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Sobre o bullying: considerações psicanalíticas

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O bullying é uma palavra de origem inglesa que traduz um comportamento agressivo repetitivo cometido por crianças e adolescentes, geralmente no ambiente escolar, direcionado a outras crianças e adolescentes consideradas inadequadas para compor o grupo. Por terem características “diferentes” as vítimas são vistas como inferiores, e submetidas a humilhações e ao isolamento.

Bullying é uma expressão em língua inglesa, usada para descrever:

  • atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetitivos,
  • praticados por uma pessoa ou grupo contra indivíduos mais vulneráveis.

Esses atos podem ocorrer em diversos contextos: escolas, locais de trabalho, vizinhanças e ambientes virtuais. Nosso foco aqui será abordar o bullying entre crianças e adolescentes.

A palavra tem sua origem no inglês “bully”, cujo significado é “valentão” ou “tirano”. O verbo “to bully” é traduzido como “intimidar” ou “maltratar”. A palavra foi ganhando o sentido atual nos anos 1970, com os estudos sobre comportamento agressivo entre crianças e adolescentes. No Brasil, o termo ganhou evidência a partir dos anos 2000, pela relevância que passsou a ter na mídia, nas escolas e estudos acadêmicos.

Entendendo o bullying

Embora para muitos possa ainda ser visto como uma espécie de “brincadeira”, traduz em verdade um comportamento agressivo sistemático, perseguidor, semelhante ao assédio moral que acontece entre adultos no ambiente de trabalho. Ocorre que, em comparação com o assédio moral o bullying é ainda mais pernicioso, pois afeta pessoas em desenvolvimento físico e psíquico, com um ego que não se fortaleceu a ponto de compreender e superar os ataques.

Por tal motivo, os efeitos do bullying podem ser nefastos no psicológico das crianças e adolescentes, levando a insegurança, baixa auto estima, depressão, síndrome do pânico, transtornos de ansiedade e alimentares, entre outros, e até mesmo ao suicídio. Apesar de não ser um problema novo, os debates sobre o bullying remontam às últimas duas décadas. Recentemente, inclusive, o tema foi bem retratado no seriado americano “13 Reasons Why“, que gira em torno do suicídio da estudante Hannah Baker, vítima de bullying que não obteve ajuda da escola.

Nos EUA, o comportamento das crianças e adolescentes tem atraído a profunda atenção dos especialistas nos últimos anos, devido aos diversos episódios de massacres cometidos nas escolas. Engana-se, porém, quem pensa que esse horror é exclusividade da terra do tio Sam, porque o brasileiro seria um povo amoroso e pacífico.

Um episódio

Embora de menor proporção e destaque, também temos vivenciado episódios de massacres em escolas (https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2021/05/04/brasil-teve-8-ataques-em-escolas-nos-ultimos-10-anos-veja-os-casos.htm), e na tarde de 13/06/2022 uma adolescente de 13 anos foi encontrada morta com indícios de suicídio dentro do banheiro de um dos colégios particulares mais caros de São Paulo.

De acordo com informações obtidas pela imprensa, a jovem era constantemente vítima de bullying por parte dos colegas. (https://tvibrasil.com/2022/06/17/exclusivo-apos-morte-de-menina-de-13-anos-ex-estudades-falam-sobre-experiencia-no-colegio-visconde-de-porto-seguro/).

Passando às ponderações psicológicas e psicanalíticas pertinentes, tanto a psicologia genética de Henri Wallon como a psicanálise por Freud e Lacan sustentam que a consciência de si e a formação do eu são elaborados em estreita dependência e correlação com o outro, a partir da comparação e do reconhecimento por esse outro.

O inconsciente da criança

Entender a importância da validação externa pela família e pelo corpo social para a formação do ego permite compreender os prejuízos causados pelo bullying às vítimas. Em 1931, Wallon chamou de “prova de espelho” a uma experiência pela qual o bebê entre os 6 e os 18 meses colocado diante de um espelho passa a reconhecer na imagem refletida o seu próprio corpo. Em 1936, Lacan faz uma releitura da tese e passa a chamá-la de “estádio do espelho”, colocando-o como um processo inconsciente da criança, ao contrário de Wallon.

É a partir de então que a criança se percebe como indivíduo, com um corpo próprio e separado da mãe. Entendendo-se como sujeito único, a criança vai formando a sua auto imagem dia após dia através do outro, inicialmente pela mãe e pelo pai, razão pela qual fala-se que a estruturação do eu ocorre a partir do não-eu. Um exemplo prático da influência externa sobre a percepção de si para a criança é o do cantor Tony Melendez, que nasceu sem os braços porque sua mãe no início da gestação foi orientada pelo médico a tomar Thalidomida.

Relata que percebia a ausência dos membros quando comparava seu corpo com os dos pais e irmãos, mas que essa diferença era tratada naturalmente, não de forma negativa. Infelizmente isso mudou quando chegou na idade escolar, e começou a sofrer bullying de outras crianças. Era apontado como “o menino sem os braços” por estudantes que dele caçoavam e o ofendiam. Enfrentou dificuldade para fazer amigos e também para arrumar uma namorada.

Bullying e o comportamento da vítima

Felizmente Tony não deixou que sua limitação física o desanimasse pois sua mãe, irmãos e o pai, que era músico, o incentivaram a tocar violão, o que aprendeu a fazer habilidosamente com os pés. Interessante analisar também a personalidade do agressor, que pode se enquadrar em algumas possibilidades. Pode ser o caso diagnosticável como psicopatia (ou perversão para a psicanálise), no qual a pessoa pensa ser superior, não tem sentimentos de culpa e chega a sentir prazer ao agredir o outro.

Também pode ser o caso de uma criança ou adolescente criado em um ambiente familiar onde a violência é o comportamento padrão e normalizado. Por diversas razões, a vítima pode em algum momento torna-se o agressor. Além disso, a auto estima baixa também pode levar algumas pessoas a inferiorizarem outras como forma de autoafirmação, para se sentirem bem.

Somado a todo o exposto, vivemos em uma sociedade competitiva e egoísta, que impõe padrões tidos como ideais, com dificuldades de respeitar e bem conviver com as diferenças. Assim como a validação tem importância principalmente na infância e na adolescência, o autoconhecimento através da análise permite que a opinião e o julgamento do outro passe a importar cada vez menos para o reconhecimento que a pessoa tem de si, sobre o seu valor, defeitos e qualidades.

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    Conclusão: sobre o bullying

    Como pessoas em desenvolvimento as crianças e adolescentes merecem especial atenção por parte dos cuidadores (pais/responsáveis) e educadores. Os pais devem observar o comportamento dos filhos a fim de detectar se esses podem estar sofrendo ou fazendo bullying, orientando-os sobre a situação, informando a escola, e buscando ajuda de profissionais capacitados.

    As escolas também devem estar atentas de modo a prevenir o bullying entre os alunos, pelo treinamento de professores e debate nas salas de aula. É fundamental, ainda, que proporcionem suporte psicológico aos alunos, onde esses possam ser ouvidos, e terem suas queixas investigadas e resolvidas.

    Bibliografia

    Blog Psicanálise Clínica. O estádio do espelho: definição para Lacan, consultado em jul/2022.

    Lacan, J. (1998b). O estádio do espelho como formador da função do eu. In J. Lacan, Escritos (pp.96-103). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.

    http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X1997000300009

    https://novaescola.org.br/conteudo/4876/bullying-suicidio-e-omissao-na-escola

    https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/bullying.htm

    Fundamentos da técnica psicanalítica: uma abordagem lacaniana para praticantes / Bruce Fink; tradução de Carolina Luchetta, Beatriz Aratangy Berger – São Paulo: Blucher, 2017.

    Bate-se numa criança: contribuição ao conhecimento da origem das perversões sexuais; fantasias de surra e devaneios / Sigmund Freud, Anna Freud; tradução de Kristina Michahelles, Vera ribeiro; revisão técnica Marco antônio coutinho Jorge, Felipe Castelo Branco – 1. ed. – Ro de Janeiro: Zahar, 2020.

    Sobre a psicopatologia da vida cotidiana / Sigmund Freud; tradução Lúcia Lopes. São Paulo: Lafonte, 2014.

    Este artigo sobre o bullying foi escrito por Maria Luiza Garcia (instagram: malu.garcia.7), servidora pública, formada em Direito e psicanalista.

    One thought on “Sobre o bullying: considerações psicanalíticas

    1. Mizael Carvalho disse:

      Verdade! Por causa da baixa autoestima e também a falta do autoconhecimento as pessoas não suportam os ataques de bullying. Muito bom artigo!

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