psicanálise ciência ou arte

Psicanálise: Arte ou Ciência?

Publicado em Publicado em Teoria Psicanalítica

Será a Psicanálise uma Arte ou uma Ciência? Vamos abordar o tema e observar o que especialistas como Freud já escreveram a respeito.

“A ciência não é uma ilusão, mas seria uma ilusão acreditar que poderemos encontrar noutro lugar o que ela não nos pode dar” (Sigmund Freud).

A Psicanálise já teve seus momentos gloriosos, particularmente na segunda metade do séc. XX. Sigmund Freud (1856-1939), médico neurologista, psiquiatra, criou a Psicanálise e, a partir daí, surgiram notáveis seguidores que acabaram “aprimorando” ou mesmo criando outras linhas teóricas e técnicas como, por exemplo, a Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung (1875-1961).

Seria a Psicanálise:

  • uma ciência, no sentido mais completo e rigoroso da definição da Epistemologia?
  • um saber ou campo do saber, por ter um método próprio e um conjunto de reflexões que se desdobram até hoje de suas temáticas?
  • uma arte, no sentido estético e de obra da imaginação?
  • uma arte, no sentido antigamente bastante usado de “conjunto de técnicas”?

Áreas e especializações das ciências

Até por volta dos séculos XVII ou XVIII, as áreas de conhecimento ou ciências não eram tão delimitadas, de modo que (por exemplo) muitos filósofos eram teóricos de diversas áreas que hoje vemos como independentes. Veja o exemplo de Descartes: filósofo, fisologista, matemático e tantas coisas mais.

Havia também esta diferença entre ciências da natureza (hoje talvez chamaríamos de exatas, físicas e biológicas) e ciências do espírito (que hoje chamaríamos de humanas e artes).

No século XIX, começam a surgir de forma mais clara as áreas de especialização do conhecimento humano: linguística, geologia etc.

Freud vinha de uma tradição das ciências da natureza: formação na área médica, usava nomenclaturas extraídas da física (como “resistência”).

Psicanálise: um saber “humano”

O projeto inicial de Freud seria talvez que a psicanálise fosse explicada em termos físicos/naturais, chegando talvez a um nível de explicar fisiologicamente como/onde cada transtorno se forma no cérebro, uma mescla com as preocupações do que seria hoje a neurologia, as neurociências e talvez a psiquiatria.

Mas, por limitações técnicas à época e por uma tendência cada vez mais cultural / social / simbólica / humana que Freud foi adotando, a psicanálise se firmou como ciência humana (ou “do espírito”), um pouco distante das ciências da natureza.

Isso foi se tornando mais “tranquilo” em função da percepção de que as ciências humanas poderiam ser validadas e reconhecidas mesmo sem a exatidão e o mecanicismo das ciências da natureza.

Apesar disso, a psicanálise manteve-se em contato como complemento à áreas mais “físicas” do estudo da mente, como a neurologia e a psiquiatria.

Freud foi nomeado doze vezes para o Nobel de Medicina e uma vez para o Nobel de Literatura. Dizem que esta menção ao Nobel de Literatura deixou Freud #chateado. Talvez por conta da sugestão “ficcional” deste Nobel de Literatura; ou talvez por ser um prêmio das ciências do espírito. Freud não ganhou nenhum Nobel.

As críticas à psicanálise de Freud

Muitas críticas surgiram, além de terem sido estabelecidas formas bastante destrutivas de atacar a Psicanálise. Uma das mais contundentes justamente é a da psicóloga, professora da Faculdade Simmons, de Boston, Sophie Freud. A neta de Freud afirma que “Só quem tem pouco bom senso levaria hoje a sério a maioria das ideias de Freud” (Cavalcante, 2016).

As críticas geralmente se referem à inexistência de metodologia científica que possa abarcar os conceitos e práticas utilizadas, tais como testes que comprovem realmente a eficácia de determina técnica que, muitas vezes, fica restrita a poucos pacientes e à interpretação do psicanalista e que, portanto, levaria a Psicanálise a estar mais próxima da Arte do que da Ciência.

O trecho a seguir é uma citação de Freud, bastante importante no tema da ética da/na psicanálise. Entende-se do trecho uma perspectiva de Freud pela neutralidade do analista. Isto é, não competiria ao psicanálise conduzir o analisando por um viés moralizante, nem mesmo uma “liberação” para que o analisando realize todas as suas vontades (haja vista que há aspectos superegoicos do convívio social).

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    Ainda assim, a abordagem de Freud é por posicionar a psicanálise como saber ou ciência que privilegia a especificidade e centralidade de cada analisando, ainda que existam aspectos mais universalizantes propostos por sua teoria.

    “Uma incompreensão maldosa, justificada apenas pela ignorância, é achar que a psicanálise espera que a cura dos distúrbios neuróticos se dê a partir da “liberação” da sexualidade. A tomada de consciência dos desejos sexuais reprimidos, na análise, possibilita antes um domínio dos mesmos, que não se alcançava com a representação anterior. É mais correto dizer que a análise libera o neurótico das cadeias de sua sexualidade. Além do mais, é muito pouco científico julgar a psicanálise pela sua possível aptidão para minar a religião, a autoridade e a ética, pois, como toda ciência, ela é não tendenciosa e conhece apenas o intuito de apreender uma porção da realidade de maneira não contraditória. Por fim, pode-se caracterizar como simplório o temor, manifestado por alguns, de que os chamados bens supremos da humanidade — pesquisa, arte, amor, sensibilidade ética e social — perderiam seu valor ou sua dignidade, porque a psicanálise é capaz de mostrar sua procedência de impulsos instintuais elementares, animais”. (FREUD. Sigmund. Vol.15. (1920-1923) Psicanálise e teoria da libido. p.268)

     

    Afinal, Psicanálise é ciência ou é arte? É ciência ou saber?

    Alguns até chamam vários de seus conceitos e técnicas como “fantasia psicanalítica”.

    Ao mesmo tempo, diversas drogas seriam capazes de resolver “as angústias da alma” quase que instantaneamente (como o antidepressivo Prozac, que já foi chamado de pílula da felicidade), ao passo que, com a Psicanálise, um tratamento poderia levar bastante tempo até que apresentasse um resultado efetivo.

    Ao que parece, o imediatismo que tomou conta da sociedade moderna pode levar a crer que drogas resolverão todos os problemas psicológicos das pessoas o que, absolutamente, não é verdade. Elas podem sim, em muitos casos, aliviar os sintomas e trazer um importante bem-estar, principalmente em momentos críticos o que, sabidamente, não nos faltam.

    Há também uma reflexão em epistemologia sobre o que é preciso para ser considerado ciência. Então, alguns autores divergem se a psicanálise seria uma ciência ou um saber (no sentido de “campo do saber”).

    Entendemos que possa até ser possível usar ciência, saber e até arte (no sentido mais amplo de técnica) como sinônimos ao mencionar a psicanálise. A menos que se esteja fazendo um debate epistemológico mais denso e seja preciso distinguir com maior precisão estes termos. O que seria difícil seria conceber psicanálise como uma arte no sentido puramente estético ou “criação da imaginação”, apesar de que muitos artistas tenham se inspirado na Psicanálise para suas obras.

    A atualidade da Psicanálise e outros tratamentos

    Nos dias atuais, particularmente, problemas como depressão, ansiedade e suicídio, acabaram apresentando um crescimento significativo. Somos essencialmente seres sociais; se nos tirarem isso, sucumbiremos… É muito interessante que o próprio Freud previu que “a biologia era um campo de possibilidades ilimitadas que poderia embasar o edifício da teoria psicanalítica” (Lima, 2009).

    É justamente esse o aspecto que vem se apresentando hoje com a chamada “Neuropsicanálise”, que seria a integração entre a Psicanálise e a Neurofisiologia. Não apenas isso, a neuroanatomia também pode ser de fundamental importância para apoiar as teorias e técnicas da Psicanálise.

    Como se sabe, por exemplo, a depressão possui um componente genético, ou seja, uma situação potencial que poderá se manifestar dependendo de diversos fatores, como estímulos ambientais, história de vida, etc.

    Já a esquizofrenia possui origem física, relacionada a um problema na anatomia do córtex pré-frontal do nosso cérebro, sendo que outrora era classificado como um trauma psicológico. Ainda assim, realmente algumas críticas são cabíveis pois, a própria linguagem utilizada pela Psicanálise muitas vezes parece algo feito apenas para “iniciados”, algo hermético, difícil de entender, e talvez por isso mesmo, sujeito a visões distintas.

    As técnicas usadas pela Psicanálise

    Interpretar sonhos (adivinhação?), complexo de Édipo, a insistência em justificar inúmeros problemas como de origem sexual, o hermetismo de inúmeros psicanalistas, como se não existissem outras possibilidades interpretativas à luz da Ciência, também contribuem para que a Psicanálise às vezes possa parecer mais Arte do que Ciência.

    Com tudo isso, seria possível imaginar que Freud e seu legado estariam condenados ou reduzidos mais a uma importância literária (aliás, os textos de Freud são de rara elegância mesmo) do que científica. Entretanto, novas e importantíssimas luzes surgem com o auxílio da Neurofisiologia, como já afirmado.

    O excepcional artigo “O modelo estrutural de Freud e o cérebro: uma proposta de integração entre psicanálise e a neurofisiologia”, de Andréa Pereira de Lima (2009), faz uma compilação dos principais artigos científicos que podem respaldar os conceitos da segunda tópica freudiana, no que se refere ao que Freud chamou “aparelho psíquico”, classificado como id, ego e superego.

    Aparelho psíquico para a psicanálise

    No artigo, a autora verificou que, analisando 20 trabalhos (de uma pesquisa inicial de 100) com os conceitos da segunda tópica de Freud, seria possível estabelecer uma forte relação do id, ego e superego, com algumas estruturas encefálicas e seus respectivos funcionamentos.

    Desta forma, “o id estaria relacionado aos circuitos neurais filogeneticamente mais antigos, como os circuitos do tronco cerebral, o feixe prosencefálico medial, a amígdala medial, o septo pelúcido, o hipotálamo o núcleo acumbens, o estriado e os núcleos talâmicos.

    O superego, como um freio modulador dos interesses motivacionais/pulsionais do id, estaria representado principalmente pelo núcleo central da amígdala e pelo córtex da ínsula. O ego, como o mediador entre as forças que operam no id, no superego e as exigências da realidade externa, estaria relacionado principalmente ao córtex pré-frontal, considerado atualmente a sede da personalidade, importante para a tomada de decisões e ajuste social do comportamento” (Lima, 2009).

    Certamente, esses importantes estudos estão sujeitos a novos aprofundamentos e revisões, mas é um passo importantíssimo para trazer a Psicanálise de volta, onde o genial Sigmund Freud deverá ser ratificado como uma das mais importantes e influentes personalidades da história.

    Sim, Freud não morreu, ao contrário, tal como a fênix, vem ressurgindo com mais força, mais embasamento, novas motivações, nesta tão falada pós-modernidade…

    Uma atualização: Que bobagem, de Pasternak e Orsi

    Em 2023, foi lançado o livro “Que bobagem”, de Natalia Pasternak e Carlos Orsi, que reacendeu o debate sobre temas que trouxemos antes aqui, neste artigo.

    Sem desmerecermos a relevância que Pasternak possa ter (tido) no debate sobre ciência, em especial no contexto da pandemia da Covid-19. Mas o alinhamento da autora neste livro é claramente em favor de uma linha norte-americana de pensamento (onde ela vive) e em prol da indústria farmacêutica (que lhe paga o salário, a autora informa em seu currículo Lattes que é contratada do conselho da farmacêutica Janssen).

    A diferença entre linhas “europeia” (“francesa” etc.) e “norte-americana” sempre aparece nos debates em humanidades (como em psicologia, linguística, antropologia etc.), e é até respeitável. São discursos diferentes quanto à concepção sobre o humano, embora existam dentro de autores dessas linhas grandes diferenças e contradições.

    Mas parece-nos que os erros da autora consistem em exagerar certo ranço contra a psicanálise e até mesmo com as Humanidades (não vamos tratar aqui sobre terapias alternativas, apenas Psicanálise):

    • a autora coloca num mesmo “balaio” psicanálise e outros tipos de terapia ou práticas alternativas, sem considerar que a psicanálise nunca rejeitou ser criticada, foi uma das principais teorias de enfrentamento às pseudoverdades místicas e nunca se colocou de fora do debate acadêmico ou científico;
    • a crítica da autora se estende, ao final, a todas as “ciências humanas”, no que ela mostra claro desconhecimento quanto à diferenciação entre as epistemes em exatas/biológicas e em ciências humanas;
    • a autora mostra desconhecimento sobre psicanálise e teoria de Freud, como detalhado neste artigo aqui de Christian Dunker, ao site UOL.
    • a autora desconhece pesquisas científicas de fora da psicanálise, que buscam testar (seja para validar, seja para rebater) alguns conceitos básicos da teoria psicanalítica, como apontado neste artigo de Sidarta Ribeiro e Mario Eduardo Costa Pereira.

    Muitos iniciantes podem pensar que é a primeira vez que a Psicanálise é atacada. Questionamentos à psicanálise sempre existiram. Isso é parte do debate em qualquer área do saber, como existem críticas a todas as correntes em psicologia, em humanidades, em exatas. Não deve existir dogma; a construção dos saberes humanos (científicos ou não) deve passar por críticas e reflexões.

    Nas humanas, existe a subjetividade não só de quem olha (o observador ou pesquisador), como também a subjetividade no próprio objeto (aquilo que é pesquisado, por exemplo, a psique humana). É ingênuo pensar que o humano seja redutível a um ambiente ideal de temperatura e pressão, que possibilite a repetição de um “experimento”, com resultados inequívocos.

    Desejar isso é idealização narcísica, um desejo de aniquilar o outro às suas expectativas ou padrões.

    Por fim, vale mencionar o fundamental (e curto) artigo de Renato Mezan, sobre “Que tipo de ciência é, afinal, a Psicanálise?

    Este artigo sobre “Psicanálise: ciência ou arte?” foi escrito por Mauricio Lambiasi e ampliado pela Equipe do Curso de Formação do Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica (inclusive, o capítulo sobre Pasternak é uma adição a posteriori da equipe de redação do nosso blog).

    1 thoughts on “Psicanálise: Arte ou Ciência?

    1. Mizael Carvalho disse:

      Excelente artigo! Penso que essas maldosas, são mais de questões financeiras. Porque a Psicanálise não faz uso de remédios homeopático ou halopatopático. E a respeito das pessoas que querem resultado rápido ou seja, imediatistas que terão muitas vezes ,um resultado temporário e não a cura de verdade. Parabéns pelo texto!

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