Quem é fã de cinema e, principalmente, de histórias de terror e suspense, deve conhecer o filme Psicose (título original: Psycho) ou pelo menos se lembrar da sua icônica cena de assassinato no chuveiro.
Sinopse do filme Psicose (1960)
Neste clássico suspense dirigido por Alfred Hitchcock, Marion Crane (Janet Leigh) se refugia no Motel Bates. O motel é administrado pelo enigmático Norman Bates (Anthony Perkins). Os encontros vão desencadear eventos misteriosos e descobertas sobre identidades fragmentadas.
Explora a dualidade psíquica, o Édipo, a dissociação e permite-nos reflexões sobre a diferença entre neurose, psicose e perversão, o que faz do filme uma fonte fundamental para debates psicanalíticos.
Onde assistir: No Brasil, em consulta realizada recentemente, verificamos que o filme está disponível em Globoplay, Amazon e AppleTV, entre outras plataformas.
Ficha técnica: Psicose (Psycho). Direção: Alfred Hitchcock. Roteiro: Joseph Stefano (livro “Psycho”, de Robert Bloch). Com Anthony Perkins, Janet Leigh, Vera Miles e John Gavin. País de produção: EUA, lançado em 1960, duração de 108 minutos.
Resumo e enredo do do filme
O filme, que estreou em 1960 sob a direção de Alfred Hichcock, causou forte impacto em seus espectadores, não só pelas cenas de violência (que embora não explícitas, eram incomuns para as produções da época), mas também por ter utilizado a linguagem cinematográfica para falar sobre uma estrutura psíquica complexa e cheia de meandros que foi durante muito tempo definida apenas como “loucura”: a Psicose.
No filme, que popularizou a figura do “assassino em série”, Norman Bates é um rapaz tímido e solitário que vive com a mãe em um hotel falido e decadente à beira de uma estrada. Em certa noite muito chuvosa, seu destino se cruza com o da bela secretária Marion Crane, que, em fuga pela autoestrada por haver se apropriado de uma alta quantia em dinheiro da imobiliária onde trabalhava, se vê obrigada a parar e passar a noite no local até que a forte tempestade que assombrava a noite passasse.
O primeiro contato entre os dois é amigável e embora ali a moça já tenha notado algo de estranho na personalidade de Norman, ela o associa mais com a sensação de “esquisito” do que com a de perigoso. Simpático, Norman convida Marion para jantar com ele e durante essa conversa podemos perceber o quanto o relacionamento dele com a mãe, uma figura que por sua descrição podemos perceber como extremamente autoritária e superprotetora, parecia difícil e conturbado.
A cena no chuveiro no filme Psicose
É após essa curta, porém reveladora, conversa entre os dois que acontece a famosa cena do chuveiro, em que Marion é brutalmente atacada durante o banho com inúmeros e frenéticos golpes de faca por uma figura sem rosto que, pela silhueta, supomos ser a mãe de Norman. Porém, o grande plot twist do filme é descobrir que na verdade a figura sem rosto não era a mãe de Norman, mas sim o próprio Norman, que utilizava uma peruca e se vestia com as roupas e acessórios da mãe para cometer seus crimes.
A partir daí vamos conhecendo os detalhes ainda mais sórdidos e macabros dessa história: Norman Bates havia assassinado sua mãe muitos anos antes e guardava o seu cadáver inerte em uma cadeira em seu quarto, falando e interagindo normalmente com ela como se ainda estivesse viva. Diante da dor e da culpa pelo assassinato da mãe, Norman havia criado sua própria forma de mantê-la viva – dentro de sua mente. Fez isso através do desenvolvimento de uma dupla personalidade, ato fantasioso que lhe permitiu construir um espaço interno onde mãe e filho ainda pudessem coabitar.
E foi com essa manobra psíquica delirante que Norman preencheu a lacuna de uma realidade impossível de ser suportada – o do assassinato da própria mãe – substituindo-a por uma “realidade paralela” onde pudesse fingir que a mãe ainda estava viva e, assim, fugir de tudo aquilo que tanto o afligia e atormentava no mundo real.
A relação de Freud com o filme
Essa “perda total do contato com a realidade” é, segundo Freud, a principal característica da Psicose, que ele define como uma estrutura psíquica complexa que se processa como o resultado de um intenso conflito entre o Eu e o mundo externo, um conflito tão avassalador para a subjetividade do sujeito que termina com a fragmentação do seu eu e com o comprometimento da sua capacidade de perceber a realidade exterior e de se adequar à ela. Freud divide esse conflito interno em duas etapas:
- Afastamento do eu da realidade – o ego (o “eu”) fracassa em tentar manter-se fiel às exigências do mundo externo e em tentar silenciar as intensas pulsões do Id.
- Reparação do dano e construção de uma nova realidade – o ego (eu), derrotado pelo Id, acaba se entregando à uma “realidade paralela” que passa a ser a única possível. Como sabemos, o Id é o componente da nossa estrutura mental cujo conteúdo, recheado de representações psíquicas simbólicas, está totalmente mergulhado no nosso Inconsciente.
Portanto, é um dispositivo interno que guia as nossas ações sem que tenhamos consciência disso, atuando dentro de nós de forma primitiva e instintiva seguindo o Principio do Prazer, que busca a satisfação de nossas necessidades imediatas sem impedimentos ou restrições de qualquer tipo. Em outras palavras o Id simplesmente não conhece o “não”, portanto não se preocupa com fatores como racionalidade, moralidade ou sociabilidade – tudo que ele quer é dar vazão imediata à todas as suas exigências pulsionais e obter prazer, à qualquer custo.
O caso de Norman Bates
Quando o ego e o superego (nossos dispositivos reguladores internos) falham em controlar as pulsões do Id, nos entregamos ao domínio dessas pulsões nos tornando incapazes de refrear nossos impulsos, desejos e emoções e também de reconhecer a natureza estranha/bizarra de nossos comportamentos. No caso de Norman, por falhar em conseguir se adequar àquela realidade externa angustiante – seu relacionamento impossível com a mãe e o consequente assassinato dela – ele se desfez do conteúdo racional do externo e o substituiu por um discurso interno vazio de nexo e recheado de falhas, porém o único possível para que seu eu pudesse continuar existindo.
Esse “novo real” construído por sua mente revela a tentativa desesperada do seu ego fragmentado em dar um novo sentido que mantivesse a sua história pessoal com algum significado e que oferecesse ao seu eu algum tipo de funcionamento possível dentro dessa nova realidade criada. O delírio (certeza de que sua ideia é verdadeira, apesar das evidências do contrário), a alucinação (identificar alguma coisa que não existe como sendo parte da realidade) e a fantasia (coisa que não tem existência real, mas apenas ideal) são os artifícios que ele utiliza para substituir a ausência do significante que antes sustentava os pilares de sua existência ou, em outras palavras, para “tapar o buraco” que se abriu em sua história pessoal.
Dessa forma, com seu eu dilacerado e sob o domínio de pulsões irrefreáveis, o indivíduo psicótico não consegue mais diferenciar o real da sua experiência subjetiva e, por isso, enquanto a fantasia e realidade se confundem dentro de sua mente, os delírios e as alucinações passam a ser um subterfúgio na angustiante tentativa de dar um sentido e uma lógica à sua visão particular de mundo e de atribuir algum significado à singularidade de suas experiências. Sobre uma possível cura para a Psicose, Freud é reticente…
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Considerações finais sobre Psicose (1960)
Embora reconheça a existência de um sujeito que pensa e que sente na condição psicótica, o pai da Psicanálise entende que o isolamento que ocorre com o doente e o enorme vazio semântico que é criado em sua trama é como um tecido fino que se rasga e se desfaz e cujo nenhum “remendo” jamais traria de volta a qualidade pretendida, já que deixaria para sempre à mostra as costuras que denunciam o seu rasgo.
Lacan, por sua vez, acreditando na dimensão iminentemente interpretativa do discurso e na capacidade do analista em oferecer novos significantes para preencher as lacunas desse discurso, defende ser possível encontrar no delírio do paciente alguma brecha que possa preencher a lacuna de sentido que se operou dentro dele contribuindo, assim, para auxiliar na estabilização das suas crises. Talvez a grande dificuldade em se tratar um psicótico pode estar expressa na conhecida frase: “O louco não acredita que é louco”. A cabeça do psicótico não é cheia de dúvidas e de questionamentos como a de um neurótico.
A cabeça de um psicótico é só certezas – ele não tem dúvidas com relação ao que faz e ao que diz. Não há nada que escape à sua compreensão, pois todas as razões de que precisa para garantir a legitimidade de seu discurso, pensamentos e ações já foram formuladas em sua mente pelo seu imaginário delirante. Dessa forma, para o psicótico não há nenhum problema a ser enfrentado ou questão a ser discutida – ele é simplesmente (e, por que não, terrivelmente?) o dono absoluto da verdade.
O presente artigo sobre o filme Psicose (Psycho) de Alfred Hitchcock, lançado em 1960, foi escrito por Pedro Costa. É historiador, escritor e estudante de Psicanálise. https://www.instagram.com/__pedrocosta/ https://linkedin.com/in/pedro-costa-07/
3 thoughts on “Filme Psicose (1960) de Hitchcock: análise psicanalítica”
Excelente artigo! Parabéns!
Muito bem explicado seu artigo. Parabéns.
Artigo excelente!