exerce esta gravidade: tornando um objeto em um afeto grave, por meio da repetição. Uma repetição que é sutil e que não nos damos conta, como as tantas pedras que nunca reparamos pelo caminho (e que só o poeta soube reparar, que só o poeta soube dar a ela a solenidade e dignidade de uma poesia).
Como Drummond, seria preciso primeiro reconhecer a existência desta pedra. Então,
- esta pedra como dor ou impedimento
- é também uma pedra que se mostra como oportunidade de aprendermos mais sobre o mundo e sobre nós mesmos.
“Caminho” e “pedra” não têm valor absoluto. Só é possível lhes atribuir valores relativos, isto é, da interação que um cria em relação ao outro.
Veja, então, que entender a pedra como sinônimo de morte e o caminho como sinônimo de vida seria uma solução muito simplista. Afinal, podemos também compreender:
- O caminho como o fluxo, a normalidade, uma tendência a zero, como é a pulsão de morte (isto é, nosso anseio pelo não sofrimento);
- E a pedra como uma interrupção a este fluxo, uma tendência a um, uma resistência (no sentido da física e da eletricidade), como é a pulsão de vida (isto é, nosso anseio por acontecimentos).
O que devemos fazer com esta pedra?
Devemos então “elogiar” a presença desta pedra em nosso caminho? Talvez sim, dentro de um limite, sem nos apegarmos demais a esta pedra. Pois será preciso também um grau de energia (física, psíquica) para removê-la daí, para retirá-la do caminho de nosso afeto e apego.
E o que faremos depois de removermos esta pedra, se o conseguirmos? Talvez no caminho colocaremos objetos novos, ou talvez pedras novas.
De maneira mais superficial essa pedra no caminho, tão citada nos versos acima, aborda os obstáculos que todos nós encontramos na nossa vida. Essas pedras descritas por Carlos Drummond podem estar relacionadas com os problemas que as pessoas encontram em suas vidas sociais, políticas e pessoais. Aliás, esse caminho mencionado faz alusão ao ciclo da nossa existência.
Afinal, o que é a vida se não um grande caminho que devemos percorrer? Sendo assim, estamos todos suscetíveis a encontrar essas pedras. Além disso, esses problemas podem impedir a nossa caminhada na estrada da vida.
Os versos “nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas” passam uma sensação de cansaço e fadiga. Afinal, os problemas tendem a causar esses sentimentos em todas as pessoas. Já que sempre tentamos solucionar as questões que vêm em nossa direção, mas acabamos encontrando outros empecilhos.
Além disso, podemos concluir que essas pedras mencionadas indicam um acontecimento bastante relevante, que pode marcar a nossa vida. Ressalte-se a competência do poeta de criar uma atmosfera de solenidade ao que seria trivial. Esta solenidade não é vazia: ela mostra que há saber e beleza nas pequenas coisas.
E mostra que tirar as coisas do não-reconhecido (não-texto) para o reconhecido (texto) é um processo similar em psicologia a entender como consciente algo que antes era do domínio inconsciente.
Havia uma pedra no meio do caminho: um possível significado para Carlos Drummond
Assim como qualquer outra obra, seja literária ou não, é muito comum os apreciadores teorizarem o significado dessa produção na vida do autor. Então, o poema “No Meio do Caminho” não poderia ser diferente.
Como sabemos, o escritor desses lindos e simples versos é Carlos Drummond de Andrade. Só para contextualizar você da biografia dele, o autor era mineiro, nascido Ibira, mas passou parte da sua vida na cidade do Rio de Janeiro.
Ele foi um dos principais poetas da segunda geração do modernismo brasileiro, mas as suas obras não se restringem a esse único movimento.
Existe uma teoria de que a obra “No Meio do Caminho” faz referência à própria biografia de seu autor. Na vida pessoal, Drummond se casou em 26 de fevereiro de 1926 com a sua amada Dolores Dutra de Morais.
Saiba mais…
Após um ano de casamento, eles tiveram o primeiro filho. Contudo, o primogênito deles sobreviveu apenas por 30 minutos, marcando assim uma grande tragédia na vida do casal. Nesse período de sofrimento, foi solicitado ao autor um poema para o primeiro número da Revista de Antropofagia.
Carlos Drummond estava muito imerso nessa tragédia pessoal. No meio desse contexto, ele produziu os versos “No Meio do Caminho”. Em 1928, quando a revista foi publicada já com o poema do autor, o seu trabalho poético ganhou destaque.
Outra questão levantada pelo teórico Gilberto Mendonça é que a palavra “pedra” tem a mesma quantidade de letras do termo perda. Esse tipo de fenômeno é caracterizado como hipértese, uma figura de linguagem.
Logo, o poema serve como uma espécie de túmulo para o filho de Drummond é uma maneira que ele escolheu processar essa tristeza pessoal.
Poema “No Meio do Caminho” como oposição ao parnasianismo
O poema de Carlos Drummond dialoga com um trabalho do parnasiano Olavo Bilac (1865-1918): o soneto “Nel mezzo del camin…”. Ambos utilizam o recurso da repetição, contudo, Bilac usa uma estética mais elaborada, com o uso de uma estrutura muito calculada e de uma linguagem enfeitada.
Por isso, os versos criados por Drummond são como uma forma de deboche à poesia parnasiana. Afinal, o modernista utiliza uma linguagem do dia a dia e simples, por meio de uma estrutura sem musicalidade e sem presença de rimas.
O principal objetivo dele era de elaborar uma poesia que fosse mais pura e voltada para a essência.
Saiba mais…
Nesse contexto, muitos teóricos acreditam que essa pedra citada por Drummond fossem os parnasianos. Já que os adeptos a esse estilo o impediam de desenvolver uma arte inovadora, mas que fosse acessível a todos.
Vale ressaltar que tanto Olavo Bilac quanto Carlos Drummond elaboraram os seus poemas tendo como inspiração uma das principais obras de Dante Alighieri (1265-1321). Na obra do italiano, “Divina Comédia” (1317), especificamente em um dos versos do canto I, está presente a frase “No meio do caminho”.
A publicação do poema de Drummond
Como já mencionamos, o poema “No Meio do Caminho” foi publicado de forma inédita na Revista de Antropofagia na edição número 3. A publicação ocorreu em julho de 1928, sob comando de Oswald de Andrade. Aliás, após a divulgação do poema, ele recebeu muitas críticas duras.
As críticas giravam em torno da redundância e repetição usada pelo autor. Para se ter uma ideia, a expressão “tinha uma pedra” é utilizada em 7 dos 10 versos do poema. Dois anos depois da publicação na revista, “No Meio do Caminho” integrou o livro “Alguma Poesia”.
A obra foi a primeira publicação do poeta que, assim como o poema, possui uma linguagem simples, do dia a dia. Aliás, tem um discurso bastante acessível e despojado.
Saiba mais…
Depois de publicado, os versos de “No Meio do Caminho” receberam críticas pela sua simplicidade e sua repetição. Contudo, conforme o tempo foi passando, o poema começou a ser compreendido pela crítica e pelo público.
Nos dias de hoje, o poema é uma das principais obras de Carlos Drummond de Andrade e qualquer pessoa já escutou ou leu pelo menos ouviu uma vez. Para alguns críticos, “No Meio do Caminho” é o produto de um gênio, entretanto, para outros, é descrito como monótono e sem sentido.
Assim como os versos elaborados por Drummond, essas críticas são pedras no meio do seu caminho.
Considerações finais: havia uma pedra no meio do caminho
O poema “No Meio do Caminho” é uma obra complexa e rica em significados. Podemos interpretá-lo de várias maneiras, mas ele sempre nos convida a refletir sobre os obstáculos que encontramos na vida.
A pedra no meio do caminho pode representar qualquer tipo de obstáculo, seja ele físico, emocional ou espiritual. Pode ser uma perda, um desafio, uma dificuldade ou mesmo um simples aborrecimento.
O poema nos ensina que, mesmo diante dos obstáculos, devemos seguir em frente. Devemos reconhecer a presença da pedra, mas não devemos permitir que ela nos impeça de alcançar nossos objetivos.
Este texto sobre a citação de Drummond “tinha uma pedra no meio do caminho” foi escrito pela equipe de redatores do projeto Psicanálise Clínica e revisto e ampliado por Paulo Vieira, gestor de conteúdos do Curso de Formação em Psicanálise Clínica.
7 thoughts on “Havia uma pedra no meio do caminho: significado em Drummond”
Muito feliz por ter usado esse poema para consolar uma amiga em luto.Citei -o como forma de mostrar-lhe que a “pedra” sempre existirá em nossas vidas representando qualquer dificuldade. Esse é o meu pensamento e agora vejo que eu estou certa. Já passei por muitos caminhos nos quais haviam pedras
Faltou uma análise no que se refere a espiritualidade da vida humana. Existe uma sede de relacionamento entre o ser humano (a criatura) e DEUS (o seu Criador). Porém, há uma “pedra” no caminho entre ambos que se chama “pecado”. E foi sobre esse obces que JESUS CRISTO veio tratar(João 11:30-40).
Legal
Um bom artigo. Parabéns! O desenvolvimento do texto foi esclarecendo a nós leitores que todos temos pedras no caminhos. Que elas podem está no inicio, meio ou no fim do caminho. Elas são inevitáveis!
Impossível não termos pedras no meio do NOSSO caminho, as vezes conseguimos remover uma destas pedras mas outras aparecerão com certeza…sao pedras DIVINAS que aparecem em nosso caminho para que possamos ultraoassa-las, remove-las…assime o nosso destino. Muitas dessas pedras nos trazem aprendizado, pois este, geralmente conseguimos com sofrimentos e dores…tudo que se ontem facilmente, não é dado o valor digno.
Amém a este poeta Carlos Drumond de Andrade.
Meu nome: Agnaldo T. Mendes
E mail agnaldotmendes@ Hotmail.com
Em tempo: já me deparei muitas vezes, com pedras no meu caminho, de vários tamanhos, com algumas aprendi a sofrer, com outras aprendi a aceitar a vida como Deus a me concedeu e outras, depois de removidas, trouxe passe alegria ao meu coração!!!
Excelente análise.
Na verdade eu sempre soube que esse poema nasceu por causa de uma professora de Drumond que o reprovava em uma dusciplina, repetidamente e a pedra a que ele se referia era a própria professora.
E sendo assim a pedra vem substituir a palavra perseguição.
Gostaria que isso fosse investigado com afinco.