tragédia da creche de Santa Catarina

A tragédia da creche de Santa Catarina sob a ótica da Psicanálise

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Neste enfoque vamos examinar a tragédia da creche de Santa Catarina, no município de Blumenau, que chocou uma comunidade e o país inteiro sob o prisma da Psicanálise.

Tentaremos responder qual teria sido o gatilho motivador da ação e se o autor estava em surto, com ou sem teste de realidade íntegro, se houve ou não cogitação e futuro com relação a repercussão internacional da infração criminal e suas consequências. Este será o desafio a ser indagado ‘em tese’ e ‘a priori’.

Introdução sobre a tragédia da creche de Santa Catarina

Você com máxima certeza ouviu falar da tragédia pela Mídia, o que se abateu sobre a creche Cantinho Bom Pastor, uma escola infantil e contra turno escolar com mais de 12 anos de atuação, que foi vítima de um ataque onde culminou o desfecho de óbitos e feridos, ocorrido em SC, Blumenau.

Neste enfoque vamos encarar o desafio de tentar entender o que aconteceu a luz da esfera psicanalítica e responder indagações preliminares:

– O autor estava em surto e alucinado?

– Por que teria agido daquela forma contra crianças?

– Qual teria sido o gatilho acionador do ato e o que esperar para o futuro?

O fato induziu a uma profunda reflexão em todo tecido social nacional e foi notícia internacional.

Vamos realizar uma breve descrição do fato, entender reação inicial, qual o gatilho e motivação dessa triste e penosa ação, o peso da singularidade do autor. Vamos também, examinar o fenômeno em si, suas perspectivas futuras e o que esperar dos achados nos laudos que serão produzidos.

Descrição do fato sobre a tragédia da creche de Santa Catarina

No dia 5 de abril, por volta das 9h da manhã, uma pessoa aparentando 25 anos, usando um capacete rosa, segundo relatos, pulou o muro da creche localizada na Rua Caçadores, Bairro Velho, em Blumenau, Vale do Itajaí, SC, portando uma machadinha e uma faca. A escolinha tinha cerca de 40 crianças. De plano e chofre, a pessoa atingiu na cabeça 3 meninos e uma menina, feriu mais cinco. Uma professora alertada encerrou crianças numa peça e salvou da tragédia.

O autor que deflagrou o ataque consta ser viciado em drogas, e já ter passagens com antecedentes policiais, por lesão e danos. Foi preso por policiais militares após o ato. O lamentável resultado foram os 4 óbitos inesperados, o que chocou aquela comunidade e o país inteiro e o mundo internacional. O fato foi amplamente noticiado no planeta todo. Houve uma repercussão global, assim como os cases do exterior são noticiados e publicados no Brasil.

O mais complicado é que dia antes, em SP, um adolescente de 13 anos, também, já havia levado uma professora a óbito, numa escola. No Brasil, o país inteiro ficou perplexo, chocado e atônito com os fatos e passaram a se questionar: afinal, o que esta acontecendo a nível psicológico com as pessoas neste país?! Reação inicial no local da tragédia em Blumenau.

Um ato de selvageria

Graças a uma professora atenta e atilada, que foi prontamente reativa, foi evitado mais óbitos quando ela percebeu a pessoa praticando o ato de selvageria e tragédia, assim descrito por muitos. Ele desferiu golpes nas cabeças das crianças com uma machadinha depois de ter literalmente invadido a escola, pulando o muro.

Crianças foram colocadas em outras dependências e chaveadas e o autor não pode alcança-las, senão seria uma tragédia maior, numa escolinha com cerca de 40 crianças. Foi um ato classificado como insano e profundamente lamentável pela comunidade toda. Pesquisa da vida pregressa do autor revelou de plano, ser viciado em drogas. O aprofundamento da investigação do caso será deflagrado pelas autoridades que irão tentar também, entender o que aconteceu.

Evidente que laudos serão produzidos e possivelmente a análise de cena de crime que serão esclarecedoras. Por hora, não há como arriscar hipóteses sem um estudo profundo da historicidade do autor, dados divisórios da vida dele, o entendimento se houve ou não cogitação e do gatilho que deflagrou o ato e os ‘achados’ que serão consignados nos laudos.

Gatilho e motivação da ação na tragédia da creche de Santa Catarina

Cabe aos operadores das ciências P (Psiquiatria, Psicologia, Psicanálise e das Psicoterapias) tentarem decifrar o que aconteceu. Já existe um dado preliminar muito sintomático, o autor seria viciado em drogas. Isso remete à pré concepção inicial de questão de confusão ou delirium, alucinações, mas existe um fato inconteste.

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    O autor pulou o muro portando consigo instrumento de agressão, uma machadinha. Teria então cogitado, feito atos preparatórios, atos de execução, consumação sem exaurir por que não assassinou todos e culminou sendo preso. Existe a questão do dolo do ato premeditado. Isso de per si já colocaria uma questão importante: ora, se o autor pulou muro, tinha alvo, estava com instrumento, ele cogitou o fato e estaria em tese, com o teste de realidade íntegro.

    Será apurado o teste de realidade, ou seja, se ele estava ou não lúcido e consciente dos fatos. O gatilho, portanto, que motivou a ação teria sido precedido em tese, e a priori, de uma cogitação, uma deliberação. Vejam bem, em tese e a priori; o que vai ser confirmado ou não ‘a posteriori’, isso será evidente bem esclarecido junto com a historicidade da pessoa. Porque foi um ato singular, da pessoa.

    Um contexto com muitas variáveis

    Este ato singular está inscrito num contexto maior e mais complexo com muitas variáveis. Por que ele praticou o ato e a motivação será justamente o nó que terá que ser desatado. Quais os vínculos dele com o alvo que ele escolheu. Por que escolheu aquele alvo, isso tudo será apurado.

    Afinal, pegou um instrumento cortante e foi até o local, pulou o muro e realizou o desfecho por alguns já considerado aleatório. Aqui cabem duas observações: a confusão e o delírio são perturbações da consciência.

    O delírio muitas vezes resulta de um problema físico grave recém surgido ou de uma reação a um medicamento, ou substância, drogas. O delírio envolve crenças fixas falsas que a pessoa possui e afeta a percepção, porém, alguns estudos indicam que não afeta totalmente o teste de realidade da pessoa que tende ainda a ficar íntegro. Ou seja, a pessoa sabe o que faz. Já a alucinação envolve ouvir, ver, sentir o odor, o gosto ou ver coisas projetadas que não existem de verdade, as coisas ficam aparentes.

    Extremos de humor

    No ‘delirium tremens’, dos alcoólatras por exemplo, existe a tendência de ver elefantes cor de rosa, baratas gigantes, árvores gigantes, enfim, infinidade de coisas, projetadas no mente e cérebro. As alucinações são causadas por transtornos mentais.

    As drogas psicodélicas como LSD, a mescalina, psilocibina são alucinógenas, idem alguns tipos de chás de cipós, como da ‘ayahuasca’ também vegetal que contém a substância DMT (Dimetiltriptamina) além da tradicional ‘cannabis’ (maconha). Existem relatos, por exemplo, do uso do Santo Daime como um chá alucinógeno para se conectar com a esfera espiritual.

    Outro ponto a ser examinado são os chamados ‘extremos de humor’ que podem desencadear ataques de raivas, períodos de extrema euforia (mania) e depressão onde as emoções são suprimidas, a pessoa fica não responsiva, e fica apática. E quem diga que são sazonais. Relatam que índios aculturados nos EUA, em certos períodos praticavam crimes gravíssimos nas comunidades de forma sazonal. Evidente que o achado será muito importante para se determinar o gatilho. Não será jamais dispensado o exame detalhado da historicidade e dos dados divisórios da evolução da pessoa. Isso tende sempre ser feito e é revelador.

    O peso da singularidade da autoria na tragédia da creche de Santa Catarina

    Essa questão da historicidade que envolve examinar os vínculos da pessoa, a começar pela célula nuclear familiar e os dados divisórios da evolução nos remete a concepção de que são atos singulares, porém, com uma confluência de muitas variáveis. Uma delas, é justamente se houve ou não a cogitação que é o planejamento, a deliberação, o que exige racionalização Aliás, na teoria do Direito, existe o chamado ‘iter criminis’ que examina bem essa parte para fixar dolo e dosimetria de penas.

    Quanto mais avançar nas fases do ‘iter criminis’ mais agravada poderá ser a pena. A pessoa cogita, faz os atos preparatórios, faz a execução, a consumação e o exaurimento. Poderá nessa marcha haver o arrependimento e a desistência e a pessoa não deflagrar o ato o que envolve as emoções, os sentimentos, a empatia.

    A ausência disso nos remete a psicopatia. Antigamente, antes das reformas do CID (Código Internacional das Doenças) da OMS, e do DSM (Classificação das Patologias Mentais) da APA(Associação Americana de Psiquiatria) que são muito usados em vários países, havia a concepção da sociopatia que atualmente evoluiu para o conceito de psicopatia.

    A esfera psíquica

    Já estamos no CID-11 e DSM-6. Estes instrumentos (CID e DSM) estão sendo plenamente usados de forma prioritária nos EUA para avaliar e tentar achar explicação tanto psiquiátrica, psicológica como psicanalítica dos ataques que lá também ocorrem em escolas, shoppings, jogos, eventos em geral, ataques políticos e tudo mais.

    São ‘n’ situações mais dolorosas onde algumas careceram de exame na esfera psíquica mais profunda como foi o case expoente do assassinato do presidente John Fitzgerald Kennedy (1917-1963) que foi baleado em 22 de novembro de 1963 por Lee Harvey Oswald (1939-1963) um jovem que foi fuzileiro e era psicopata. Vejam que ele foi fuzileiro, passou por testes psicológicos.

    Porém, o mecanismo que levou ele agir como ‘lobo solitário’ até hoje não foi bem explicado. É o chamado peso da singularidade do autor. Muitos cases ficam imersos em mistérios, carecem de estudos profundos na esfera das ciências P (Psiquiatria, Psicologia, Psicanálise e Psicoterapias).

    Um fenômeno biopsicossocial

    Já é consenso universal que a infração criminal violenta, que tira vida de pessoas, entre outras, é um fenômeno biopsicossocial atemporal, que perpassa raças, cor, origem, faixa etária, sexo, status, signo, família estruturada ou não, opções pessoais, enfim, ou seja, não tem hora e tempo para ocorrer.

    É atemporal, ou seja, pode ocorrer a qualquer hora do dia ou noite. E os ataques em escolas, cinemas, shoppings, alguns eventos, tem sido a grande preocupação das autoridades americanas. São atrocidades que depois tendem a se beneficiar de um certo silêncio e até esquecimento. Algo que cala a pessoa porque gera um choque.

    Um dos equívocos na análise é a tendência das pessoas generalizarem o ato singular e associarem tais situações a visões racistas, misóginas, homofóbicas, nazistas e fascistas, ideologizando o ato. Porque é um ato psíquico embora tenha também esses vieses citados em muitos casos.

    Incongruência de gêneros

    Poderão haver tais implicações quando ocorrem por exemplo, genocídios como foi o holocausto. Porém, sabemos hoje que a quase totalidade dos agentes e autoridades envolvidos naqueles crimes eram psicopatas ideologizados e extremados. Nas reformas do CID e DSM isso foi levado em conta porque acabaram incorporados nas novas redações situações sociais deste tipo com seus códigos e descrição.

    Por exemplo, o CID-11 já em vigor incorporou várias novas situações emergentes a começar pelo autismo, a ‘disorder gaming’, a incongruência de gêneros e outras peculiaridades que vão aparecendo no tecido social como a questão da resistência dos micro organismos.

    Esse fenômeno de ataque em escolas, shoppings, cinemas e tudo mais, já encontraram guarida no CID-5 e DSM-10. São transtornos mentais, porém, ressalte-se que alguns não afetam o teste de realidade, portanto, serão punidos como crimes de dolo com cogitação.

    A tragédia da creche de Santa Catarina: caso psíquico e singular

    Esse fenômeno de matar pessoas em escolas, cinemas, eventos, centros de compras é algo mundial, é universal, portanto, justificado pela concepção biopsicossocial. ‘Bio’, porque envolve corpos, fisiologia e anatomia; ‘Psico’ porque envolve mente e cérebro e ‘Social’ em razão de sua imensa repercussão global. Já esta comprovado que não é produto da luta de classes e muitos menos expressão cultural.

    É um caso tipicamente psíquico e singular. Alguém poderá argumentar, mas foi um grupo, porém, a pessoa que está no grupo ela é singular. Poderá ser o chefe, líder ou cabeça, mas é singular. E o singular pode optar em não fazer. Muitos ‘cases’ nos EUA e em vários países, são praticados pelos chamados ‘lobos solitários’. O case do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, no Brasil. que foi esfaqueado no dia 6 de setembro de 2018 em ato público, ainda está nessa condição do lobo solitário, um caso tipicamente psíquico. Perspectivas futuras de novos ‘cases’.

    Em razão deste case lamentável de Blumenau, SC, as autoridades e seus diretores serão compelidos a agir e fixar normas fortes nas escolas, creches, cinemas, shopping. Em escolas talvez o uso de um alarme seja adotado, bem como cercamentos até eletrônicos, muros com arames, detectores, o que em escolas privadas já adotam; idem, treinamentos, vigilâncias, porque são cases psíquicos. As perspectivas futuras vão passar por esse viés, de que são cases psiquiátricos, psicológicos, psicanalíticos com ou sem cogitação.

    Atos preparatórios

    A cogitação é o planejamento e os atos preparatórios, a fase que antecede a execução e o momento que se pode deter o ato que se pretenda ser deflagrado. Isso vai exigir muita pro-atividade. A reatividade é importante como fez a professora que isolou imediatamente crianças e evitou mal maior, foi mais uma mulher herói.

    Porém, a reatividade pode não evitar o mal maior, que é o óbito. O autor pensa, planeja e executa por mais que seja psicopata e portador de transtorno mental. Este é um grande desafio para autoridades no futuro.

    O futuro laudo psíquico

    Muito importante destacar que os laudos que serão produzidos neste case é que vão dar o correto norte combinado com a busca da historicidade e dados divisórios da evolução da pessoa na sua singularidade.

    Sem esses documentos fica difícil se firmar uma convicção sobre possível ‘achado’ em tese, baseado só em hipóteses. É preciso esperar o resultado das autoridades.

    Entretanto, algumas conclusões são possíveis, mas, sempre em tese, e a priori. Porque na práxis e a posteriori, tudo pode ter novas revelações.

    Conclusão sobre a tragédia da creche de Santa Catarina

    Diante de tudo o que foi acima exposto, com a problematização formulada seria sim, possível, se antever alguns pontos em que pese, sejam em tese, em esfera psíquica.

    As indagações concebidas de forma preliminar são: qual teria sido o gatilho motivador da ação ? Estaria surtado o autor ? Poderia ele estar alucinado? Ele usou drogas antes ? Possui uma categoria nosológica como por exemplo, seria esquizofrênico? Seria psicopata ?

    Tudo carece de exames clínicos por hora, tanto de sangue, urina, tomografias, ressonância, enfim, o que será apurado pelas autoridades evidentemente. Entretanto, salvo melhores juízos, é sintomático ter pulado o muro e portando machadinha o que leva a uma situação de cogitação, planejamento, alvo escolhido, atos preparatórios, dolo, ou seja, vontade, portanto, não estaria, em tese, afetando o teste de realidade.

    Os detalhes psíquicos

    Só o tempo vai nos revelar os detalhes psíquicos deste lamentável case que abalou as famílias e tem um gatilho e uma motivação alojados no inconsciente do autor. Vale salientar que o inconsciente é objeto da Psicanálise.

    O tempo nos responderá bem essas questões, mais um case no catálogo dos anais policiais, judiciais e psicológicos.

    Artigo escrito por Edson Fernando Lima de Oliveira (e-mail: [email protected]), Licenciado em História e Filosofia. PG em Psicanálise. PG em Filosofia Clínica e Neuropsicanálise.

     

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