Hoje em dia é comum ouvir falar em crenças limitantes. As redes sociais estão repletas de postagens redigidas (escritas) ou gravadas (vídeos) por psicanalistas, psicólogos, practitioners de PNL (Programação Neurolinguística), hipnoterapeutas, terapeutas holísticos, professores de meditação, gurus e influencers, ou mesmo, pessoas comuns, isto é, leigos que acham bonito, ou até “chique” falar sobre essa temática. Está na moda, trata-se de um assunto importante, evidentemente, mas…o que seriam, afinal, as tais crenças limitantes? E principalmente, como elas surgem e a quais mecanismos obedecem?
A resposta mais simplória e, ainda assim, correta, é: crenças, isto é, convicções que nos limitam, ou seja, que reduzem o nosso alcance em termos de desenvolvimento humano. Surge logo outra questão: o que seria uma crença?
Entendendo as Crenças Limitantes
De acordo com o Dicionário Michaelis (online), crença tem diversos significados, que vão do ato de crer em alguma coisa, passando por alguma ideia religiosa partilhada por muitas pessoas (que por sua vez representa uma fé, ou credo), e ainda, certeza ou convicção, se tratando de algo em que se acredita e se tem por verdadeiro; a convicção sobre a veracidade de alguma afirmação, ou sobre a realidade de alguma coisa ou ser, mesmo sem se ter provas, e outras variantes das explanações acima. Sim, uma crença é algo em que se crê. Até aí, a questão é aparentemente simples. Em realidade, porém, mesmo sem considerarmos a expressão “crença limitante”, o substantivo “crença”, quando devidamente ponderado e aprofundado, leva para o âmago de sutis e importantes distinções de molde cultural que, de fato, representam a essência antropológica, a maneira de enxergar o mundo, a vida e o ser humano, enfim, a peculiaridade dos povos que habitam esse planeta.
Conforme os ditames da teoria antropológica, a base da cultura é representada pela língua, enquanto sistema simbólico que viabiliza as demais manifestações de determinada cultura. No entanto, as crenças, notadamente, fazem parte dos sistemas de representação, através dos quais, a própria língua adquire sua complexidade em termos de simbolização. O objetivo desse artigo não é adentrar as questões antropológicas e etnográficas, sem embargo, mesmo partindo de uma perspectiva psicanalítica – e lembremos, a psicanálise, maior ciência da subjetividade humana (segundo o meu professor, e agora colega, Pedro Sá/IBPC), dialoga com as demais áreas do saber e, principalmente, com área quais a antropologia cultural e a sua (sub?)modalidade chamada de etnografia.
Porém, em um dos mais renomados dicionários de Psicanálise, aquele redigido por Elisabeth Roudinesco e Michel Plon, a palavra “crença”, além da questão espiritual e religiosa (ligada à fé) remete para as contribuições de diversos antropólogos, entre os quais a famosa culturalista Margaret Mead. Roudinesco e Plon contrapõem a antropólogos “de campo”, quais Mead e Malinowski, antropólogos “de gabinete”, ou melhor, “clínicos da antropologia” como é o caso de Abram Kardiner, etnólogo e psicanalista que teve o privilégio de se formar com Sigmund Freud, em Viena, entre 1921 e 1922, de onde surgiu o texto “Minha análise com Freud”.
Crenças Limitantes e instituições primárias
De acordo com Roudinesco e Plon, Kardiner distingue entre instituições primárias, como é o caso dos sistemas de educação (formal, quer dizer, escolar), e secundárias, que justamente, remetem para os sistemas de crenças. Esta breve pincelada de fundo antropológico é necessária para evidenciar a abrangência, em termos de significação, do termo “crença”. É interessante observar que, até mesmo na nossa sociedade, a qual suposta e pretensamente se autoproclama avançada, moderna, evoluída, existem inúmeras crenças. Uma dela, sutil e implicitamente, faz com que – para permanecermos (com Abram Kardiner) em tema de sistemas de educação – a escola produz seres desequilibrados.
Explico de forma resumida: o sistema escolar considera o ser humano como um cérebro (racional/analítico/crítico/julgador) a ser inflado e hipertrofiado via estimulação progressiva, crescente, dos anos iniciais do infantil até ao terceiro ano do ensino médio e, possivelmente, durante graduação, especialização, mestrado e doutorado. O corpo, tão cultuado em nossa sociedade, ainda permanece como um apêndice, como um algo a mais, que a escola precisa trabalhar de forma superficial, por meio de uma ou duas horas de “educação física” por semana. E o resto? Ou, por ventura, o ser humano se resume à parte racional e intelectual do cérebro – hiperestimulada até se tornar acelerada e gerar, assim, inquietude e perturbações psíquicas – e a um corpo a ser treinado aquelas duas horinhas por semana? A resposta é dada, em parte, pelas maiores corporações e organizações do mundo, as quais empregam dezenas ou centenas de milhares de funcionários (cada).
Essas grandes empresas valorizam sempre mais a chamada “inteligência emocional”. Como assim? Segundo aquilo que aprendemos na escola, a inteligência seria meramente racional. Há muito tempo, fala-se em Q.I., o qual, além da pessoa responsável por indicar determinado candidato a uma vaga (no caso do “jeitinho brasileiro”, e não só brasileiro…), trata-se do chamado “quociente de inteligência”. Porém, as maiores corporações do mundo, atualmente, não estão apenas interessadas em pessoas superdotadas em termos cognitivos, e sim, procuram pessoas capazes de…lidar com suas próprias emoções. Emoções? O que é que a escola faz nesse sentido? Basicamente, nada. Algumas raras instituições escolares estão começando a investir, mais ou menos timidamente, nessa parte, mas tratam-se de exceções e, coincidência ou não, são escolas de elite, com mensalidades próximas do salário mínimo. Ainda assim: “Eppur si muove!”, diria Galileo Galilei.
O sistema educacional
Algo começa a mudar, apesar das convicções dos gestores do sistema educacional. Todavia, se a educação emocional começa a engatinhar, pelo menos nas escolas particulares mais caras das cidades brasileiras, a escola ainda desconsidera completamente outra dimensão humana: aquela espiritual. Segundo o viés holístico, o ser humano é composto por quatro camadas, a saber: corpo, intelecto, emoção e espírito. Mesmo sem querer entrar na questão religiosa, percebe-se que a espiritualidade é uma componente fundamental e, do ponto de vista terapêutico, é comum perceber como inúmeros transtornos e perturbações sejam oriundos da distância que separa o ser mais profundo daquele mais superficial.
Em miúdos: maior a distância entre as referidas camadas, maior a inquietude, ansiedade, depressão, tédio, e toda aquela inútil e prejudicial corrida voltada para a compensação do vazio existencial através dos vícios mais diversos (sexo, drogas, álcool, compras, maratonas de séries, jogos, redes sociais, sites de relacionamento…), os quais, por sua vez, produzem novas e inquietantes perturbações, obsessões e compulsões as mais variadas. Espiritualidade, pelo menos nesse contexto, pode ser descrita como o contato do ser humano com a própria camada mais profunda, é a integração do ser, a harmonização da fachada com a essência, é a volta para si, é o encontro com a alma e, dentro da literatura psicanalítica, percebe-se que até mesmo o ateu Sigmund Freud (será que era mesmo?) tratou do “anímico” (onde anima, em italiano, significa alma), em inúmeras ocasiões.
Entende-se, portanto (e fico por aqui) que até mesmo na nossa sociedade tão avançada, há crenças que, até no âmbito da educação formal, prejudicam, limitam e reduzem o efetivo desenvolvimento do ser humano. E não será uma hora por semana (facultativa) de ensino religioso a preencher essa lacuna. Já citei em outros artigos, mas não canso de contemplar e meditar sobre essa poderosa frase lacaniana: “penso onde não sou, logo existo onde não penso”. O cérebro humano é uma máquina fantástica, a partir da qual, por sinal, o homem criou o computador que, por sua vez, está revolucionando a vida do ser humano. Porém, nossa mente racional é a máquina, o processador, é uma ferramenta que precisamos usar (na medida certa, sem hiperestimulação), e não sermos utilizados por ela, pois isso nos faz adoecer.
Crenças Limitantes e Lacan
Somos espírito, emoções, um corpo, e temos uma ferramenta que nos serve para pensar, criar, contar, analisar, enfim, Jaques Lacan estava perfeitamente correto e, serei arrogante, mas por que reter esse insight só para mim e os meus botões? Tanto se fala na complexidade dos escritos lacanianos (não só dos Écrits, mas dos escritos de uma forma geral), mas, considerando a famosa frase que acabei de citar, além de outros pormenores, por acaso não será que Lacan, profundo conhecedor da mente e da alma humana, mas também, dos tais “intelectuais”, fazia questão de confundir aqueles que, vangloriando-se de seu Q.I. acima da média, desconheciam as camadas mais profundas e importantes de seu próprio ser (a saber: aquela emocional e a espiritual)?
Meu insight, enfim, me revelou que Lacan se divertia em ludibriar com suas teorizações de fundo linguístico e estruturalista, aqueles sujeitos hipermentais e, logo, desequilibrados, obcecados pela que, com Clifford Geertz, poder-se-ia chamar de “descoberta do continente dos significados”, descoberta meramente intelectual e, logo, parcial, distorcida. Meu insight afirma (sorrindo): “Lacan gostava de tirar onda!”. Porque até mesmo a mente racional mais hipertrofiada…entende até um certo ponto, justamente, por desconsiderar o corporal, o emocional, o espiritual. Resumindo: a educação formal está sendo orientada por uma crença, e essa crença, de fato, limita o ser humano em seu desenvolvimento holístico. Dito isso, podemos proceder e abordar a questão da crença limitante. O que seria, afinal?
Permaneçamos no âmbito da definição mais simples, listada acima, a partir do Dicionário Michaelis. Crença enquanto convicção. Quando uma pessoa afirma: “eu nunca vou conseguir fazer isso”, ou “os homens são todos iguais”, ou “só encontro mulheres que não prestam”, ou “não mereço o amor de ninguém”, ou “eu sempre chego atrasado em todo canto”, apenas para exemplificar, tratam-se de crenças, ou seja, de convicções que limitam o desenvolvimento pessoal. Inadequação, sentimento de incapacidade, de não-merecimento, de inferioridade, são crenças limitantes e elas atrapalham a vida das pessoas. Mas, de onde surgem tais crenças? Há três fatores que geram as crenças limitantes: 1. traumas ou situações de forte impacto emocional; 2. repetição; 3. Um superego inflado e opressor.
Crenças Limitantes e redes sociais
Voltando às referidas postagens nas redes sociais, e presentes até mesmo em cursos e formações em Hipnose Clínica ou PNL, a tendência é considerar apenas o primeiro fator. Porquanto ele seja, de fato, significativo, não esgota o assunto. Sim, a origem das crenças limitantes pode se encontrar em momentos traumáticos, principalmente aqueles vivenciados na primeira infância, já que, com Freud, a personalidade se forma principalmente até os sete anos de idade e, o que acontece depois, é um reflexo daquele período inicial de nossa existência. Contudo, pode acontecer que, mesmo em fases sucessivas, um evento embaraçoso, constrangedor, através de uma forte emoção (raiva, tristeza…) tenha provocado um sentimento de frustração, vergonha e fracasso, e a consequente inibição, no que diz respeito à prática de alguma atividade, como pode ocorrer no âmbito da dança, apenas para exemplificar.
Digamos que um jovem rapaz, durante uma noite de gala, acaba pisando no vestido da donzela com a qual está dançando uma valsa. O resultado é que o vestido da garota acaba sendo rasgado, isso suscita o ódio da menina (amada, em segredo, pelo garoto) e a perplexidade dos pais dela. A menina foge chorando, a música para de tocar. O silêncio é rompido pelas gargalhadas da plateia como um todo. Se acendem as luzes. E ele lá, no meio da pista, sozinho. Por baixo do pé, o fragmento do vestido da jovem amada. As consequências de uma tal situação, facilmente, levarão o garoto a evitar a dança de uma forma geral, devido à convicção, sustentada pelo trauma emocional, de que ele é incapaz de conduzir uma mulher em um baile.
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Trata-se de um exemplo que representa uma situação extrema, mas verossímil. Inclusive, outras crenças limitantes e um sentimento generalizado de inadequação poderão acompanhar o jovem por toda a vida dele, caso o mesmo não procure um atendimento psicoterápico (Psicanálise, Hipnose clínica, PNL…). No contexto da práxis psicanalítica, verifica-se que os pacientes tendem a procurar o analista relatando supostos sintomas que, em realidade, representam apenas reverberações de uma causa-raiz que, notadamente, é oriunda de um momento da pré-história da vida psíquica (primeira infância).
O emocional e traumas
Logo, quando se fala no “emocional”, é preciso ter cuidado para não confundir certos sintomas (efeitos) com a raiz psicopatogênica (causa), e isso pode acontecer também com as crenças limitantes. Em outras palavras, a crença limitante pode ser advinda de um trauma emocional mais antigo daquele ao qual se tende a atribuir a sua origem. É como dizer que a pessoa, em determinada situação, volta ao mesmo estado emocional no qual ela se encontrava quando ocorreu o evento traumático. Porém, trata-se, agora, de uma reverberação, e não da causa-raiz. Notadamente, a Hipnose clínica é uma ferramenta poderosa, eficaz no tratamento de crenças, principalmente quando é associada à Programação Neurolinguística.
Entretanto, a Hipnose atinge a camada pré-consciente do aparelho psíquico, considerando a primeira tópica freudiana (1900). Apesar da maestria com a qual Anna Freud retrata e ensina o ofício da Psicanálise em O ego e os mecanismos de defesa (2006), essa psicanalista peca em superficialidade ao mencionar uma suposta concentração unilateral do terapeuta no ID e ao afirmar que a Hipnose não trabalha com o ego, ou desconsidera essa instância psíquica devido ao fato que, por meio da indução, o ego estaria “entorpecido”. Anna Freud apenas tomou em consideração o estado sonambúlico, sendo que a Hipnose clínica comporta diversos estados mentais, sem considerar as nuanças que existem entre os mesmos.
Ignorando essa variedade de estados mentais, ou de frequência de ondas cerebrais, Anna Freud assim reduz a sua perspectiva sobre a Hipnose: “E acabou por se constatar que o triunfo máximo da técnica hipnótica – a completa eliminação do ego durante o período de investigação – era comprovadamente prejudicial à obtenção de resultados permanentes, sobrevindo por isso a desilusão quanto ao valor dessa técnica” (ANNA FREUD, 2006, p. 16). Apenas para exemplificar, Milton Erikson era um psiquiatra que praticava a Hipnose até mesmo sem recorrer à indução, por meio de metáforas e visualizações, ou meditações guiadas que, por sinal, exigiam do paciente sua participação criativa. Como, então, o ego seria desconsiderado no âmbito da Hipnose clínica?
Crenças Limitantes e a Hipnose Eriksoniana
A abordagem criada por Erikson chama-se, atualmente, de Hipnose Eriksoniana e, permanecendo nessa perspectiva, podemos afirmar que, até mesmo a PNL seria um tipo de hipnoterapia onde, de fato, “ninguém dorme nem cochila”. E seguindo esse mesmo raciocínio, não seria a própria prática da meditação uma forma de autohipnose? Respirar conscientemente, observar os pensamentos sem julgá-los, é uma maneira de adentrar o próprio ser mais profundo e, ao mesmo tempo, de se distanciar da mente racional, a qual tende a dominar as demais, alçando-se a centro de controle, embora, com Lacan, seja possível perceber que ali não reside o verdadeiro eu, já que, lamento insistir: “penso onde não sou, logo existo onde não penso”.
Meditar é tomar consciência dessa existência, desse ser que vai além do “macaco doido” que é a mente racional, que pula de galho em galho, ou seja, de um pensamento para o outro. Hipnose, basicamente, é um estado da mente. É reduzir a frequência das ondas cerebrais, mas isso não significa necessariamente estar dormindo, ou deixar o ego em off. Se na vigília estamos na frequência Beta, ao meditar, ou visualizar via PNL, ou ao aceitarmos sugestões através da Hipnose Eriksoniana, estamos adentrando a frequência Alfa, e assim por diante. Nem toda Hipnose implica adentrar o estado sonambúlico ou, pior, o “coma hipnótico”, à la James Esdaile.
E é preciso sublinhar que o mais importante na Hipnose não é a técnica de indução utilizada, e sim, a aceitação das sugestões, de onde a relevância da conexão, confiança e empatia entre paciente e terapeuta. Voltando às crenças limitantes, a Hipnose é, sem dúvida, uma ferramenta poderosa e eficaz, em determinadas situações. Porém, é oportuno ponderar e discernir, mais uma vez, pois há uma diferença substancial entre sintoma e causa etiológica. Se a crença limitante for gerada por um trauma emocional, apontado de maneira plausível pelo paciente, então a Hipnose, ou até mesmo uma boa PNL, pode solucionar o problema.
Trauma emocional e a Psicanálise
Todavia, se porventura se tratar da reverberação de um trauma emocional prévio, infantil, então a Psicanálise pode ser mais eficaz, embora o tratamento seja mais demorado. Assim como é destacado por David Zimerman em seu Manual de Técnica Psicanalítica (2004), a duração do tratamento psicanalítico depende de dois fatores, a saber: a profundidade da psique humana, e a necessidade de o paciente estar pronto, de fato, “para ver ele mesmo”, o que me leva, por “associação dialógica”, a parafrasear a ficção “Matrix”, na qual Morpheus afirma para Neo: “You have to see it for yourself” (Você precisa enxergar isso por você mesmo). O segundo fator que dá origem às crenças limitantes, de alguma maneira, dialoga com o que acabei de descrever acerca da Hipnose.
Como já foi dito, Hipnose é um estado da mente e, infelizmente, as pessoas utilizam da mesma com frequência, sem se dar conta e, pior, recorrem a ela para fixar imagens (ideias, pensamentos, sentimentos…) negativas, através de um loop (laço) autohipnótico. Trocando em miúdos, essa segunda maneira de criar e fomentar crenças limitantes ocorre por repetição. É dessa forma que as crenças ficam incrustadas na camada pré-consciente, ou sistema límbico que se queira – assim como o tártaro nos dentes, e o hipnoterapeuta age como um dentista que vem a se deparar com a limpeza, ou remoção, da referida incrustação.
No caso da hipnose clínica, o que acontece é a substituição do “programa” que contém as crenças limitantes e que produz a chamada “autosabotagem”, por um novo “programa”, composto por crenças fortalecedoras. Nesse sentido, a comparação odontológica pode ser substituída por uma figura de linguagem, a qual remete para a ciência da computação. Sim, o conteúdo subconsciente (pré-consciente) é como um software (programa), por meio do qual, o sujeito se comporta de maneira prejudicial a ele mesmo. Esse “software” é principalmente de teor emocional, sem embargo, a repetição, seja “intrapsíquica” (principalmente), ou através de asserções pronunciadas para terceiros, cria e fortalece as convicções e, mais uma vez, é preciso destacar que estas são tendencialmente negativas: “eu não consigo”, “eu não posso”, “eu não mereço”.
Autoafirmação, autoconsciência e autorresponsabilidade
Se, com Freud, toda e qualquer perturbação psicopatológica é oriunda de um ego enfraquecido, é facilmente compreensível que, a substituição de algo que atrapalha, atrasa, inibe, reduz e limita o ser humano, por uma programação mental pautada no empoderamento, no sentimento de capacidade, autoafirmação, autoconsciência e autorresponsabilidade, é uma maneira de devolver ao ego seu papel central dentro do aparelho psíquico. Note-se como a repetição e fixação de crenças, ou convicções limitantes, apoia-se em alguns padrões que poder-se-ia denominar de estruturais, como é o caso de generalização e vitimismo, mas também, observa-se a crença na impossibilidade de se reagir, tomando as rédeas da própria vida.
É nesse sentido que falei em padrões estruturais, justamente, devido ao fatalismo implicitamente envolvido, ou seja, a crença em alguma instância supraindividual coercitiva que, inconscientemente, sustenta a situação negativa, sem que o sujeito possa, de fato, reverter a situação. Considerando o caso acima mencionado, do garoto que, em uma valsa. pisa no pé da garota amada, darei agora outro exemplo, desta vez biográfico, real, específico e que, inclusive, já foi representado no cinema, através de um filme, Bird (1988), muito bem dirigido por Clint Eastwood e igualmente bem interpretado por Forest Whitaker. Trata-se de um momento da vida de Charlie (“Bird”) Parker, um dos maiores ícones da música Jazz.
A primeira exibição de Bird foi um completo fracasso: o jovem Charlie Parker errou, ou melhor, tomou demasiadas liberdades, e o baterista Jo Jones, que o acompanhava na jam session, ficou furioso, interrompeu a execução de uma música e, em seguida, pegou um prato da bateria e o jogou no chão, perto dos pés de Parker. O público berrou e Parker saiu completamente desmoralizado e envergonhado. Esse exemplo é significativo a fim de se ressaltar a subjetividade, característica central do pensamento e, principalmente, da teoria psicanalítica. Ou seja, lá onde um sujeito teria ficado completamente inibido, ao ponto de nunca mais ter se apresentado em público como músico, outro indivíduo, como é o caso de “Bird”, reagiu à situação traumática, encontrando nela um motivo de superação.
A relação com a Programação Neurolinguística
Por absurdo, pode-se afirmar que, com grande probabilidade, se o incidente não tivesse ocorrido, Charlie Parker não teria se tornado tão bom em tocar o saxofone. Mas “Bird” considerou a humilhação como uma razão para demonstrar todo o seu valor e, assim, se trancou em sua residência durante meses seguidos, se exercitando constantemente, de dia e de noite, até se tornar, de fato, um dos maiores nomes da história da música, não apenas do Jazz. O trauma emocional, portanto, deu origem a um desafio, e não a uma inibição, como muito provavelmente teria acontecido com outro sujeito. No caso de Charlie Parker, observa-se que a repetição não foi pautada por uma crença limitante, negativa, com base na frustração e no fracasso, e sim, o incidente provocou uma reação, caracterizada e fomentada por uma crença fortalecedora: “eu posso”, “eu consigo”, “agora vou mostrar quem eu sou e o que sou capaz de fazer”.
Normalmente, porém, as pessoas tendem a criar crenças limitantes, quer devido a traumas advindos de situações de forte impacto emocional, quer devido à reiteração (e empoderamento) de pensamentos negativos, os quais, assim como é sustentado pela Programação Neurolinguística – área da psicologia criada por John Grinder e Richard Bundler – por sua vez geram sentimentos, que induzem o sujeito a agir de certa maneira e, assim, a obter determinados resultados. Segundo a PNL, cria-se um círculo, uma cadeia, que obedece à seguinte ordem: pensamento/sentimento/ação/resultado. Até o momento em que o sujeito conseguir mudar seus pensamentos, ou estrutura mental (mindset), os resultados não mudarão, e a pessoa permanecerá reiterando seu comportamento ad infinitum, obtendo sempre o mesmo resultado.
Por isso que, aparentemente, é tão difícil que as pessoas mudem, sem contar que a mente consciente, impelida por um mecanismo de preservação energética, tende a “deixar tudo quieto, do jeito que está”. Por isso, as pessoas querem resultados diferentes sem alterar a própria estrutura mental. Em miúdos, para se ter resultados diferentes, é preciso aprender a pensar de maneira diferente, mas não é só isso. O “pensamento” deve ir além da mente consciente, já que, aquilo que nos move adiante, está alojado em nossa camada pré-consciente. Disso resulta a importância da Hipnose clínica, por permitir, justamente, trocar o “programa” de crenças limitantes, por um “programa” de crenças fortalecedoras.
ID e as Crenças Limitantes
Como acabamos de verificar, a repetição viabiliza a fixação, ou incrustação, das crenças limitantes, as quais acabam se instalando na mente subconsciente (pré-consciente). Não canso de voltar à primeira tópica freudiana porque falar simplesmente em “subconsciente” (assim como parece estar na moda, atualmente) não permite distinguir entre a esfera pré-consciente, que, assim como a camada consciente do aparelho psíquico, é referente à representação da palavra, e o ID, ou inconsciente profundo, que é inerente à representação da coisa. Existem outras características do ID (inconsciente), quais elas: atemporalidade, deslocamento, condensação e fragmentação, mas principalmente o princípio do prazer, que rege o seu funcionamento (do ID). E deve-se considerar também o seu logos, tão distinto daquele racional, que é pautado pela causalidade (causa e efeito), e é peculiar da esfera consciente.
Chegamos, pois, ao terceiro fator responsável pela criação e sustentação de crenças limitantes. Permaneçamos no âmbito da teoria freudiana para verificarmos, por meio da segunda tópica (a qual não é antagónica à primeira, e sim, complementar à mesma), que o enfraquecimento do ego e, por outro lado, a hipertrofria psíquica do Superego, podem ser responsáveis pela criação e alimentação (fixação, fomento) de crenças limitantes, principalmente aquelas ligadas ao sentimento de culpa e/ou à excessiva cobrança para consigo mesmo/a. A esse respeito, é preciso voltar à segunda tópica e frisar algumas das características do superego, assim como também, das outras duas instâncias que compõem o aparelho psíquico.
De antemão, é necessário realçar que o ego e o superego perpassam as três camadas (Ics, Pcs e Cs, ou seja: inconsciente, pré-consciente e consciente), enquanto o ID é exclusivamente inconsciente. Assim como é teorizado por Freud na segunda tópica, contida em “O Ego e o ID” (1923), o ser humano vem ao mundo completamente ID, isto é, totalmente tomado pela instância inconsciente. O recém-nascido, de fato, não consegue distinguir a si mesmo da mamãe, e com ela, inconscientemente, forma uma única entidade. A individuação, porquanto embrionária, começa aproximadamente de seis meses a um ano, sendo nesse momento que, em plena fase oral, o bebê começa a ter consciência de si enquanto ser separado da mãe, e com Lacan, vemos que o aprende, justamente, a partir desse outro que é mamãe. Trata-se da teoria do espelho.
Nosso primeiro espelho
Mamãe é o primeiro espelho para o bebê, e é através dela que emerge a percepção do Eu por parte do pequeno ser humano. Enfim, do ID surge o Ego. E o Superego? Segundo Freud sua introjeção – enquanto conjunto de normas, leis e regras, princípios morais, valores, tudo aquilo que é e não é cabível, e que o é, ou não, em determinada situação – ocorre em torno dos sete anos de idade. Todavia, Melanie Klein sugere que o surgimento do Superego é bem anterior e, de fato, eu concordo com essa psicanalista, na medida em que é possível observar como, crianças de 2, 3 ou 4 anos, já brinquem de algum “faz de conta”, por meio do qual elas passam a representar o papel do adulto, normalmente aquele dos “pais” de bonecas e ursinhos de pelúcia, ou mesmo uns dos outros, ou ainda, dos próprios pais, numa inversão de papeis, já que os filhos pequenos, em alguns momentos, atribuem aos pais o papel de crianças, assumindo elas mesmas o papel de pai/mãe e orientando os “filhos” segundo aquilo que pode ou não se pode fazer.
Um exemplo dessa atitude infantil foi bem descrito por Marion Milner, psicanalista britânica que, por sinal, foi supervisionada por Melanie Klein. Já escrevi um artigo (publicado no Portal/Blog do Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica) sobre o texto que Milner dedica ao resumo da análise de uma pequena de três anos, e essa menina, assim como as demais, em algum momento passava ela mesma a interpretar o papel de mãe, e a afirmar, solene, aquilo que era cabível e aquilo que não se podia fazer, no caso, para a própria Milner, durante os momentos lúdicos das sessões psicanalíticas. O que aqui tem mais relevância é que o Superego surge do Ego, que por sua vez surge do ID.
O Ego, basicamente, precisa mediar (e resistir) entre as moções pulsionais que emergem do ID com todo o ímpeto da energia psíquica de fundo sexual e agressivo que é a libido e, ao mesmo tempo, procura delimitar o seu campo, de maneira que o Superego não seja demasiadamente opressivo em seu disciplinar moralmente o self do sujeito. De fato, precisamos de um Superego atuante. Quando o Superego não cumpre o seu papel, ocorrem situações no mínimo embaraçosas. Há alguns dias, apenas para exemplificar, li a notícia de um casal que foi detido ao praticar sexo em uma calçada de uma cidade do interior de São Paulo, em frente a um estabelecimento comercial. Notadamente, o ID não quer saber de mediação ou de certo e errado, apenas busca a gratificação de suas pulsões, por meio da descarga da libido no soma (corpo).
O ego e o superego
Caso o Superego não cumpra corretamente o seu papel repressor, o ser humano não teria como resistir às moções pulsionais procedentes do ID e, portanto, situações como a da calçada da cidade do interior paulista, seriam corriqueiras. Da mesma forma, o Superego serve para inibir a descarga de impulsos agressivos, e isso, evidentemente, protege o sujeito e seus semelhantes, assim como outras espécies, da violência que, sem essa “mediação” superegóica, tomaria conta do planeta, ainda mais do que, lamentavelmente, lemos e vemos diariamente nos noticiários.
Resumindo, o papel do Superego é fundamental, sem embargo, caso o mesmo esteja inflado ou hipertrofiado, enfim, demasiadamente ativo e repressivo, essa instância torna-se responsável, ela mesma, pelo surgimento de diversos transtornos psicopatológico e, no caso aqui discutido, é a partir de um Superego opressivo – isto é, que invade continuamente o “campo” de atuação do Ego, que surgem crenças limitantes ligadas, principalmente, à culpa e à cobrança. Trocando em miúdos, o Superego é como um guarda “virtual”, introjetado durante a primeira infância e pelo qual somos fiscalizados em continuação. Se o ID está dizendo “quero isso, quero agora e ponto final”, o Superego diz: “Isso pode, isso não é cabível, ou não o é nesse momento, nessa situação”.
O Ego, lembremos, precisa mediar entre as duas instâncias e, ainda, precisa chegar a um compromisso com a realidade, ou seja, com o mundo externo, aquilo que se encontra fora do mundo intrapsíquico inerente ao Eu. Por essa razão, o Ego precisa ser fortalecido, ser emancipado, de maneira a conter as invasões do ID, as repressões do Superego e as ameaças do mundo externo. O papel da psicoterapia, quer se trate de Psicanálise ou de Hipnose Clínica é, justamente, o de fortalecer o Ego. Embora o assunto não se esgote e haveria muitas outras ponderações a serem feitas, esse artigo teve por objetivo esboçar as três principais causas e origens das chamadas crenças limitantes, indo além do óbvio (porquanto correto) que costuma ser dito acerca do fator emocional.
Conclusão
Como vimos, o legado de um trauma emocional tem a ver com o surgimento de convicções que, de fato, nos reduzem e limitam. Todavia, a fixação de crenças limitantes pode ocorrer, também, por meio da repetição. Em miúdos, as pessoas tendem a crer sempre mais naquilo que repetem ad nauseam. E enfim, principalmente nós, psicanalistas, precisamos compreender como, além dos dois fatores acima, a instância superegóica contribua para com a criação e sustentação de crenças limitantes, principalmente aquelas ligadas à culpa e à cobrança para consigo mesmo/a.
É nesse sentido que, apesar da necessária limitação, devida ao formato de paper para um Blog como aquele do Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica (por meio do qual completei minha formação como psicanalista clínico e completei um curso avançado de Tópicos de Clínica Psicanalítica, e ao qual sou filiado como psicanalista em exercício), consegui ao menos ampliar a discussão sobre algo tão importante e atual como é o caso das chamadas “crenças limitantes”, expressão em auge tanto nas redes sociais, como em cursos e formações de fundo psicoterapêutico. Se não der para esgotar o assunto, pelo menos vamos fomentar o debate e, ao mesmo tempo, tentemos extrapolar a reiteração acrítica do óbvio.
O presente artigo foi escrito por Riccardo Migliore([email protected]). Psicanalista Clínico formado pelo IBPC, e filiado ao mesmo. PhD em Letras pela UFPB. Pós-graduado em Psicanálise pela Faveni, completei o curso Avançado em Tópicos de Clínica Psicanalítica pelo IBPC. Hipnoterapeuta, formado em Hipnose Clínica, PNL Practitioner e Professor de Meditação. Atende online e presencial, no Espaço Terapêutico VC em Campina Grande, PB. Área de anexos
5 thoughts on “Crenças Limitantes: definição, origens e mecanismos”
Hoje bem menos, mas nas famílias mesmo naquelas que diziam não terem repetido a educação recebida dos antepassados, mas as “crenças” iam sendo repassadas. É semelhante a Cultura de uma Nação ou Empresa de grande porte! Aonde moro tem um Hipermercado, Opera Pix, tem caixa auto atendimento e de varejo se tornou também atacado (opera as duas modalidades, em separado), mas a gente acha na prateleira calculadora a venda, rotisserie de “mercado”: feijão, arroz, sufle, perna de frango e por aí vai! Noutra ponta, um colega do então 1. Grau, década de 70 (nos formamos em 1980), recentemente fazendo mestrado em area de Administração! Duas análises a se fazer: louvável pela ótica de se manter competitivo, mas por formação, ele deveria saber que a Sociedade e Mercado busca de pessoas acima dos 50 anos, a experiência e transmissão de conhecimento, ao invés de ainda buscar conhecer! Em suma: se tudo o que acreditou a ciência no passado, ficasse estático, ainda Charles Chaplin seria contemporâneo em sua crítica nos “Tempos Modernos”!
Parabéns pelo artigo esclarecedor .
Excelente artigo.
Excelente artigo! Realmente a espiritualidade é o contato mais importante do ser humano,com sua camada mais profunda. A crença faz parte do ser humano. É interessante que, em um dos livros mais antigos define a crença (FÉ) como: “A fé mostra a realidade daquilo que esperamos; ela nos dá convicção de coisas que não vemos. ” Todo ser humano têm suas crenças. Até o ateu tem sua crença, em não acreditar na “Existência de Deus. “
Muito bom o artigo.Fui criada com creças limitantes.Minha auto estima era ZERO,graças a Psicanalise me tornei uma nova pessoa, aonde as estançias estão em perfeita harmonia.